Apesar de não estar previsto no texto constitucional atual, o prequestionamento é requisito para a interposição do recurso especial, requisito este que decorre da própria natureza do recurso, de suas finalidades e limites.
Com efeito, se cabe recurso especial porque normas federais foram contrariadas ou se negou vigência, nada mais lógico que possa-se depreender, da decisão, que efetivamente e inequivocamente o tribunal de origem, no julgamento da causa, decidiu com base nas normas ditas contrariadas pelas razões de recurso.
Desta forma, não se faz necessária previsão expressa de exigência de prequestionamento, pois este deflui naturalmente de uma interpretação sistemática do recurso especial.
O prequestionamento foi primeiro concebido com o "writ of error" americano, através do "Judiciary Act" de 1789, no qual se exigiu que constasse nos autos, expressamente, que as questões federais suscitadas tenham surgido nos tribunais recorridos.
No Brasil, desde 1891 a Constituição já exigia o prequestionamento para possibilitar a interposição do extraordinário. Então, se não houve julgamento com base nas normas que vão ser invocadas como contrariadas ou que se tenha negado vigência, não vemos como ser possível a interposição de recurso especial, no qual, irá ser impugnado, justamente, a contrariedade, a negativa de vigência e o dissídio jurisprudencial sobre matéria federal.
Em 1967 a Carta Política não mais trouxe o termo em seu texto, deixando dúvidas se o requisito ainda se fazia necessário. A edição das súmulas 282 e 356 do STF não deixou dúvidas sobre o assunto, na medida em que deixaram assente que o prequestionamento era necessário.
A Constituição de 1988 não faz qualquer menção ao instituto, entretanto é claro que os princípios consagrados naqueles enunciados se adequam perfeitamente ao extraordinário e especial de hoje.
Prequestionamento – Breves Considerações
A finalidade precípua do prequestionamento é a de que os Tribunais superiores possam manifestar-se sobre a matéria posta e apreciada no Tribunal a quo.
Decorre, em parte, do princípio da eventualidade ou da defesa concentrada, que no processo civil exige que as partes, autor e réu, proponham todos os meios de defesa e ataque de uma só vez, ainda que contraditórios entre si, sob pena de não poderem faze-lo mais tarde, em virtude de preclusão.
Não basta porém, que as questões sejam suscitadas pelas partes para que esteja presente o requisito, embora o termo possa parecer o contrário. Sobre este tema, Eduardo Ribeiro em artigo de sua autoria[1], discorre com maestria:
"Não se colocará em dúvida que o conteúdo dos julgamentos se encontra em grande parte delimitado pela atividade das partes. O juiz, adstrito ao pedido e à causa de pedir – princípio da demanda – não conhecerá de questões não apresentadas, se requerida a iniciativa das partes. Tratando-se de recurso, o que há de ser examinado estará condicionado à impugnação formulada. Isso entretanto nada tem a ver com os pressupostos específicos do extraordinário e especial. Constitui restrição ao julgamento de qualquer processo e dos recursos em geral."
E prossegue mais adiante:
"O que se terá como indispensável é o exame da questão pela decisão recorrida, pois isso, sim, deflui da natureza do especial e do extraordinário e resulta do texto constitucional."
"Destinando-se o extraordinário, como salientado, a garantir a exata aplicação da constituição, falta razão para ele, se da norma constitucional não se tratou na decisão impugnada. O mesmo se diga do especial, pois não há como fazer-se controle, quanto à correta interpretação do tratado ou da lei federal, em relação a matéria que não se cogitou. Não pode o julgado havê-las contrariado, ou a elas negado vigência, se não versada a questão que regulam."
Na realidade, a decisão irá, obviamente, versar sobre questão federal, na medida em que tais questões forem suscitadas pelas partes no momento em que lhes for dada oportunidade. Pode decorrer, não só da postulação de um dos legitimados processuais, mas também quando o órgão judicial aplica a norma de ofício nos casos legalmente previstos (matérias de ordem pública).
Não existe a necessidade de que o legitimado processual haja pedido a manifestação acerca de determinada matéria, uma vez que os julgadores devem conhecer de questões de ordem pública, e assim se manifestarem sobre elas, ensejando a propositura de recurso especial.
É neste ensejo que adotamos a definição dada por José Teophilo Fleury:
"O prequestionamento significa que as questões federal e/ou constitucional previamente invocadas pelas partes devem ser decididas pelo Tribunal local. Pode ocorrer ainda, o prequestionamento, quando a questão federal surja no próprio acórdão recorrido, sem que as partes dela tenham tratado. Prequestionamento, no caso, é o questionamento prévio da questão jurídica invocada nos recursos especial e/ou extraordinário, no acórdão recorrido".
