Artigo Destaque dos editores

A síndrome da alienação parental e o Direito

Leia nesta página:

A SAP gera graves consequências psicológicas para os filhos, mas esses danos podem ser reversíveis, conquanto se inicie o tratamento com o atendimento conjunto e multidisciplinar da família, visando demonstrar os efeitos da alienação e supri-los.

Resumo: A Síndrome da Alienação Parental ocorre no ambiente da separação conjugal, quando um dos genitores, com o objetivo de ofuscar a relação afetiva do filho com o outro genitor, impõe falsas idéias e imagens naquele. Os mecanismos utilizados pelo agente alienador são dos mais perversos, incluindo a falsa denúncia de abuso sexual. As consequências psicológicas para os filhos e o genitor alienado são inúmeras, porém, quando tratadas de início, reversíveis. No Brasil, a recente criação da lei 12.318, que aborda a Alienação Parental e pune os responsáveis por ela, pode contribuir para a diminuição dos casos de Alienação, mas há, ainda, uma deficiência estrutural do poder judiciário e na capacitação dos profissionais que atuam frente à SAP

Palavras-chave: Síndrome da Alienação Parental;Alienação Parental; separação conjugal; consequências psicológicas; lei 12.318; poder judiciário.


INTRODUÇÃO

A evolução dos padrões culturais projetou efeitos em diversas instituições sociais, dentre elas a família. Atualmente, a estrutura familiar se encontra mais favorável à dissolução e à constituição de novas uniões, como afirma a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que relata crescimento no número de casamentos, divórcios e separações judiciais entre 2006 e 2007. De acordo com esse instituto, em 2007 foram realizados 916.006 casamentos - 2,9% a mais que no ano anterior (889.828) -, e 231.329 dissoluções (soma dos divórcios diretos sem recurso e separações), o que representa um aumento de 200% em relação a 2006.  É nesse contexto que surge a SAP (Síndrome da Alienação Parental), a qual diz respeito à situação em que um pai ou uma mãe persuade a prole, para desestruturar a relação de afetividade e causar distanciamento entre o filho e o outro genitor. Não se pode olvidar que outros familiares também podem desempenhar o papel de agentes da alienação.

No presente artigo, procura-se demonstrar o que surge como corolário de tal síndrome e de que modo a Lei n. 12.318, publicada em 26 de agosto de 2010, trata a alienação parental e busca minorar seus efeitos, tentando restabelecer o vínculo entre o genitor vitimado e a prole.

Ao investigar a própria realidade, tendo como norte o posicionamento de alguns profissionais da psicologia, do serviço social e do Direito que têm contato com a SAP, pretende-se evidenciar as mudanças que ocorrem no comportamento de quem aliena e de quem sofre tal processo. Além disso, busca-se compreender de que forma o ordenamento jurídico combate a alienação parental e ampara as vítimas, seja através de medidas provisórias adotadas pelo juiz, em qualquer momento do processo, ou mediante soluções que inibam ou atenuem os efeitos, a exemplo da ampliação do regime de convivência familiar em favor do genitor alienado e da determinação do acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial.

 Dedicar-nos-emos a fim de poder auxiliar no entendimento da Síndrome de Alienação Parental e também, para alertar sobre seus possíveis efeitos, tendo em vista, a melhoria na relação entre os membros de uma família, na pós-separação, destacando-se a necessidade de priorizar o melhor interesse do menor.


DESENVOLVIMENTO

Percebe-se que a evolução a que toda a sociedade esteve condicionada nos últimos séculos repercutiu nas mais diversas esferas da vida social, dentre elas, na família, vista como a célula básica das comunidades. Conforme nos diz GIDDENS, A. (2005, p. 151): “Uma família é um grupo de pessoas diretamente unidas por conexões parentais, cujos membros adultos assumem a responsabilidade pelas crianças”.

Segundo GIDDENS, A. (2005, p. 152): “Muitos sociólogos crêem que não podemos falar sobre ‘a família’, como se houvesse apenas um modelo de vida familiar mais ou menos universal”. O fato é que o constante progresso social deu origem a novos tipos de configuração familiar, que não a reconhecida tradicionalmente pelo casamento, como a família monoparental – formada por qualquer dos pais e seus descendentes-, a união estável – homem e mulher que visam a constituição familiar e possuem uma convivência duradoura, contínua e reconhecida publicamente-, assim como a união homoafetiva- relação entre indivíduos do mesmo sexo.

