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Financiamento de campanhas eleitorais

03/05/2013 às 16:45
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Debate-se o financiamento público exclusivo como a melhor das opções, mas tal alternativa esta longe de ser consenso no Congresso Nacional.

Em tempos de eleição, muito se fala sobre analisar a vida dos candidatos, suas propostas e planos para a melhoria da sociedade. Na condição de advogado especializado em Direito Eleitoral, quase tudo que leio diariamente nos jornais diz, com palavras diferentes, rigorosamente a mesma coisa.

Uma das reflexões que trago em minhas aulas e palestras é “por que não conseguimos impedir que tantos ‘Carlinhos Cachoeiras’ influenciem a democracia brasileira?” E a resposta geralmente é genérica. Dizem “corrupção”, como se corrupção surgisse do nada e desaparecesse de repente, após campanhas moralizantes por “ética na política”.

O problema central, o custo de uma candidatura, é tangenciado, tão somente. A democracia, em qualquer parte do mundo, envolve altos valores. A brasileira, de forma singular, é a segunda mais cara, atrás apenas dos Estados Unidos.

Tamanha é a soma de capital envolvida em uma campanha eleitoral, seja com material, profissionais de mídia, cabos eleitorais, advogados eleitoralistas, deslocamento dos candidatos, entre tantas coisas, que chegamos a um verdadeiro impasse. Sem recursos, não há campanha. Por óbvio, ferimos o princípio da igualdade quando alijamos os menos abastados da condição de pleitear de forma equânime um cargo político. Salvo raras exceções, em localidades em que a “sola de sapato gasta” ainda funciona, o comum é, antes de qualquer cogitação acerca de uma candidatura, avaliar qual será o montante disponível para gastar e, principalmente, de onde virão os recursos. E é aí que surgem os “cachoeiras”.

A Lei nº 9.504/97 e a Resolução do TSE nº 23.376/2012 estabelecem como limite de doações para as campanhas o percentual de 10% do valor declarado no Imposto de Renda do exercício anterior para pessoas físicas e 2%, para pessoas jurídicas. Entretanto, doar dinheiro para políticos é uma prática pouco aceita entre os brasileiros.

Nos Estados Unidos, que não são ótimo exemplo de democracia, existe financiamento público de campanha e o candidato pode optar entre receber recursos do Estado ou captar, por sua conta e risco, na iniciativa privada. Em 2008, o então candidato Obama inovou e decidiu pela segunda opção. Por meio de articulada e sistemática campanha por pequenas doações (poucos dólares), Obama arrecadou pela Internet mais de 500 milhões, mais de 5 vezes o valor recebido por seu adversário, que optou por receber 84 milhões do Estado.

No Brasil, a realidade é bem diferente. Na última eleição presidencial, após leniência das operadoras de cartão de crédito em permitirem que candidatos começassem a receber doações via Internet, as três maiores candidaturas arrecadaram valores irrisórios. A então candidata Marina Silva, que mais recebeu recursos, mal conseguiu cobrir os gastos operacionais para disponibilizar tal modalidade de doação na Web. Dilma Rousseff experimentou a mesma sorte. José Serra, diante da quase inexistência de doações, abandonou aquela modalidade no meio da campanha.

Historicamente, a campanha política recordista em número de doadores foi a do ex-presidente Lula, em 2002. Mesmo assim, o número de aproximadamente 2.000 contribuintes voluntários é insignificante para uma campanha de proporções nacionais.

A existência de vários doadores de pequenas quantias permite independência ao candidato, como no caso Obama. No popular, é um antídoto contra “rabo preso”. Porém, a realidade eleitoral brasileira é solo fértil para os surgimentos de “caixa dois” e de tantos “cachoiras”, financiadores de grande monta e com interesses espúrios.

É evidente que o responsável maior é a mesma sociedade que se indigna com escândalos de corrupção, faz passeatas com bonitos cartazes clamando por “ética na política”, mas que não admite a ideia de contribuir voluntariamente para campanhas de candidatos que julgam merecedores da sua confiança. Doar dinheiro para político é vulgarizado, quando não escrachado por colunistas de jornais.

Posto isso, a Reforma Política nunca foi tão urgente. E para ser reforma de verdade, terá que modificar as regras para o financiamento das campanhas. Debate-se o financiamento público exclusivo como a melhor das opções, mas tal alternativa esta longe de ser consenso no Congresso Nacional. Por experiência própria, na condição de assessor jurídico de um prestigiado deputado federal, vivenciei a dificuldade que o tema era tratado entre os congressistas. Especialmente para os mais abastados, que incorporam o que a doutrina jurídica chama por abuso de poder econômico e político, o tema parece tabu.

Enquanto isso, continuamos ferindo a isonomia prevista na Constituição Federal de 1988, afastando eleitores de candidatos e permitindo o surgimento por cissiparidade de “cachoeiras”. Carlos é apenas o “escândalo da vez”, o operador de um dos incontáveis sistemas que veem e vão no noticiário nacional. Carlos provoca passeatas por “ética na política” e nada mais. Será esquecido em alguns meses quando um novo escândalo, com novos personagens, surgir. É certo que novas passeatas virão. Já mudanças no financiamento das campanhas tardarão e falharão, como sempre.

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Sobre o autor
Renato Ribeiro de Almeida

Professor universitário e sócio de RIBEIRO DE ALMEIDA ADVOGADOS, tem Mestrado (em andamento) em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduado em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Também é formado na Escola de Governo – Curso de Formação de Governantes e Dirigentes Públicos (USP). Foi assessor jurídico na Câmara dos Deputados/Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Renato Ribeiro. Financiamento de campanhas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3593, 3 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24328. Acesso em: 25 abr. 2024.

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