Resumo: O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre a operação interestadual com mercadoria sem destinatário certo no Estado de destino (popularmente denominada de “à procura de vendas”) e o crédito de ICMS decorrente desta operação, quando realizada por contribuinte optante pelo Simples Nacional. A questão é saber se o contribuinte optante pelo Simples Nacional pode utilizar o crédito de ICMS, e em caso positivo em qual percentual, para compensar o imposto a ser pago antecipadamente, no momento da entrada no Estado de destino.
Palavras-chave: ICMS, CRÉDITO, OPERAÇÃO “À PROCURA DE VENDAS”, SIMPLES NACIONAL.
Sumário: 1 - Introdução; 2 – Tratamento Tributário da Operação “à Procura de Vendas”; 3 – Crédito de ICMS na Operação “à Procura de Vendas” Quando Realizada por Optante pelo Simples Nacional; 4 - Conclusão.
1 - INTRODUÇÃO
Em torno do ICMS gravitam as mais variadas dúvidas. Sobre a base de cálculo, sujeito ativo, sujeito passivo, responsabilidade tributária, local da operação entre outras.
A questão relacionada ao crédito de ICMS ocupa papel dos mais relevantes dentro das discussões a respeito do imposto.[1]
Com a publicação da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, instituiu-se o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, também denominado de Simples Nacional, uma sistemática de tributação totalmente nova para os Estados (ainda que derivada do antigo Simples Federal).
Esta sistemática de tributação diferenciada, favorecida e simplificada inclui, entre os seus tributos, o ICMS.
Ocorre que a sistemática de tributação levada a efeito através do Simples Nacional veda à microempresa – ME e empresa de pequeno porte – EPP o aproveitamento de créditos do ICMS e de outros tributos (a exemplo do IPI).[2]
Merece registro o fato de que o destinatário da mercadoria poderá se creditar do ICMS, caso não optante pelo Simples Nacional.[3]
Diante disso, como deve ser realizado o cálculo do ICMS devido pela ME ou EPP optante pelo Simples Nacional que realizar operação interestadual com mercadoria sem destinatário certo no Estado de destino (popularmente denominada “à procura de vendas”)?
Em outras palavras, o imposto a ser pago pela ME ou EPP optante pelo Simples Nacional a título de antecipação do imposto em casos que tais deve levar em consideração algum crédito de ICMS?
É o que analisaremos no presente artigo.
2 – TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DA OPERAÇÃO “À PROCURA DE VENDAS”
Nas operações interestaduais para venda sem destinatário certo no Estado de destino (à procura de vendas), o contribuinte localizado em outra unidade da Federação traz consigo diversas mercadorias para serem comercializadas. Neste caso, qualquer um (contribuinte ou não do imposto) pode adquirir as mercadorias.
A título de exemplo podemos citar os comerciantes que vendem cofres e móveis de vime nas ruas e avenidas das cidades.
A situação, em tudo e por tudo, muito se assemelha ao comércio ambulante.
Como não têm qualquer controle fiscal e cadastral sobre tais contribuintes, os Estados exigem o pagamento antecipado do ICMS quando contribuinte de outra unidade da Federação tem por objetivo realizar venda de mercadorias sem destinatário certo no Estado de destino.[4]
Em outras palavras, no momento em que o contribuinte estabelecido em unidade Federada distinta daquela para a qual a mercadoria é destinada passa pelo posto fiscal de fronteira, o imposto é exigido.
Significa que o imposto deve ser pago antes mesmo da efetivação da venda das mercadorias, ou mesmo no caso em que as mesmas não sejam vendidas.
Esta exigência antecipada do imposto tem algumas justificativas, a saber: (i) proteção do mercado local, uma vez que o contribuinte de outro Estado não recolheria imposto algum para o Estado de destino das mercadorias; (ii) garantia de carga tributária igualitária entre os contribuintes (do Estado de destino e do remetente das mercadorias), posto ser exigido a diferença entre a alíquota interna e a interestadual.
3 – CRÉDITO DE ICMS NA OPERAÇÃO INTERESTADUAL “À PROCURA DE VENDAS” QUANDO REALIZADA POR CONTRIBUINTE OPTANTE PELO SIMPLES NACIONAL
Com o objetivo de simplificar e facilitar a compreensão do tema proposto, analisaremos a legislação do Estado de Alagoas, que em quase tudo se assemelha às demais legislações já citadas (Goiás, Bahia e Minas Gerais).
