4. CONCLUSÃO
Por mais confuso que pareça para um direito que se intitula direito das gentes, é incorreto afirmar que seres humanos, e muito menos empresas, são sujeitos de direito internacional público, e esta afirmação, como muito bem colocada por Francisco Rezek, é “uma dedução segura daquilo que nos mostra a cena internacional contemporânea[37].”
A utilização do termo sujeito leva a relação jurídica para uma perspectiva subjetiva. Uma vez que toda relação jurídica é constituída por um liame de direitos e deveres, pode-se afirmar que de um lado da relação figura o sujeito de direito e do lado oposto o sujeito de deveres.
Por isso, aquele que afirma ser o indivíduo pessoa jurídica de direito internacional deve ter a cautela de informar sua audiência que a personalidade jurídica da pessoa humana no direito internacional público não lhes confere a qualidade de sujeito de direito, mas apenas de sujeito de deveres[38].
Ademais, deve sempre lembrar que a personalidade jurídica conferida aos indivíduos é fruto de relação eficacial, efeito de uma relação jurídica que a antecede, entre Estado e Corte Internacional, denominada relação jurídica básica, esta sim efeito direto da norma jurídica de direito internacional. Portanto, deve dizer ainda que o vínculo de sujeição é indireto.
Destarte, seja porque a personalidade jurídica da pessoa humana na Corte Internacional de Justiça é fruto de uma relação eficacial ou indireta, seja porque ela não lhes confere o caráter de sujeito de direito, ou seja ainda pela ausência de universalidade do dispositivo que coloca o indivíduo no banco dos réus, em face do grande número de Estados que ainda faltam ratificar o Estatuto de Roma, entende-se que é impreciso afirmar genericamente que indivíduos possuem personalidade jurídica de direito internacional, haja vista que tal acepção da palavra induz ao entendimento que eles são titulares de direito, possuidores de direito, o que em verdade não ocorre.
Se aos indivíduos cabe a ressalva, às empresas não há sequer o que se falar nem em personalidade jurídica, já que para elas não existe hipótese legal que as inclua em relação jurídica de direito internacional público.
É importante ressaltar mais uma vez que essas possibilidades não estão fora de cogitação, basta que a comunidade internacional assim decida e crie uma norma jurídica geral conferindo aos particulares personalidade jurídica de direito das gentes, como o fez com as organizações internacionais, dando-lhes direitos e não só deveres. No entanto, por todo o exposto, se vê que esta não é a realidade atual do direito internacional.
Assim, a personalidade fruto da relação eficacial propiciada pelo TPI não confere ao ser humano a capacidade de direito plena, pois não o permite ser titular de direitos, isto é, demandar Estado estrangeiro ou organização internacional o cumprimento de algum dever perante cortes internacionais, sendo a ele apenas possibilitado ser titular de deveres.
Por todo exposto, caso o jurista queira se valer do termo pessoa para qualificar o indivíduo no direito internacional hodierno deverá sempre o fazer com ressalva à singularidade da hipótese, assim como à especificidade do tratamento conferido pelo Tribunal Penal Internacional, atentando para o fato de que se trata de uma personalidade jurídica eficacial, indireta e desprovida de direito, e que portanto não pode figurar no polo ativo da demanda.
REFERÊNCIAS
KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução por João Baptista Machado. 8ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 13ª ed, São Paulo: Saraiva, 2011.
PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de direito privado. TOMO 1. Sem editora: versão virtual.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito internacional econômico. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
CPI – Corte Penal Internacional. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/Menus/ASP/states+parties/The+States+Parties+to+the+Rome+Statute.htm> . Acesso em 25 de novembro de 2012.
ICSID - International Centre for Settlement of Investment Disputes). Disponível em: <https://icsid.worldbank.org>. Último acesso em 25 de novembro de 2012.
Estatuto da Corte de Justiça da União Europeia. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2004:310:0210:0224:EN:PDF>. Acesso em 25 de novembro de 2012.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em 25 de novembro de 2012.
Notas
[1] KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 486.
[2] REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 13ª ed, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 25ss.
[3] KELSEN, Hans. Op. cit., p. 465.
[4] Dentre eles destaca-se o ICSID (sigla em inglês para International Centre for Settlement of Investment Disputes). Centro internacional de que presta serviço de arbitragem e conciliação para governos e investidores privados estrangeiros em disputa. Disponível em: <https://icsid.worldbank.org>.
[5] Etimologia da palavra personalidade: “do verbo latino perso, personare, vindo do etrusco wersu: máscara de teatro, gente com máscara.” Pontes de Miranda, in TOMO 7, §47, 2.
[6] PONTES TOMO 7, §47, 1.
[7] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução por João Baptista Machado. 8ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 182ss
[8] Idem ibidem, p. 213.
[9] PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de direito privado. TOMO 1, §39, 5.
[10] Idem ibidem, §42, 6.
[11] Idem ibidem, §47, 1.
[12] Idem ibidem, §50, 1.
[13] Idem ibidem, §40, 3.
[14] Idem ibidem, §42, 2.
[15] Idem ibidem, §49, 1.
[16] “O conceito de sujeito de poder jurídico coincide com o de órgão jurídico”. In: KELSEN, Hans. Op. cit., p. 188.
[17] “A teoria tradicional designa como capacidade de direitos a capacidade de um individuo para ser titular de direitos e deveres jurídicos ou para ser sujeito de direitos e deveres.” In: KELSEN, Hans. Op. cit., p. 176.
[18] “Personalidade é o mesmo que (ter) capacidade de direito, poder ser sujeito de direito” In: PONTES DE MIRANDA, Francisco. Op. cit., §47, 2.
[19] A distinção entre pessoa jurídica e pessoa física, há muito superada pelos pensadores mais comprometidos com o rigor cientifico do estudo do Direito, não será aqui estudada, de tal forma que para fins termológicos, no presente estudo, ambas serão tratadas como espécies do gênero pessoa jurídica.
[20] Código Civil Brasileiro, Art. 2º: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
[21] MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito internacional econômico. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 101.
[22] PONTES DE MIRANDA, Francisco. Op. cit., §50.
[23] PONTES DE MIRANDA, Francisco. Op. cit., §40.
[24] REZEK, José Francisco. Op. cit., p. 181.
[25] Idem.
[26] Idem.
[27] Idem ibidem, p 183.
[28] Idem ibidem, p. 182.
[29] Estatuto da Corte de Justiça da União Europeia disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2004:310:0210:0224:EN:PDF>. Último acesso em 25 de novembro de 2012.
[30] REZEK, José Francisco. Op. cit., p. 183.
[31] No Brasil o Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi promulgado pelo Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002.
[32] Artigo 17. Questões Relativas à Admissibilidade
1. Tendo em consideração o décimo parágrafo do preâmbulo e o artigo 1o, o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se:
a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer;
b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer;
c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20;
d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.
2. A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias:
a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5o;
b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;
c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça;
3. A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.
[33] Art. 5º do Estatuto de Roma.
[34] KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 465.
[35] Idem ibidem. P. 495.
[36] Idem ibidem. P. 494.
[37] REZEK, José Francisco. op. cit., p. 181.
[38] Para mais possibilidade de indivíduos como sujeitos de deveres em direito internacional ver KELSEN, Hans. Op. cit., p. 489ss.