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A responsabilidade no IPVA paulista

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15/06/2013 às 09:36
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No IPVA, o instituto da responsabilidade é importante para dar validade jurídica a lançamentos automáticos por notificação que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo realiza anualmente, a partir de dados constantes do Cadastro Geral de Veículos do DETRAN.

Resumo: O estudo da responsabilidade no direito tributário exige conhecimento prévio da sujeição passiva. De fato, na relação jurídica tributária prescrita no consequente da regra-matriz de incidência, o sujeito passivo está obrigado a dar quantia em dinheiro ao sujeito ativo (Estado). O responsável, porém, na maioria das vezes é parte de outra relação jurídica, de natureza sancionatória, mas que tem a mesma prestação da relação tributária: pagar ao Estado o tributo que não foi pago pelo sujeito passivo. No Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), a utilização do instituto da responsabilidade é de fundamental importância para dar validade jurídica a lançamentos automáticos por notificação que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo realiza anualmente, a partir de dados constantes do Cadastro Geral de Veículos do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN. No artigo, analisaremos os casos de responsabilidade previstos nos incisos do art. 6º da atual lei do IPVA do Estado de São Paulo (13.296/2008). Somente pelo exame da hipótese e do consequente da norma de responsabilidade é que se pode saber quando nasce a responsabilidade, que eventos tributados ela alcança e quando ela efetivamente cessa.

Palavras-chave: IPVA; responsabilidade; sujeição passiva.


Introdução

A responsabilidade visa facilitar a arrecadação do tributo, deslocando sua cobrança daquele que está ligado diretamente ao critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária, o contribuinte, para outro sujeito previsto em lei, o responsável.

Algumas vezes, a responsabilidade conduz a situações consideradas injustas. No entanto, ela não foi criada para promover justiça fiscal. Sua finalidade é aumentar a eficiência e a eficácia da arrecadação do tributo.

Em alguns casos, a Fazenda pode exigir o tributo do contribuinte, do responsável ou de ambos (responsabilidade solidária), mas opta pelo devedor mais solvável. No IPVA, porém, em razão de frequentes mudanças de titularidade dos veículos automotores usados, a utilização da responsabilidade é mais uma necessidade de se confirmar lançamentos automáticos por notificação que a Fazenda do Estado de São Paulo efetua anualmente, do que uma comodidade em arrecadar o imposto.

De fato, com base no Cadastro de Veículos do DETRAN do Estado de São Paulo, a Secretaria da Fazenda desse Estado organiza o Cadastro de Contribuintes do IPVA e faz regularmente lançamentos automáticos do IPVA por notificação no Diário Oficial do Estado para todo veículo automotor com o IPVA do exercício vencido, sem pagamento do imposto e sem registro, no exercício, de: reconhecimento de imunidade, concessão de isenção ou dispensa de pagamento do imposto. O lançamento é feito em nome daquele que consta como proprietário no Cadastro de Veículos do DETRAN.

Note-se que a Fazenda do Estado desconhece se, na data do fato jurídico tributário (fato gerador) do IPVA, quem constava do Cadastro do DETRAN era o proprietário do veículo (quando responde como contribuinte), se essa pessoa já alienara o veículo sem ter comunicado o fato ao DETRAN ou à Secretaria da Fazenda no prazo de 30 (trinta) dias contados da alienação, ou se era mero possuidor do veículo (quando o alienante ou o possuidor responde como responsável solidário pelo pagamento do imposto).


1.      Da responsabilidade tributária

Para que a Fazenda Pública possa arrecadar tributos por meios simples e econômicos, o legislador transfere em alguns casos a responsabilidade pela dívida tributária para terceiro.

A regra geral de responsabilidade está prevista no art. 128 do Código Tributário Nacional (CTN), que assim dispõe:

“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

De acordo com a regra, o terceiro, a quem a lei atribui de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário, deve estar vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação. A substituição é feita, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou a ele atribuindo, supletivamente, o cumprimento total ou parcial da obrigação.