Em relação às operações com mercadorias oriundas de outra unidade da Federação para venda sem destinatário certo em Alagoas, estabelece o art. 614 do Regulamento do ICMS:
“Art. 614. Nas vendas a serem realizadas no território deste Estado, de mercadorias provenientes de outra unidade da Federação, sem destinatário certo, o imposto será recolhido antecipadamente, na primeira repartição fazendária por onde transitarem ou onde se encontrarem as mercadorias, observadas as seguintes disposições:
I - o cálculo do imposto será feito mediante aplicação da alíquota vigente para as operações internas, sobre a seguinte base de cálculo:
(...)
II - do valor obtido na forma do inciso anterior, será deduzido o imposto cobrado na origem relativamente às operações e prestações de serviço de transporte.
§ 1º Na aplicação do disposto no inciso II, do "caput" deste artigo, observar-se-á, para efeito do abatimento, o limite correspondente à quantia resultante da aplicação da alíquota vigente no Estado de origem, para as operações e prestações interestaduais realizadas entre contribuintes, sobre o valor da mercadoria e do serviço indicados na documentação fiscal.
(...)” (grifo nosso)
Este o dispositivo legal no Estado de Alagoas que disciplina as operações ora em apreço. Atrelado a ele temos as seguintes premissas básicas: (a) o imposto é recolhido antecipadamente na entrada do Estado, constituindo-se em antecipação com agregação, sem encerramento da fase de tributação; (b) o contribuinte de outra unidade da Federação tem direito ao crédito fiscal da operação própria (relativo à alíquota interestadual), a ser deduzido do imposto cobrado antecipadamente; e (c) a venda realizada a outro contribuinte neste Estado deverá ser feita com destaque do ICMS, para fins de crédito do adquirente.
Não há, no dispositivo legal supracitado (assim como nas legislações dos demais Estados), qualquer referência a contribuinte optante pelo Simples Nacional. O ideal seria que as operações em apreço envolvendo tais contribuintes estivessem positivadas na legislação alagoana, assim como nas legislações dos demais Estados que adotam o mesmo tratamento tributário para este tipo de operação.
Diante disso, como deve ser feito o cálculo do imposto exigido antecipadamente?
É possível ao contribuinte optante pelo Simples Nacional utilizar crédito fiscal para fins de compensação do imposto a ser pago antecipadamente?
A nosso sentir, possível a adoção de três linhas de raciocínio, quais sejam: a) não permitir a fruição de qualquer crédito fiscal, impedindo a compensação do imposto a ser pago antecipadamente; b) permitir a dedução apenas do valor informado no documento fiscal de acordo com a sistemática prevista para o Simples Nacional (1,25% a 3,95%); e c) permitir a dedução do crédito de ICMS de acordo com a origem da mercadoria (4%, 7% ou 12%), a título de crédito presumido.
3.1 Da impossibilidade de fruição do crédito fiscal para compensação do imposto a ser pago antecipadamente nas operações interestaduais “à procura de vendas”
A Lei Complementar nº 123, de 2006, em seu art. 23, veda ao optante pelo Simples Nacional a apropriação de qualquer crédito relativo ao ICMS, como visto em linhas pretéritas.
Ora, uma vez que o contribuinte optante pelo Simples Nacional não pode se creditar de qualquer valor a título de ICMS, nada mais lógico e racional que impedir a dedução do imposto a ser pago antecipadamente nas operações interestaduais “à procura de vendas”.
Acaso aceita esta linha de raciocínio, teríamos o seguinte: o imposto a ser pago antecipadamente seria calculado aplicando-se a alíquota interna sobre a base de cálculo prevista para a operação, sem qualquer dedução.
Em outras palavras, o cálculo do imposto devido antecipadamente seria feito levando-se em conta a alíquota de 17% ou 25% (de acordo com a mercadoria), sobre a base de cálculo respectiva, sem qualquer dedução.
Apesar de possível, não nos parece ser esta a melhor solução. Explicaremos mais adiante por quê.