Outro grande aspecto dessa evolução, é que a atual época delineia-se por um embate de interesses contrastantes entre família, amor, trabalho e liberdade para as realizações individuais, o qual incide piamente sobre as relações pessoais. Logo, a preocupação dos casais modernos, não se limita aos filhos, ao casamento e ao amor, mas envolve também questões relativas à profissão, à política, à economia. É nesse contexto, que o casamento e a vida familiar se demonstram mais vulneráveis e sujeitos à dissolução, e como corolário disto crescem, os números de novas uniões.

O poder familiar representa a evolução do que antes se conhecia como pátrio poder, aquele instituto representa os deveres e direitos, concernentes à pessoa, bens do filho menor não antecipado, que serão exercidos por ambos os pais igualitariamente, a fim de desempenharem as obrigações previstas no ordenamento jurídico e tendo como norte a tutela e o interesse do menor. Roberto Senise Lisboa (2009 apud Fábio V. Figueiredo e Georgios Alexandris, 2011 p.19) afirma que o poder familiar é “a autorização legal para atuar segundo os fins de preservação da unidade familiar e do desenvolvimento biopsíquico dos seus integrantes”.

Nesse diapasão, com a dissolução da família, o poder familiar continua a ser exercido por ambos os pais e o que muda, salvo na guarda compartilhada, é que somente um desses fica responsável pela guarda do menor, enquanto que sob o outro recai o direito de convivência. Vale salientar a igualdade de exercício do poder familiar, tanto nos grupos familiares baseados no matrimônio, quanto naqueles edificados na união estável. Quando os filhos são reconhecidos por ambos os pais, mas não vivem com base em uma família matrimonial, ou união estável, o poder recai a um dos genitores, restando ao outro o direito de convivência. Contudo, quando o filho é reconhecido apenas por um dos genitores, este exerce o poder familiar exclusivamente.

O poder familiar, independentemente de filiação, é exercido por ambos os pais quando juntos e, se separados, pelo genitor que tem o menor, ainda que este seja adotado. Conforme nos alude FIGUEIREDO, F. V. e ALEXANDRIDIS, G. (2011, p.19):

Independentemente da origem de filiação e independentemente de a família estar constituída com a presença de ambos os pais,o fato é que o poder familiar deverá ser exercido- quer seja por ambos, quer seja por apenas um deles- para que se busque o desenvolvimento do filho menor,para que seja criado um ser humano com qualidades mínimas, sob prisma da educação, dos preceitos morais e sociais, ou seja, da real proteção que se mostra necessária àquele que se desenvolve.

O desvio de comportamento que se espera dos pais ao se tratar do poder familiar implica a suspensão ou a perda, que se justifica pelo objetivo de se garantir ao menor uma proteção contra aquele genitor, ou ambos, quando não promovem eficientemente o desenvolvimento dos filhos, inobservando deveres específicos de quem é titular do poder familiar.

O casamento é uma espécie de contrato, dele resultando diversos efeitos jurídicos, todos oriundos da união, tais como o nascimento de uma sociedade conjugal definidora das questões patrimoniais entre os cônjuges, estabelecimento do vínculo de parentesco por afinidade, dentre outros. O matrimônio, tendo por base princípios morais e religiosos e sendo amparado pelo ordenamento jurídico, é celebrado pelo casal com o intuito de durar para sempre ou como alguns casamentos religiosos afirmam, “até que a morte os separe”. Contudo, o cenário atual mostra um crescimento vertiginoso das dissoluções conjugais ao lado da formação de novas uniões. Pesquisas desenvolvidas pelo IBGE( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), relatam que, entre 2006 e 2007, houve um acréscimo, de 2,9% nas taxas de casamentos em relação ao ano anterior- passando de 889.828 para 916.006-, enquanto que os índices de dissolução,seja por divórcios direitos sem recursos, seja pela separação, nesse mesmo período atingiu 231.329, representando, portanto,  uma elevação de 200% comparado ao ano anterior, e caracterizando-se pelo maior índice na série mantida pelo Instituo desde 1984.