Os artigos 129 a 138 do CTN apresentam regras específicas de responsabilidade pelo tributo devido ou pelo crédito tributário[1], todas com fundamento na ressalva inicial do art. 128 do Código (CARVALHO, 2008, p. 349).

O caput do art. 121 do CTN define o sujeito passivo da obrigação principal como a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. O parágrafo único do artigo dispõe que o sujeito passivo é dito: contribuinte, quando tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador (inc. I); ou responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, tem obrigação que decorre de disposição expressa de lei (inc. II).

Conforme veremos, somente no caso de o responsável estar vinculado ao fato gerador da obrigação tributária – isto é, sair da compostura interna do fato jurídico tributário, sem ser a pessoa que o realizou, no dizer de Carvalho (2008, p. 352) – é que ele será sujeito passivo de relação obrigacional de natureza tributária. Inexistindo a vinculação, no mais das vezes ele será sujeito passivo de outra relação obrigacional, mas de natureza sancionatória.


2.      Da escolha do sujeito passivo

Tem o legislador ordinário liberdade para escolher o sujeito passivo de impostos, taxas ou contribuições? Becho (2000, p. 68-78) e doutrinadores por ele citados entendem que só pode ser sujeito passivo aquele que realiza a materialidade da hipótese de incidência do tributo.

Em artigo em coautoria, Geraldo Ataliba e Cleber Giardino assinalaram:

“Em princípio só pode ser posta, pelo legislador, como sujeito das relações obrigacionais tributárias, a pessoa que – explícita ou implicitamente – é referida pelo texto constitucional como ‘destinatário da carga tributária’ (ou destinatário legal tributário, na feliz construção de Hector Villegas, cf. artigo RDP 30/242)”.

“Será sujeito passivo, no sistema tributário brasileiro, a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência de um tributo (como inferida da constituição) ou ‘quem tenha relação pessoal e direta‘ – como diz o art. 121, parágrafo único, I do CTN – com essa materialidade” (ATALIBA, 2008, p. 87).

Carrazza (2000, p. 179) afirma existir “um princípio de submetimento do legislador à Constituição; é ele que determina a própria validade da lei”.

Carvalho (2008, p. 347) pontifica:

“O território de eleição do sujeito passivo das obrigações tributárias e, bem assim, das pessoas que devam responder solidariamente pela dívida, está circunscrito ao âmbito da situação factual contida no outorga de competência impositiva, cravada no texto da Constituição”.

O ilustre Autor assevera ainda não ser possível ao legislador indicar para sujeito passivo alguém que não tenha personalidade jurídica, nos termos em que definida pelo direito civil. Isso porque a composição do liame obrigacional com devedor sem personalidade jurídica impediria medidas processuais necessárias à consecução da pretensão fiscal (CARVALHO, 2008, p. 342-344).

A Constituição brasileira define de forma minuciosa os impostos e distribui as competências para instituí-los entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. O critério material da hipótese de incidência de imposto, formado por um verbo e por seu complemento (CARVALHO, 2008, p. 285-287), pode ser inferido pelo nome que a Constituição deu ao imposto. Por exemplo: no Imposto sobre a Renda ou Proventos de qualquer Natureza, o critério material é auferir renda ou provento; no Imposto de Importação sobre Produtos Estrangeiros, é importar produto estrangeiro; no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, é ser proprietário de imóvel na zona urbana de município; no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, é ser proprietário de veículo automotor. A liberdade que o legislador ordinário tem para escolher o sujeito passivo é, portanto, reduzida. Nos quatro impostos citados, os sujeitos passivos são respectivamente a pessoa que aufere a renda ou o provento, o importador; o proprietário do imóvel; o proprietário do veículo. A esses sujeitos passivos, porque identificados diretamente no texto constitucional, Becho (2000, p. 85) dá o nome de sujeitos passivos constitucionais.