Ainda no que diz respeito à configuração do prequestionamento deve-se entender o que significa prequestionamento implícito e suas diferenças com o chamado prequestionamento explícito.
José Miguel Garcia Medina esclarece que para uma corrente, prequestionamento implícito ocorre quando uma questão, embora posta em debate, não foi mencionada no acórdão (o que sugere a rejeição tácita da questão). Outro entendimento acerca do mesmo tema afirma que prequestionamento implícito ocorre quando a decisão recorrida, apesar de tratar da questão federal, não menciona a norma violada.
Tendo em vista a definição de prequestionamento adotada neste trabalho é inútil discutir sobre sua explicitude.
Isto porque se a decisão recorrida bem demonstrou a contrariedade, a negativa de vigência ou o dissídio jurisprudencial, a falta de indicação do dispositivo legal não pode nem deve obstar o conhecimento do recurso especial.
Ora, se se consegue, seguramente, perceber qual a norma legal afrontada pela decisão, é dispensada a referência expressa ao dispositivo. Convém esclarecer que, caso a questão, uma vez posta, não seja apreciada pelo Tribunal de origem, são cabíveis os embargos declaratórios para que o Tribunal sane a eventual lacuna.
A função dos embargos declaratórios, entretanto, será analisada com rigor no próximo tópico deste trabalho.
Prequestionamento e Embargos Declaratórios,
Considerações Sobre as Súmulas 356 do STF e 211 do STJ
Como já dito no tópico retro, a questão, uma vez postulada, deverá ser objeto da decisão, que a acatará ou não. Caso o Tribunal se mantenha recalcitrante, cumpre à parte opor os competentes embargos declaratórios, com o fito de suprir a omissão.
A rejeição destes embargos e sua conseqüência para as partes, entretanto, é tema de máxima importância e tem causado discussão na doutrina e nos tribunais superiores.
A súmula 282 do STF preceitua que:
"É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada".
Foi editada para escoimar quaisquer dúvidas remanescentes sobre a exigência do prequestionamento para os recursos excepcionais, tendo em vista que a Constituição de 1967 não mencionou o prequestionamento como requisito para interposição dos recursos excepcionais.
A súmula 356 daquele mesmo pretório, por sua vez, preceitua:
"O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento".
Da leitura desta sentença, deflui o pensamento de que, estará prequestionada a matéria com a simples oposição de embargos declaratórios ao julgado do tribunal. E era esse o entendimento jurisprudencial no Supremo.
José Theophilo Fleury, em artigo publicado recentemente[2], discorre sobre a Súmula 356 e sua interpretação:
"Diversos eram os julgados existentes em que se entendia suficiente, para fins de prequestionamento – nos caos em que o Tribunal a quo não se ocupa das questões federais e/ou constitucionais invocadas, prévia e oportunamente, pelas partes -, a simples oposição de embargos de declaração, nos termos da Súmula 356, não importando, pois, o acolhimento ou não destes embargos, para fins de apreciar as questões omissas no acórdão recorrido, sendo, pois, os embargos suficientes para configurar o prequestionamento dos dispositivos legais e/ou constitucionais tidos por afrontados"
E arremata:
"Prevalecia até então, no STF, o entendimento de que, uma vez opostos os embargos, ter-se-ia por ventilada no acórdão recorrido a questão jurídica independente da solução dada".
A doutrina chamou este fenômeno de prequestionamento ficto, uma vez que a questão, a despeito da falta de manifestação do órgão a quo, seria tida por prequestionada para fins do recurso.
A mesma trilha seguiu o STJ no início de sua existência, ou seja, admitiu, ao menos em sua maioria de ministros, o prequestionamento ficto.
Pouco a pouco, entretanto, surgiu uma nova corrente, oriunda justamente do STJ, e que teve como principal precussor, indubitavelmente, o Ministro Eduardo Ribeiro.
Segundo esse entendimento, caso sejam rejeitados os declaratórios, continuando a decisão omissa com relação ao ponto a ser prequestionado, caracteriza-se ofensa ao artigo 535 do CPC. Assim, a parte prejudicada deverá interpor o especial por ofensa a este artigo, com o fito de cassar a decisão do Tribunal recorrido para que este se manifeste acerca do tema sobre o qual se insurge a parte.