No Brasil, o antigo Código Civil de 1916, que tem grande influência católica, prelecionava em seu art. 315 que o casamento válido somente se extinguiria com a morte de um dos cônjuges, embora trouxesse em seu texto a instituição do “desquite”, que consistia no fim da sociedade conjugal e na separação de corpos do casal, mantendo, entretanto, o vínculo matrimonial, fato este que obstava a realização de novos casamentos, seja no âmbito civil ou religioso. A partir de mudanças sociais ocorridas entre a década de 60 e 70, tornou-se inviável a ausência de um mecanismo legal que colocasse fim ao casamento, acarretando na criação, em 1977, da lei que permitia o divórcio. O Código Civil de 2002 fazia menção a duas formas de por fim ao matrimônio: a separação judicial e o divórcio, em que aquela deveria preceder este por um prazo de um ano, caso fosse requerido na justiça, ou por dois anos, caso o casal comprovasse separação de fato por um período mínimo de dois anos. Contudo, com mudanças ocorridas em 2010 no que tange aos requisitos para o divórcio, retiraram-se os prazos para que este se efetivasse, resultando, no que se filia parte expressiva da doutrina, no fim da separação conjugal e na existência única do instituto do divórcio.

Com a efetivação do casamento, surgem efeitos jurídicos para os cônjuges no âmbito pessoal, social e patrimonial. Estes últimos estão diretamente relacionados ao regime de bens adotado. Com a dissolução da sociedade conjugal, novamente a situação dos cônjuges se altera, surgindo, para estes, novos efeitos e cessando outros. Quando há filhos, surge ainda a questão da guarda que pode ser estabelecida de forma consensual ou litigiosa tendo como norte o melhor interesse do menor e uma relação parental saudável.

Há pouco tempo, definir a guarda dos filhos era simplesmente estabelecer o direito de visitas do pai, já que dificilmente a guarda não ficaria com a mãe[1]. Atualmente, não obstante a maioria dos filhos ainda fique com as mães[2], isto não é mais uma regra estanque, sendo permitido ao casal instituir, sem nenhuma restrição legal, que a guarda dos filhos fique com o pai, ou até mesmo, que se estabeleça uma guarda compartilhada - instituto criado recentemente com o objetivo de equalizar os vínculos parentais - na qual os genitores compartilham a responsabilidade de criar os filhos. Existem três espécies de guarda, a unilateral, a compartilhada e a alternada. A primeira estabelece o convívio do filho com um dos cônjuges, sendo autorizado ao outro o direito de visitá-lo regularmente, além de poder assisti-lo em relação à educação e à criação. Na segunda, como supramencionado, há uma cumulação da possibilidade de convívio e assistência do filho, ou seja, do desempenho do poder familiar e da convivência com ambos os genitores, visto que os dois possuem a guarda do filho. Há também a guarda alternada, na qual o menor permanecerá por iguais períodos na residência de um e de outro progenitor, tendo, também, o poder familiar exercido por ambos. A diferença entre a alternada e a compartilhada é a fixação de uma residência, pois naquela o filho não possui uma única residência, passando um período na residência do pai e outro na da mãe; enquanto que na compartilhada, a prole estabelece residência com um só genitor, cabendo ao outro, participação ativa e constante em sua vida. Estabelecida a guarda, o casal deve priorizar a proteção das relações parentais e possibilitar certa segurança emocional aos rebentos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O fim do enlace matrimonial é uma fase dolorosa para os cônjuges e os rebentos. Os motivos que levam aqueles a tomarem essa decisão são diversos e as desavenças que ocorrem até sua extinção, por vezes, perduram após ela, trazendo consequências para as relações parentais. A autora Fredda Herz Brown (1995 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.22) relata que “o divórcio legal não implica que os ex-cônjuges ficarão emocionalmente divorciados”, ou seja, embora o divórcio ocorra no âmbito do Direito, algumas vezes, os ex-parceiros continuam ligados emocionalmente, posto que a separação ocorre de forma gradual. A autora observa ainda que quando há filhos, o rompimento conjugal se torna ainda mais complicado, pois, por vezes, o contato com o ex-cônjuge, para tratar de assuntos referentes à prole, se faz imprescindível. É o que nos afirma Leila Maria Torraca de Brito (1997 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.22): “uma das dificuldades da separação conjugal quando o casal possui filhos é o fato paradoxal de querer desligar-se de alguém que na verdade não se poderá desprender totalmente, dada a parentalidade comum”. Analicia (2010, p.26) ainda preceitua que: “o vínculo entre os ex-companheiros não se extingue ou é anulado, mas se transforma, é modificado, assume outros significados, ajudando, dessa forma, o ex-casal a dar suporte ao vínculo entre pais e filhos”.