Ao sujeito passivo escolhido pelo legislador infraconstitucional, que não decorre do critério material inferido da Constituição, Becho (2000, p. 90) dá o nome de sujeito passivo legal.

Na escolha do sujeito passivo legal, o legislador infraconstitucional deve utilizar um dos seguintes critérios (BECHO, p. 92-93):

a) aproximação jurídica: o sujeito passivo legal deve pertencer a uma classe de pessoas, naturais ou jurídicas, que estejam próximas – juridicamente – de realizar a materialidade prevista na hipótese de incidência (ex: para o IPTU, o legislador escolheu o titular de domínio útil ou o possuidor a qualquer título, que são quase-proprietários – vide art. 34 do CTN);

b)   ausência de sujeito passivo constitucional: para o evento jurídico tributário, a autoridade fiscal não ter meios para identificar o sujeito passivo constitucional ou não ter como dele exigir o tributo. Exemplo: para o Imposto de Importação de Produtos Estrangeiros, o legislador complementar escolheu o arrematante do produto abandonado ou apreendido (vide inc. II do art. 22 do CTN), pois, além de estar próximo juridicamente do importador, é a pessoa de quem a União tem como exigir o imposto, no caso de o produto importado ter sido: i) abandonado pelo importador; ii) apreendido pela autoridade aduaneira, porque o importador realizou operação ilegal.

Havendo o sujeito passivo constitucional, Becho (2000, p. 93) não aceita a eleição de outro sujeito para ocupar o polo passivo da relação tributária, por razão de conveniência administrativa, assunto de política fiscal inconfundível com o direito positivo.


3.      Do princípio da capacidade contributiva

Em razão do princípio constitucional da capacidade contributiva, o antecedente da norma impositiva de imposto deve conter em seu critério material a descrição do comportamento de um sujeito de direito que ostente sinais de riqueza, sob pena de aquela norma ser inconstitucional (QUEIROZ, 1999, p. 171). No entanto, o critério material poderá também descrever situação (estado) em que o sujeito se encontra que denote sinais de riqueza, como ser proprietário de um bem.

O sujeito passivo da relação jurídica prescrita no consequente da norma impositiva de imposto, por força do princípio constitucional da capacidade contributiva, “só pode ser aquele (mesmo) titular da riqueza pessoal descrita pelo critério material do antecedente, pois é parte da riqueza dele que será entregue ao Estado” (QUEIROZ, 1999, p. 179).

No IPVA, a capacidade contributiva é objetiva, porque não se refere às condições econômicas de cada contribuinte, mas à sua manifestação objetiva de riqueza: ser proprietário de veículo automotor (CARRAZZA, 2000, p. 67). Não importa se o contribuinte aufere renda suficiente para poder pagar o imposto. Se não auferir, ele poderá alienar o veículo para conseguir recursos para quitar débitos do IPVA de exercícios anteriores e para não ter de pagar o imposto em exercícios futuros.

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No entanto, a capacidade contributiva objetiva (ínsita ao critério material da hipótese da regra-matriz de incidência do IPVA) pode não se verificar com o responsável. É o que ocorre, por exemplo, quando pessoa que possui apenas um veículo automotor vende-o para poder pagar suas dívidas mas não comunica a alienação ao DETRAN ou não fornece à Secretaria da Fazenda os dados necessários à atualização do Cadastro de Contribuintes do IPVA. Se o adquirente não solicitar a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo (CRV) em seu nome nem pagar o IPVA do exercício seguinte, o lançamento será em nome do alienante. A omissão do alienante transformou-o em responsável solidário pelo pagamento do IPVA, nos termos do disposto no inc. II do art. 6º da Lei 13.296/2008[2], combinado com seu § 2º.


4.      Critérios quantitativo, temporal e espacial do consequente da regra-matriz de incidência do IPVA

Seguindo lição de Carvalho (2008, p. 360), Queiroz (1999, p. 175) afirma ser a base de cálculo a grandeza instituída no consequente da norma, que se destina a dimensionar a riqueza presente no fato descrito no critério material do antecedente normativo.