O próprio Eduardo Ribeiro explana e defende esse entendimento com clareza, e rigor, obtendo aceitação de grande parte da doutrina e de quase todo o corpo de ministros do STJ:
"(...) se a omissão existia e o tribunal recusou-se a suprí-la, com base, por exemplo, na possibilidade de resultar efeito infringente, terá havido violência ao art. 535 do CPC, se se tratar de processo de natureza cível ou mesmo às normas constitucionais que se ocupam da obrigatoriedade da prestação jurisdicional. O recurso haverá de ter esse fundamento e, provido, será determinado ao tribunal que proceda a outro julgamento dos embargos, apreciando o ponto em que se deu a falta".
Esta é a corrente mais moderna e hoje, até mesmo o Supremo vem reinterpretando o enunciado da sua súmula 356, para admitir o recurso extraordinário somente nos casos em que a decisão recorrida verse sobre a questão constitucional atacada.
Nesta esteira foi editada pelo STJ a súmula 211, que prescreve:
"Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo"
É o entendimento lógico a respeito do prequestionamento, aliás, tendo em vista o conceito adotado por nós neste trabalho, outro não pode ser o procedimento.
Isto porque é da essência dos recursos excepcionais, a devolutividade com relação à matéria verdadeiramente examinada pela decisão recorrida, tendo em vista que o seu fim é, justamente, uniformizar a jurisprudência nacional.
Salutar, então, a edição da súmula 211 do STJ, deixando o tema do prequestionamento extreme de dúvidas para os jurisdicionados daquele tribunal, sendo, apenas, questão de tempo, a sua adoção pelas demais cortes superiores.
CONCLUSÕES
Passamos a registrar, aqui, conclusões que não dizem respeito apenas ao prequestionamento ou aos embargos declaratórios prequestionadores, mas também sobre o próprio recurso especial.
O recurso é meio apto a provocar o reexame do pronuciamento judicial, devendo ser julgado dentro de um mesmo processo, não instaurando, assim, nova relação jurídica processual, não devendo, pois ser confundidos com outros meios de impugnação de decisões judiciais como o mandado de segurança.
O nosso sistema processual adota como regra o duplo grau de jurisdição. Com a interposição dos recursos devolve-se a matéria impugnada ao órgão julgador e impede-se a preclusão da matéria e a coisa julgada, estendendo o processo.
Duas são as fases do julgamento, o conhecimento e o mérito. Caso ultrapassada a fase de admissibilidade, poderá o julgador examinar o mérito.
O juízo de admissibilidade do recurso especial é bipartido, sendo efetuado tanto no órgão a quo quanto no STJ.
Quanto ao recurso especial a devolutividade da matéria é restrita, apenas podendo analisar o STJ a matéria relativa ao direito, nunca questões de fatos e provas.
A sua interposição é vinculada às hipóteses constitucionais, ou seja, só é possível interpor o especial caso este se encaixe no caso do art. 105 da Constituição Federal.
O prequestionamento da questão federal decorre da própria natureza do recurso especial. Isto porque exige-se que a decisão tenha contrariado, negado vigência à lei federal, julgado válida lei local em face de lei federal, ou interpretado norma federal em desacordo com outro tribunal. Destas hipóteses deflui a idéia lógica que deve haver julgamento, questionamento, na decisão recorrida a respeito da matéria, por isso exige-se prequestionamento.
Caso o Tribunal não aprecie matéria que a parte julga importante, deverão ser opostos embargos declaratórios para o suprimento da omissão com relação a este ponto.
Persistindo a omissão deverá o recurso especial ser interposto por ofensa ao art. 535 do CPC, para que, cassada a decisão do tribunal a quo, outra decisão seja emitida, a fim de que não seja ignorado o requisito do prequestionamento.
NOTAS
1.Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 9756/98 – Coodenação Teresa Arruda Alvim Wambier: São Paulo: RT, 1999.
2.Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: Editora: RT, 2000.
Bibliografia
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Mancuso, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 6ª Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
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Moreira, José Carlos Barbosa. Julgamento do recurso ex. art. 105, III, "A", da Constituição da República: Sinais de uma evolução auspiciosa IN: STJ 10 anos: obra comemorativa – Brasília: Superior Tribunal de Justiça,1999.
_______. O novo processo civil brasileiro. 30ª Edição. São Paulo: Forense, 1996.
_______. Comentários ao Código de Processo Civil vol. V. 1ª Edição. São Paulo: Forense, 1999.
Negrão, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 30ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1999.
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