Entretanto, percebe-se que a capacidade dos genitores em estabelecer uma relação sadia com a prole, bem como de entrarem em comum acordo sobre questões relativas ao poder familiar tornam-se ofuscadas quando aparecem ou ressurgem afetos ou desafetos entre eles. A autora Sousa (2006 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.23) observou que muitos pais “subvalorizavam a própria capacidade parental e davam mais importância à raiva dirigida ao ex-cônjuge ou à culpa por ter uma família ‘incompleta ou quebrada’ que ao fim do conflito conjugal, às questões de guarda, pensão e visita”. Diante do rompimento, os genitores devem dissociar assuntos relativos a eles mesmos, daqueles que dizem respeito à relação parental. Essa é a etapa mais difícil do divórcio, visto que conflitos emocionais iniciados anteriormente à separação não se solviam após esta, sendo na verdade reacendidos. Estes conflitos manifestam-se como, segundo Analicia (2010), “um meio de os vazios das perdas serem evitados e disfarçados, impedindo, com isso, que o sofrimento e o luto pelo fim da relação possam ser vividos como possibilidade de amadurecimento emocional.” Nesse contexto, em ocasiões de desavenças entre os ex-genitores, os rebentos são tidos como aliados, espiões ou, ainda, tornam-se ferramenta de manifestação de rejeição e desprezo entre aqueles, fato que se está mais presente em famílias que eram disfuncionais. O desempenho das funções parentais sofre com as mudanças oriundas do divórcio, o que fica evidente na fala das autoras Wallerstein e Kelly (1998 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.31):

Com freqüência, o divórcio leva a um colapso parcial ou total, durante meses e às vezes anos depois da separação, da capacidade de o adulto ser pai ou mãe. Envolvidos pela reconstrução de suas próprias vidas, mães e pais estão preocupados com mil e um problemas que podem cegá-los para as necessidades dos filhos.

Após o estabelecimento da guarda, principalmente a unilateral, ocorre uma mudança no comportamento da prole para com os pais. Como o Brasil ainda segue uma linha mais conservadora, a guarda unilateral ainda é comumente estabelecida pelos juízos de Direito, o que causa maiores danos à relação do ex-casal, visto que se estabelece um ambiente de competição entre eles no decorrer do processo, e ainda, gera um vínculo mais estreito entre o filho e o guardião genitor, que frequentemente é a mãe como dito alhures. Essa proximidade com um único genitor pode, caso este não tenha elaborado o luto da separação, estabelecer vínculos maléficos entre ele e o(s) filho(s), a fim de usá-lo(s) contra o outro genitor de modo a afastar este dos menores. Esta conduta denominada de Alienação Parental nos é revelada pelos autores FIGUEIREDO, F. V. e ALEXANDRIDIS, G. (2011, p. 25):

 A dissolução familiar, em alguns casos, faz brotar um sentimento de animosidade, de ódio e de desejo de vingança, os quais ultrapassam a relação entre os genitores e acabam por influenciar o trato destes para com sua prole. È nesse contexto, que um dos genitores, como meio de vingar-se e punir o outro, ou com o falso intuito de proteger o menor como se o mal causado a ele pudesse se repetir ao filho, busca o afastamento entre este genitor e o menor, incutindo-o falsas memórias e idéias.

Vale ressaltar que, seja guarda unilateral ou compartilhada, assim como qual dos progenitores a exerce, a decisão relacionada à fixação da guarda não opera coisa julgada material, somente formal, o que possibilita a sua alteração a qualquer tempo após a sua fixação, bem como do regime de visitas fixado; e a alienação parental promovida pelo genitor que detém a guarda do menor, quando detectada, possibilita a perda da guarda do menor.