3.2 Do percentual a ser deduzido do imposto a ser pago antecipadamente nas operações interestaduais “à procura de vendas”
A Lei Complementar nº 123, de 2006, que instituiu o Simples Nacional, estabelece o seguinte em relação às operações sujeitas à antecipação tributária do ICMS (como é o caso em questão):
“Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(...)
§ 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
(...)
XIII – ICMS devido:
(...)
g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:
1. com encerramento da tributação, observado o disposto no inciso IV do § 4º do art. 18 desta Lei Complementar;
2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor;
(...)”
De acordo com o dispositivo acima transcrito, das duas uma: ou o Estado de Alagoas (e os demais Estados) exige o pagamento antecipado do ICMS com agregação, encerrando a tributação, permitindo ao contribuinte que segregue a receita obtida da venda da mercadoria como não sujeita ao ICMS na forma do Simples Nacional, como mencionado na parte final do item 1 da alínea “g” do inciso XIII do § 1º do art. 13 da Lei Complementar nº 123, de 2006; ou, por outro lado, o Estado de Alagoas (e os demais Estados) exige o pagamento antecipado do ICMS sem qualquer agregação, cobrando apenas e tão-somente a diferença de alíquotas.
Esta operação com mercadoria oriunda de outra unidade da Federação, para venda sem destinatário certo em Alagoas, em muito se assemelha às operações sujeitas à substituição tributária. Podemos dizer que são “primas-irmãs”, tamanha a proximidade e semelhança entre elas, notadamente pelo fato de encerrarem a fase de tributação (totalmente na substituição tributária e exclusivamente do próprio contribuinte na operação “à procura de vendas”).
Dentro deste contexto, a operação em comento encerra somente a tributação do optante pelo Simples Nacional, uma vez que o pagamento do imposto é com agregação. As demais operações serão tributadas normalmente, se for o caso.
Assim, como a legislação tributária estadual estabelece um regramento específico para as operações oriundas de outra unidade da Federação a vender em Alagoas sem destinatário certo (antecipação com agregação com encerramento da tributação apenas do contribuinte remetente), deve ser adotado, para os contribuintes optantes pelo pagamento do ICMS na forma do Simples Nacional, a regra estabelecida no item 1 da alínea “g” do inciso XIII do § 1º do art. 13 da Lei Complementar nº 123, de 2006, a qual estabelece a agregação com encerramento da tributação.
Adotado este raciocínio, a operação em quase tudo se assemelha à sistemática prevista para a substituição tributária, posto que: (i) há encerramento da fase de tributação do contribuinte; e (ii) o optante pelo Simples Nacional deve segregar a receita oriunda de tais operações para fins de pagamento do ICMS devido nos termos do Simples Nacional, tal qual nas operações sujeitas à substituição tributária.
Devido à proximidade entre as duas sistemáticas e levando-se em conta a integração como forma de preencher a lacuna legal que se apresenta, natural que adotemos a mesma forma de cálculo prevista para a substituição tributária, como estabelecido no § 2º do art. 28 da Resolução CGSN nº 94, de 2011, que assim dispõe:
“Art. 28. Na hipótese de a ME ou EPP optante pelo Simples Nacional se encontrar na condição de substituta tributária, as receitas relativas à operação própria decorrentes: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º; art. 18, § 3º)
(...)
§ 2º Em relação ao ICMS, no que tange ao disposto no § 1º, o valor do imposto devido por substituição tributária corresponderá à diferença entre: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 13, § 6º, inciso I)
I - o valor resultante da aplicação da alíquota interna do ente a que se refere o § 1º sobre o preço máximo de venda a varejo fixado pela autoridade competente ou sugerido pelo fabricante, ou sobre o preço a consumidor usualmente praticado; e
II - o valor resultante da aplicação da alíquota interna ou interestadual sobre o valor da operação ou prestação própria do substituto tributário.
(...)” (grifo nosso)
Esclarecendo o dispositivo acima citado, nas operações sujeitas à substituição tributária em que o optante pelo Simples Nacional figure como substituto tributário, o cálculo do imposto deve ser feito observando-se o crédito relativo à operação interestadual (4%, 7% ou 12%).
Trata-se, em verdade verdadeira, de um crédito presumido outorgado pela Resolução CGSN nº 94, de 2011 (não entraremos no mérito se a concessão deste crédito presumido é legal ou ilegal).