Alíquota é a parcela ou percentual da base de cálculo que o sujeito passivo deve entregar ao Estado. No IPVA, a alíquota é proporcional invariável. Proporcional, porque aparece em forma de fração ou de percentual (p. ex., a alíquota do IPVA de automóveis flex ou com motor especificado para funcionar exclusivamente com gasolina é de 4% – quatro por cento); invariável, porque é a mesma qualquer que seja o valor assumido pela base de cálculo no caso concreto (base calculada). Como adverte Carvalho (2008, p. 372), é pela imposição de limite superior para a alíquota que a autoridade legislativa evita que a tributação transforme-se em confisco, vedado pelo inc. IV do art. 150 da Constituição.

Queiroz (1999, p. 176) afirma que os critérios temporal e espacial do consequente da regra-matriz de incidência do imposto “têm merecido pouco destaque por parte da doutrina”. De fato, careceria de sentido uma relação jurídica tributária, com obrigação de “dar”, que não prescrevesse data-limite (critério temporal) para o devedor entregar certa quantia de dinheiro ao credor nem o lugar (critério espacial) onde essa entrega deve ser realizada.

No entanto, a incompletude da regra-matriz de incidência do IPVA (norma legal) é aparente, visto que os critérios temporal e espacial da relação jurídica prescrita em seu consequente estão definidos em normas infralegais, por não serem matérias sujeitas à reserva legal, previstas nos incisos I a VI do art. 97 do CTN. Com efeito, as datas de vencimento do IPVA nas opções de pagamento à vista com desconto, à vista sem desconto ou em três parcelas mensais, iguais e consecutivas são fixadas em decreto do Poder Executivo, editado no exercício anterior ao de incidência do IPVA. No que concerne ao critério espacial, o IPVA pode ser recolhido em agência de um dos bancos autorizados para o seu recebimento (relacionados no “sítio” da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo – disponível em: <http://www3.fazenda.sp.gov.br>), bastando que interessado informe ao “caixa” do banco o número do RENAVAM do veículo.


5.      Da natureza da responsabilidade tributária

Ainda que sumariamente, analisaremos a natureza da responsabilidade tributária. A divergência de entendimentos entre os autores demonstra a complexidade do tema.

O inc. II do art. 124 do CTN declara solidariamente obrigadas “as pessoas expressamente designadas por lei”. Depois de observar que falta competência constitucional ao legislador ordinário para exigir o tributo de pessoa alheia ao fato descrito hipoteticamente no antecedente da norma de incidência, Carvalho (2008, p. 347-348) conclui que os devedores solidários, instituídos pela lei, mas estranhos ao evento jurídico-tributário, não participam daquele liame obrigacional, mas de outro, de cunho sancionatório, que surge pelo descumprimento de algum dever. Aduz o Autor que “ninguém pode ser compelido a pagar tributo sem que tenha realizado, ou participado da realização de um fato, definido como tributário pela lei competente” e que em todas as hipóteses de responsabilidade tributária previstas no CTN o coobrigado não foi retirado do quadro da concretude fáctica, peculiar ao tributo, mas foi escolhido como tal por haver descumprido dever que lhe cabia observar. Assevera que, embora falte ao legislador de determinado tributo “competência para colocar alguém na posição de sujeito passivo da respectiva obrigação tributária, ele pode legislar criando outras relações, de caráter administrativo, instituindo deveres e prescrevendo sanções”.