Um importante ponto a ser destacado é que, existe uma diferença entre a alienação parental e a síndrome da alienação parental, enquanto a primeira diz respeito às atitudes de um progenitor que busca o distanciamento do outro com o menor, a última trata das conseqüências emocionais e comportamentais que o menor passa a sofrer em decorrência de tal alijamento, quando a prole já se recusa a manter contato com um dos genitores.

Questão que merece destaque é a falsa denúncia de abuso sexual como instrumento de alienação, em que, segundo Mônica Guazzelli (2007), quando o genitor alienante, ensejando o distanciamento do filho com outro genitor e devido à morosidade do poder judiciário durante o processo e sua imediaticidade para afastar o possível agressor da vítima quando presente a denúncia de abuso sexual, implanta falsas memórias na criança, que as têm como verdade, narrando fatos inverídicos que denigrem a imagem do genitor alienado. A falsa denúncia de abuso sexual é considerada um dos casos mais graves da alienação parental, se não o mais.

O termo Síndrome da Alienação Parental foi primeiramente postulado pelo professor, pesquisador e psiquiatra forense Richard Gardner, que notou a presença de uma síndrome em algumas crianças expostas a disputas judiciais, mas a justificou como sendo fruto de uma lavagem cerebral realizada por um genitor para denegrir de modo consciente e sistemático a imagem do outro. Entretanto, supervenientemente, o professor percebeu não se tratar simplesmente de uma lavagem cerebral e passou a utilizar a nomenclatura síndrome da alienação parental.

Richard Gardner propõe o diagnóstico da SAP, através da observação de sintomas expostos pela criança, apesar de reconhecer que a questão envolve toda a família. Os sintomas relatados pelo psiquiatra são: “campanha de difamação”; “racionalização pouco consistentes, absurdas ou frívolas para a difamação”; “falta de coerência”; “pensamento independente”; “suporte ao genitor alienador no litígio”; “ausência de culpa sobre a crueldade e/ou exploração do genitor alienado”; “a presença de argumentos emprestados”; “animosidade em relação aos amigos e/ou família do genitor alienado” (Gardner, 1998a, 1999a, 2001ª, 2002ª apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.105). Alguns autores, porém, atentam para o fato de que não existem explicações operativas quanto aos sintomas relatados, mas sim, definições acerca da função que figuram na campanha de difamação do agente alienado. Os sintomas listados por Gardner não são propriamente da SAP, visto que podem sobrevir situações em que se explica a rejeição por parte da criança.

A síndrome da Alienação Parental abrange três níveis ou estágios de desenvolvimento, leve, moderado e severo, nos quais os sintomas listados acima se apresentam com freqüência e intensidade diferenciados, como aduz Gardner (1996 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.106):

[...] no nível leve, a criança apresenta manifestações superficiais e intermitentes de alguns sintomas. No segundo nível, o moderado, identificado como o mais comum, os sintomas estão mais evidentes; a criança faz comentários depreciativos contra o pai, o qual é visto por ela como mau enquanto a mãe é tida como boa; as visitações são realizadas com grande relutância, mas, quando afastada da mãe, a criança consegue relaxar e se aproximar do pai. O último nível, o severo, apresenta uma pequena parcela dos casos de SAP; os sintomas aparecem mais exacerbados do que no nível moderado; a mãe e a criança se encontram em uma folie à deux, em que compartilham fantasias paranoides com relação ao pai; a criança entra em pânico frente à idéia de ir com este, tornando, assim, impossíveis as visitações.

As vítimas mais freqüentes do alinhamento são crianças da primeira e segunda infância, que ainda não possuem uma consciência crítica estabelecida e absorvem o quê lhes é dito. Esses menores apresentam uma forte dependência emocional e são carentes de afeto e de atenção, o que, em um ambiente de alienação, pode fazê-las se sentirem “mais importantes e necessárias, tendo um papel mais ativo diante do divórcio de seus pais” (Wallerstein e Kelly 1998 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p. 35). Nessa guisa, alguns autores afirmam que as respostas dadas por crianças e adolescentes ao momento pós-divórcio estão atreladas a características individuais específicas como idade, sexo e personalidade, como nos diz Ramires (2004 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.39):

[...] a idade das crianças e o nível de desenvolvimento cognitivo, afetivo e social são fatores que auxiliam também no enfrentamento das transições familiares, favorecendo as crianças mais velhas e os adolescentes.