Esta a forma de cálculo a ser adotada nas operações interestaduais sem destinatário certo no Estado de destino (à procura de vendas), quando realizadas por contribuinte optante pelo Simples Nacional: sobre a base de cálculo prevista para a operação, aplica-se a alíquota interna do Estado destinatário das mercadorias (17% ou 25%), deduzindo-se o crédito (presumido) relativo à operação interestadual (4%, 7% ou 12%).
Para finalizar a argumentação, registre-se que o crédito de ICMS como previsto no Simples Nacional (1,25% a 3,95%) somente pode ser utilizado pelo contribuinte não optante pelo Simples Nacional (nas aquisições de mercadorias), e por conta disso não pode ser utilizado pelo optante pelo Simples Nacional como forma de dedução do imposto a ser pago antecipadamente nas operações interestaduais “à procura de vendas”.
Esta a previsão contida no § 1º do art. 23 da Lei Complementar nº 123, de 2006, como visto anteriormente.
Assim, temos que o contribuinte optante pelo Simples Nacional não pode, jamais, fruir do crédito de ICMS estabelecido para esta sistemática de tributação.
Por outro lado, pode gozar do crédito presumido previsto no art. 28 da Resolução CGSN nº 94, de 2011, especialmente para deduzir o imposto devido a título de antecipação tributária nas operações interestaduais “à procura de vendas”.
4 - CONCLUSÃO
A Lei Complementar nº 123, de 2006, que instituiu o Simples Nacional, trouxe muitas das concepções do antigo Simples Federal.
Ocorre que tais concepções, em muitos casos, não se adéquam à sistemática operacional do ICMS, fato que gera muitas dúvidas quando da aplicação dos dispositivos legais aos casos concretos.
Aqui, procurou-se elucidar a questão envolvendo o contribuinte optante pelo Simples Nacional que realiza uma operação muito comum, qual seja: a operação interestadual com mercadoria para venda sem destinatário certo no Estado de destino (à procura de vendas).
Como visto, as legislações estaduais estabelecem o tratamento tributário em relação a estas operações sem levar em consideração, por enquanto, a figura do optante pelo Simples Nacional, notadamente tendo em vista a forma de cálculo adotada para a exigência do imposto em casos que tais.
Diante disso, devemos encontrar a melhor solução (para o Estado e para o contribuinte) para a questão, que como demonstrado acima é a seguinte: a forma de cálculo a ser adotada nas operações interestaduais sem destinatário certo no Estado de destino (à procura de vendas), quando realizadas por contribuinte optante pelo Simples Nacional é: sobre a base de cálculo prevista para a operação, aplica-se a alíquota interna do Estado destinatário das mercadorias (17% ou 25%), deduzindo-se o crédito (presumido) relativo à operação interestadual (4%, 7% ou 12%).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e Prática, 4ª edição. São Paulo: Dialética, 2000.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998.
DE OLIVEIRA, Gustavo G. O uso da analogia e da interpretação extensiva no Direito Tributário. Revista Tributária e de Finanças Públicas. Ano 13, nº 61, março – abril de 2005. Coordenação: Dejalma de Campos. Revista dos Tribunais: São Paulo/ SP.
Notas
[1] A título de exemplo, podemos indicar os seguintes processos classificados como de Repercussão Geral no STF: RE 628075 RG/RS, RE 603917 RG/SC e RE 588954 RG/SC.
[2] Esta a previsão contida no caput do art. 23 da Lei Complementar nº 123, de 2006: “Art. 23. As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional.
[3] Art. 23, § 1º da Lei Complementar nº 123, de 2006: “Art. 23. (...) § 1º As pessoas jurídicas e aquelas a elas equiparadas pela legislação tributária não optantes pelo Simples Nacional terão direito a crédito correspondente ao ICMS incidente sobre as suas aquisições de mercadorias de microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, desde que destinadas à comercialização ou industrialização e observado, como limite, o ICMS efetivamente devido pelas optantes pelo Simples Nacional em relação a essas aquisições.
[4] A respeito deste tratamento tributário, podemos citar os seguintes Estados que o adotam: Goiás (art. 27 do Anexo XII do Regulamento do ICMS); Bahia (art. 348 do Regulamento do ICMS); Minas Gerais (art. 72 do Anexo IX do Regulamento do ICMS) e Alagoas (art. 614 do Regulamento do ICMS).