Os devedores solidários estranhos ao acontecimento do fato jurídico tributário “integram outro vínculo jurídico, que nasceu por força de uma ocorrência tida como ilícita” (CARVALHO, 2008, p. 348). Há, na realidade, duas relações jurídicas obrigacionais: a tributária, de que são partes o Estado e o contribuinte, e a sancionatória, de que são partes o Estado e o responsável. Por terem prestações idênticas (pagamento do tributo devido pelo contribuinte), parece haver “uma única relação, com dois sujeitos que se aproximam pelas ligações de solidariedade jurídica”. Para dificultar ainda mais a compreensão do assunto, “o pagamento efetuado pelo devedor solidário tem o condão de extinguir a obrigação tributária” (CARVALHO, 2008, p. 348). Assim, a obrigação do responsável é sanção por infração administrativa.

À lição de Carvalho adere Queiroz (1999, p. 180), para quem:

contribuinte é o único sujeito de direito (sujeito passivo) que pode figurar no pólo (sic) passivo da relação jurídica tributária e cuja identificação é informada pelo critério pessoal passivo do conseqüente (sic) da norma impositiva de imposto”.

“Se o sujeito passivo for outro (responsável ou substituto, p. ex.), a norma terá necessariamente natureza diversa da tributária”.

Para Queiroz (1999, p. 185), a norma que dispõe sobre a responsabilidade pode ser:

a) primária[3] principal de natureza não-tributária; ou

b) primária de natureza punitiva.

Segundo o Autor (1999, p. 185), a responsabilidade que resulta da primeira norma ocorre nos casos em que há uma sub-rogação subjetiva de todos os direitos e deveres (em especial os deveres tributários), exceto os personalíssimos (como o direito à vida, à saúde etc.), do contribuinte para o responsável.

Se o contribuinte for pessoa natural, a sub-rogação subjetiva somente se processará na sucessão causa mortis, prevista no art. 131, II e III do CTN (QUEIROZ, 1999, p. 186). Exemplo: o débito de IPVA de veículo automotor que havia sido de propriedade do de cujus, e que passou a ser de responsabilidade do sucessor a qualquer título e do cônjuge meeiro, limitada a responsabilidade ao montante do quinhão, do legado ou da meação. Se o contribuinte for pessoa jurídica, a sub-rogação subjetiva de todos os direitos e deveres se processará por meio de fusão de empresas, de transformação ou de incorporação de empresa, previstas no art. 132, caput, do CTN (QUEIROZ, 1999, p. 186). Exemplo: o débito de IPVA da empresa A, então proprietária de veículo automotor, passou a ser débito da empresa B, assim que esta empresa incorporou aquela.

Embora Queiroz fale em “sub-rogação subjetiva de todos os direitos e deveres” do contribuinte para o responsável, na doutrina e nas disposições do Código Civil (CC) o termo é usado para a pessoa natural que paga dívida de outrem e que assume os (ou se sub-roga nos) direitos do primitivo credor. Com efeito:

“No conceito do Direito Civil e do Direito Comercial, sub-rogação resulta sempre na substituição de coisa, ou pessoa, por outra coisa ou pessoa, sôbre (sic) que recaem as mesmas qualidades ou condições dispostas anteriormente em relação à coisa, ou à pessoa substituída” (SILVA, 1973, p. 1.483).

Ora, não são as mesmas as condições da pessoa substituta (sucessora) e as da substituída (sucedida), já que somente esta é quem provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese tributária.

A sub-rogação a que o Autor se refere é legal e pessoal, assim definidas:

“SUB-ROGAÇÃO LEGAL. Ao contrário da sub-rogação convencional, a sub-rogação legal é a que se opera, por fôrça (sic) de lei, independentemente do consentimento do devedor e de declaração expressa do credor.

[...]

SUB-ROGAÇÃO PESSOAL. É a que importa na substituição de uma pessoa por outra em uma relação de direito.

A sub-rogação pessoal, em geral, resulta da que se opera por um pagamento de terceiro, ou interessado, de dívida alheia” (SILVA, 1973, p. 1.484).

No art. 259, parágrafo único, do CC, quem paga a dívida é um dos devedores; no art. 346, III, do CC é terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte; no art. 347, II, do CC, é terceira pessoa que empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

Seguindo as lições de Sousa (1960, p. 72), muitos autores preferem falar em “sucessão”, em vez de “responsabilidade” ou “sub-rogação”, e em “sucessor”, em vez de “responsável” ou “sub-rogado”. Na sucessão de pessoa natural, isso nos parece mais adequado.

Não vislumbramos também a responsabilidade do cônjuge meeiro ou do sucessor a qualquer título como sanção por descumprimento de dever administrativo a um ou a outro cometido. Com efeito, a responsabilidade do cônjuge meeiro ou do sucessor a título universal (herdeiro) ou singular (legatário) decorre do evento morte, de modo que o primeiro dever jurídico cometido àquelas pessoas já é o de pagar tributo devido pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação.

No entanto, na sucessão de pessoa jurídica em razão de fusão, incorporação ou cisão com extinção da empresa cindida, vislumbramos dever administrativo, implícito, de futuros ou atuais administradores, da empresa a ser criada pela fusão, da empresa incorporadora ou das empresas que absorverão parcelas do patrimônio da empresa cindida investigarem débitos tributários da(s) candidata(s) à fusão, incorporação ou cisão, já constituídos ou ainda passíveis de serem constituídos, antes de realizarem a sucessão. A sanção por descumprimento daquele dever é a(s) empresa(s) sucessora(s) ter(em) de pagar débitos tributários da(s) empresa(s) sucedida(s).

De acordo com Queiroz (1999, p. 186), porque a sub-rogação subjetiva advém de fato jurídico lícito, a norma que dispõe sobre responsabilidade por sub-rogação subjetiva total é necessariamente norma primária principal. Seu antecedente descreve fato lícito: uma pessoa natural morrer ou uma pessoa jurídica fundir-se a outra, transformar-se em outra ou ser por esta incorporada.

No caso de norma primária de natureza punitiva, o responsável será, a rigor, sujeito passivo de duas relações jurídico-formais diferentes (QUEIROZ, p. 188):

a)      que está prescrita no consequente de norma primária principal, de natureza não-tributária mas sim administrativo-fiscal, que lhe impõe dever jurídico de interesse da Administração (p. ex.: o interessado em adquirir veículo automotor usado ter de verificar se há débito do IPVA do exercício ou de exercício anterior, sob pena de, efetuada a aquisição, tornar-se por ele responsável, a teor do disposto no inc. I do art. 131 do CTN);

b)      que está prescrita no consequente de norma primária punitiva, que lhe impõe uma sanção pecuniária pelo não-cumprimento da conduta prescrita no consequente da norma primária administrativo-fiscal (p. ex.: o adquirente de veículo automotor, agora responsável, estar obrigado a entregar ao Estado quantia de dinheiro equivalente ao valor do IPVA que o alienante e contribuinte deveria ter entregado).

Ao rever e complementar obra de Baleeiro (1999, p. 737-738), Derzi afirma haver duas normas jurídicas interligadas: a norma básica ou matriz, que disciplina a obrigação tributária principal ou acessória; e a norma complementar ou secundária, que depende da primeira e que se presta a alterar apenas o aspecto subjetivo da consequência da norma anterior, uma vez ocorrido o fato descrito em sua hipótese. Aduz a Autora que o aspecto material da norma básica descreve, invariavelmente, fato lícito – pois tributo não é sanção de ato ilícito – enquanto o aspecto material da norma secundária pode descrever fato lícito (sucessão, por ex.) ou ilícito (ação ou omissão previstas nos arts. 134 e 135 do CTN)[4]. Para Derzi, a vinculação do responsável com o fato gerador, exigida pelo art. 128 do CTN, é verificada pelo fato de o aspecto material da hipótese da norma secundária (com o qual o responsável tem relação pessoal e direta) estar em conexão com algum aspecto da norma básica de incidência.