Os rebentos, vítimas da alienação, podem além de não ter mais contato com o genitor alienador, sofrerem distúrbios psiquiátricos no futuro ou até mesmo virem a cometer as mesmas atitudes alienadoras com seus filhos. Os efeitos provenientes da SAP são inúmeros e alguns autores, como Fonseca (2007 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p.166) cita exemplos:

[...] a criança passa a revelar sintomas diversos: ora apresenta-se como portadora de doenças psicossomáticas, ora mostra-se ansiosa, deprimida, nervosa e, principalmente, agressiva. [...] a depressão crônica, transtornos de identidade, comportamento hostil, desorganização mental e, às vezes, o suicídio. [...] a tendência ao alcoolismo e ao uso de drogas também é apontada como conseqüência da síndrome.

Além disso, a ausência de um dos genitores provoca uma “orfandade psicológica no infante, acompanhada de sentimentos negativos com o ódio, desprezo e a repulsa em face de um dos genitores, sem qualquer razão [...] (Goldrajch, Maciel e Valente, 2006 apud ANALICIA MARTINS DE SOUSA, 2010 p. 168).

Vale frisar que o genitor guardião, geralmente a mãe, ao não saber lidar com as frustrações e rejeições corriqueiras no mundo das relações sociais e dada à sua dificuldade em considerar conjuntamente os aspectos negativos e positivos das pessoas e situações, passam a separar os significados negativo e positivo, incidindo em si apenas aspectos positivos e projetando no genitor não-guardião os negativos (posição esquizóide), ou seja, o fracasso da relação conjugal é culpa apenas deste, e aquele assume o papel de vítima inocente da relação. É assim, que a mensagem é transmitida inconscientemente aos filhos; que devido à sua dependência material e emocional, passa a depositar no genitor-guardião os aspectos positivos e no não-guardião, os negativos, devendo por isso, ser evitado. Essa dinâmica é responsável pela transmissão da intolerância aos filhos, que ao se tornarem adultos, terão dificuldades para lidar com as dificuldades e diferenças, seus vínculos se dissolverão com muita facilidade, já que as situações frustrantes serão evitadas e jamais enfrentadas.

Ainda tratando dos efeitos, pode ser que, dada à fragilidade emocional da mãe no pós-separação ou quando era dependente emocionalmente do ex-cônjuge , os filhos passem a cuidar das mães, logo, adquirem maiores responsabilidades, surgindo uma falsa maturidade. Neste contexto, os filhos para sobreviverem, tornam-se manipuladores, aprendem a falar a verdade apenas em partes, quando em contato com ambientes emocionais a fim de se esquivar destes, expressam falsas emoções.

Os papéis sexuais também são comprometidos quando presente a SAP. Quanto aos filhos, a ausência do pai afeta o desenvolvimento da personalidade daqueles, pois é da figura paterna que são internalizadas as limitações e os modos de comportar-se;  ressalta-se aqui a necessidade do pai, na adolescência para a definição do papel sexual da procriação. No que tange às filhas, a oposição à figura paterna, as tornará mais agressivas e pessimistas ao relacionar-se com os homens.

Ressalte-se, por exaustão, a forte probabilidade da Síndrome da Alienação Parental se perpetuar, de modo que o ser humano tem o hábito de repetir os conflitos que não foram elaborados psiquicamente e a SAP constitui-se como conflito não elaborado pelo genitor contínuo, sendo absorvido pela criança, que tenderá a repeti-lo em um futuro mais próximo.

A Lei n. 12.318/ 2010, que entrou em vigor na data da sua publicação, surge com o escopo de intimidar a alienação parental e a instalação da própria síndrome, tendo em vista a gravidade seus efeitos para o genitor alienado e, principalmente, para o menor. Em seu art. 2° discorre: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Além de caracterizar a alienação parental, a lei fornece formas exemplificativas desta, como: a realização de campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; ao dificultar o exercício da autoridade parental; ou o contato da criança ou adolescente com o genitor; ou o direito regulamentado de convivência familiar; além de se omitir propositadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com criança ou adolescente; assim como a mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, objetivando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Dando continuidade à análise da lei e à sua promessa de tutela, observa-se que, ao se declarar indícios do ato de alienação parental, o processo terá tramitação prioritária, e o magistrado, ouvido o Ministério Público, adotará as medidas provisórias necessárias a fim de se preservar a integridade psicológica da criança ou do adolescente, assegurar a sua convivência com o genitor ou possibilitar a efetiva reaproximação entre ambos, quando for o caso; afirmando ao genitor e à criança ou adolescente a garantia mínima de visita assistida, exceto quando houver iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança, atestado por profissional designado por juiz para acompanhamento de visitas.

No que tange às provas, a lei confere ao juiz o poder de determinar, quando necessário, a perícia psicológica ou biopsicossocial, garantindo, portanto, um enfoque multidisciplinar, abarcando subsídios técnicos de psicólogos, assistentes sociais, entre outros; além de determinar que o laudo pericial se baseie em uma ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, de acordo com o caso, compreendendo exame de documentos dos autos, entrevista pessoal com as partes, avaliação da personalidade dos envolvidos, etc; devendo ainda, ser a perícia desenvolvida por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, comprovando, quando exigido, a capacidade de se identificar atos de alienação parental; ordenando a apresentação do laudo em noventa dias, só prorrogável pelo mesmo prazo, pela autorização judicial com base em justificativa. 

A lei 12.318 afirma, por fim, que se ficar configurada a alienação parental, ou atos que dificultem a convivência da criança ou adolescente, sem prejuízo da responsabilização civil ou criminal e da ampla utilização de meios processuais capazes de inibir ou reduzir seus efeitos, poderá o juiz aplicar, cumulativamente ou não, tendo em vista a gravidade de cada caso: a declaração de ocorrência de alienação parental, advertindo o alienador; ampliação do regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; determinação do acompanhamento psicológico ou biopsicossocial; a alteração da guarda para a guarda compartilhada, ou a sua inversão; determinação da fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente, em que, quando ficar caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, poderá o juiz inverter também a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar; além de declarar a suspensão da autoridade parental. Ressalte-se aqui, que o rol é meramente exemplificativo, busca eliminar os efeitos já acontecidos, evitar que atos de alienação parental continuem a ser exercidos, visando proteger a relação entre menor e genitor alienado.

A última etapa do trabalho consistiu em entrevistas realizadas com psicóloga, assistente social e advogado do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente de Vitória da Conquista, com o intuito de obter maiores informações sobre a SAP e o modo de atuação destes profissionais frente a ela. A psicóloga Kátia Amaral Araújo relatou que a mudança mais freqüente no comportamento das crianças é a recusa de estar próxima do genitor alienado e que quando afastadas do alienador, sentem-se culpadas por terem o deixado. Disse ainda, que de acordo com uma pesquisa da UFRGS, a mulher no Brasil é quem mais aliena por deter com maior freqüência a guarda dos filhos, apesar da alienação poder ocorrer de forma simultânea, ou seja, do pai e da mãe ser agentes alienadores. O tratamento psicológico se dá com o objetivo de fortalecer o filho e possibilitar a sua convivência harmônica com os pais, através do atendimento de todos os membros da família.

A assistente social Carmelúcia Santana de Souza observou que as crianças vítimas da SAP comportam-se, predominantemente, de modo a negar um dos pais – o alienado -. Contudo, narrou que os danos oriundos da Alienação podem ser reversíveis se os genitores e os filhos forem tratados conjuntamente por uma equipe multidisciplinar a fim de rever a relação entre eles. A assistente social defende um trabalho preventivo, de conscientização e educação da população, pois muitos agentes alienadores não têm consciência do que fazem, nem tão pouco das consequências que geram nos filhos e no outro genitor. O tratamento, de início, ocorre com o atendimento coletivo e visa informar aos pais a existência de uma lei que aborda a Alienação Parental e culmina sanção, em caso de descumprimento, além das consequências dessa Alienação para os membros familiares, porque “nesse meio todo mundo adoece”. Entretanto, não se pode apegar-se à idéia simplesmente punitiva da lei, visto que sozinha ela não elimina e não cura a alienação, necessita-se de um trabalho de informação, prevenção e tratamento da SAP. É nesse contexto que, segundo Carmelúcia, deveriam existir políticas públicas para os casais em situação de separação com o objetivo de evitar a SAP. Por fim, ela finaliza mencionando que o papel do assistente é “entender a história da família e refletir os papéis de cada um” por meio de visitas domiciliares sem aviso prévio para se notar a realidade das famílias sem nenhuma distorção.