Importa destacar que, se o lançamento tributário foi efetuado em nome de pessoa natural ou jurídica antes de ocorrer a sucessão, uma vez ocorrida, a substituição do sujeito passivo resultará da lei (art. 131, II e III ou art. 132, caput, do CTN), não precisando a autoridade administrativa proceder a novo lançamento em nome da sucessora.

Discordando de Carvalho, Justen Filho (1985, p. 290-291) afirma ter natureza tributária a norma cujo consequente prescreve uma sanção (perinorma) a terceiro (responsável), porque este deixou de cumprir dever prescrito no consequente de outra norma (endonorma)[5]. Observa, com propriedade, que “o destinatário da responsabilidade tributária encontra-se em situação de poder sobre o sujeito passivo tributário, de molde a ser-lhe dado exigir ou verificar o cumprimento da prestação devida” (JUSTEN FILHO, 1985, p. 295).

Convém destacar ainda a posição de Becho (2000, p. 152) sobre a responsabilidade tributária e o responsável. O Autor afirma filiar-se à corrente na qual estão Gian Antonio Micheli e Paulo de Barros Carvalho, por entender que o responsável é garantidor fiduciário do crédito tributário, não participando da relação jurídico-tributária que resulta da subsunção do relato do evento tributado ao fato descrito na hipótese da regra-matriz tributária. Explica a relação de crédito pela “teoria dualista” das obrigações do direito alemão, que separa de forma lógica o crédito/débito (Schuld) e a garantia/responsabilidade (Haftung) (BECHO, 2000, p. 153)[6].

Para Becho (2000, p. 153-154), a Constituição Federal traz o Schuld dos tributos que especifica (crédito para o Estado, débito para o contribuinte),

“para os sujeitos passivos constitucionais e para os sujeitos passivos legais, por autorização implícita, mas não traz o Haftung, [...]. Já a responsabilidade, tanto do devedor tributário como do responsável tributário, também está protegida pela Constituição, mas em outras normas (v.g. a que determina o cumprimento do due process of law, para alguém ver-se despojado de seus bens)”.

Assevera Becho (2000, p. 154-155) que

“a responsabilidade (Haftung) que todo devedor possui, pode existir para outras pessoas que não possuem a dívida (Schuld). Com isso, resta evidente que todos os que possuem a dívida possuem a responsabilidade (para seu patrimônio, esclareça-se), mas nem todos que possuem a responsabilidade, possuem a dívida”.

O Autor dá como exemplo de aplicação de sua teoria os incisos II e III do artigo 131 do CTN, que preveem a responsabilidade do sucessor a qualquer título e do cônjuge meeiro (inc. II) e do espólio (inc. III), pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, ou até a data da abertura da sucessão, respectivamente.

Afirma Becho (2000, p. 133) que a regra da responsabilidade está no inciso II do art. 568 do Código de Processo Civil (CPC)[7], de modo que mesmo que não existisse o art. 131 do CTN, “as fazendas públicas poderiam executar os substitutos processuais da exata forma como acontece hoje”.

Entendemos, porém, que as disposições dos incisos II e III do art. 131 do CTN são importantes, pois permitem que a Fazenda Pública substitua o contribuinte pelo sucessor já na relação jurídica tributária (de direito material), sem necessidade de ter de ajuizar ação de execução fiscal.

Conclui Becho (2000, p. 159-160) que o sujeito passivo da relação tributária será sempre o contribuinte, identificável de acordo com o modelo previsto na Constituição. Ele continuará, pelo menos num primeiro momento, a integrar a relação processual que cuide da cobrança do tributo. Depois, é possível que o responsável integre essa relação processual, mas nunca a tributária.

Em face do exposto, conclui-se que, para Renato Lopes Becho, é processual a relação jurídica que se instaura entre responsável e Estado, enquanto para Paulo de Barros Carvalho, ela é de direito material (direito administrativo).

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. A responsabilidade no IPVA paulista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3636, 15 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24662. Acesso em: 20 abr. 2024.

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