Por último, o advogado Michel Farias O. Lima aponta para a importância de se escutar as duas partes – pai e mãe – envolvidas no conflito a fim de se evitar injustiças e relata a deficiência existente no judiciário para atender os atores da SAP. Segundo ele, não há órgãos no município de Vitória da Conquista que atuem com a Síndrome, o poder judiciário necessita de melhores estruturas físicas e, sobretudo, profissionais qualificados para trabalharem com uma questão tão complexa. O advogado, nesse âmbito, deve oferecer mecanismos judiciais para reprimir a Alienação Parental, por meio do encaminhamento dos casos ao Conselho Tutelar – onde há aplicação de medidas protetivas – ou, em situações mais graves, a busca de um procedimento, previsto em lei, em que se apure o caso e se aplique as medidas com o fito único de acabar com a Alienação.


CONCLUSÃO

A síndrome da alienação parental se manifesta no contexto das dissoluções familiares, quando o genitor contínuo, incute falsas imagens e percepções no filho, com o fito único de desestruturar a relação de afetividade entre este e o outro genitor.

Durante a separação judicial, buscando atender aos interesses do menor, o juiz deverá determinar qual tipo de guarda se adequa à situação dos entes familiares. Contudo, o que se vê no Brasil, é o uso ainda prioritário da guarda unilateral, em detrimento da alternada e da compartilhada, favorecendo a um só dos pró-genitores, o qual detém o poder familiar, enquanto ao outro cabe o direito à convivência familiar. Esse tipo de guarda configura o ambiente ideal para a prática da alienação parental e a conseqüente instalação da própria síndrome – quando a prole já se recusa a manter contato com o genitor alienado. A guarda compartilhada - ambos os pais detém uma convivência cotidiana com o filho -, representa um novo instituto jurídico de cautela e prevenção aos efeitos decorrentes das separações intrafamiliares, embora os magistrados ainda façam pouco uso desta. Outra deficiência é a morosidade do judiciário brasileiro, que propicia um lapso temporal necessário para que o alienador instale a Síndrome nas crianças e nos adolescentes.

A SAP gera graves consequências psicológicas para a prole, mas, como visto em entrevistas com profissionais, esses danos podem ser reversíveis, conquanto se inicie o tratamento com o atendimento conjunto e multidisciplinar da família, visando demonstrar os efeitos da alienação e supri-los. Entretanto, a recente lei e o despreparo dos profissionais do judiciário obstam tais objetivos, fazendo-se urgente a capacitação desses profissionais e, somado a isso, a criação de um trabalho preventivo e educador para a população desinformada, pois como visto alhures, muitos genitores alienadores não têm sequer a consciência de que estão praticando atos de alienação parental.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Direito de Família: Teoria e Prática. São Paulo: Editora Atlas, 2006.

BRUNO, Denise Duarte. Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver / Maria Berenice Dias, coordenação – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 33-57.

FIGUEIREDO, Fábio Vieira & ALEXANDRIDIS, Georgios. Alienação Parental. – São Paulo: Saraiva, 2011.

SOUSA, Analicia Martins de. Síndrome da alienação parental: um novo tema nos juízos de família / Analicia Martins de Sousa. – São Paulo: Cortez, 2010.


Notas

[1] Essa primazia dada à figura materna provém de longo período histórico, em que a imagem feminina se vê atrelada à de mãe cuidadora do lar e de único ser capaz de ministrar boa educação a prole. Contudo, tais argumentos, nos dias de hoje, se vêem mais fracos, já que o tabu criado sobre a figura paterna, como indivíduo responsável tão somente pelo sustento do lar, vem sendo quebrado e o homem mostra plena capacidade de também exercer a função educadora.

[2] Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de guardas outorgadas pelo Judiciário a pais e mães no período de 2004 a 2006, no Brasil, relata uma grande diferença entre a quantidade de guardas concedidas às mães – 60.968 – em detrimento dos pais – 3.500.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Mateus Cayres de Oliveira

Estudante de Direito

Lourena Andrade Gonçalves

Estudante de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Mateus Cayres ; GONÇALVES, Lourena Andrade. A síndrome da alienação parental e o Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3698, 16 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24561. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos