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O reconhecimento do dano moral em favor do nascituro: concepções doutrinárias e evolução jurisprudencial

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18/06/2013 às 17:37
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4 A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DO RECONHECIMENTO DO DANO MORAL EM FAVOR DO NASCITURO

4.1 O reconhecimento da teoria concepcionista

Embora nunca tenha restado dúvida no entendimento doutrinário e jurisprudencial brasileiro quanto à aplicação da teoria natalista, a que afirma que a pessoa natural começa sua existência com o nascimento com vida e, com isso, também a sua capacidade jurídica, a novidade permeia-se na crescente aplicação da teoria concepcionista, a qual garante certa equiparação ente os já nascidos e os ainda viventes no ventre materno.

Como já explanado, uma interpretação sistemática e teleológica acerca do artigo 2º do Código Civil nos permite conceder ao nascituro personalidade jurídica própria, bem como a possibilidade de defesa dos seus direitos, naturalmente observada, para este fim, a necessária intermediação pelo exercício da representação que couber. O nascituro tem resguardados, normativamente, desde a concepção, os seus direitos, tendo em vista que a partir dela passar a ter existência e vida orgânica e biológica própria, independente da de sua mãe. Se as normas o protegem, é porque tem personalidade.

Nesse sentido, é considerada a possibilidade de projeção de dano moral em favor do nascituro. Como já citado no presente trabalho, atualmente percebe-se que o dano moral e os direitos da personalidade encontram-se ligados de forma intrínseca, a ponto de muitos doutrinadores afirmarem que não há dano moral fora do âmbito desses direitos. Atualmente, o conceito de dano moral traz um conteúdo técnico, qual seja a violação de um direito da personalidade. Assim, verifica-se que o mesmo deixou de se relacionar a uma compreensão negativa e subjetiva, passando a ser qualificado de forma técnica e objetiva.

Diante da fragilidade que caracteriza a figura do nascituro, faz-se necessária a concessão de uma tutela jurídica ampla aos seus direitos, os quais devem ser protegidos sob pena de ferir a própria essência humana. Em específico, a possibilidade do dano moral em favor do nascituro com base em uma nova perspectiva civilista, imposta pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, vem sendo ratificada pela jurisprudência atual.

Como ser humano que está vivo, porém ainda não nascido, é considerado pessoa protegida em toda sua dignidade. No atual Estado Democrático de Direito, não mais se admite uma dignidade seletiva, na qual apenas os nascidos com vida são considerados pessoas humanas dignas. Esse é o entendimento depreendido da lição de Clayton Reis (2010, p. 24), a seguir transcrita:

Nesse contexto, não nos é lícito estabelecer limites aos nossos semelhantes por decorrência da sua condição atual ou devir. A integralidade do ser se manifesta no momento da vida, seja ela em que nível estiver – de consciência, de semi-consciência ou de absoluta falta de consciência. Se pensarmos de forma diversa, o ordenamento jurídico não asseguraria direitos aos incapazes, a contrario sensu, protege de forma integral os direitos dos tutelados e curatelados.

Nas palavras do supracitado autor, a limitação aos direitos da personalidade tendo como argumento a incapacidade do nascituro é algo inadmissível, haja vista que este possui vida desde o momento da sua concepção. Essa proteção é consubstanciada no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é constitucionalmente garantido a todo ser humano, seja este de vida intra ou extrauterina. Adotar, atualmente, a teoria natalista seria entrar em confronto com o referido princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro. O entendimento natalista não é mais consoante com a atual ordem jurídica, posto que entra em choque com a realização plena da dignidade da pessoa humana.

Assim, pois, com a adoção da teoria concepcionista, há uma proteção ampla dos direitos do nascituro, e não apenas uma mera expectativa de direitos ou mera condição suspensiva, como nas teorias natalista e da personalidade condicional.

Insta frisar que, atualmente, existe o Projeto de Lei nº 478/2007, da autoria de Luiz Bassuma e Miguel Martini, o qual se encontra em trâmite, aguardando parecer da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, que visa a criação do Estatuto do Nascituro[47]. O referido Estatuto disporia sobre a proteção integral do nascituro, consoante prevê seu artigo 1º. Sobre a finalidade do referido projeto, justificam seus autores:

[...] pretende tornar integral a proteção ao nascituro, sobretudo no que se refere aos direitos de personalidade. Realça-se, assim, o direito à vida, à saúde, à honra, à integridade física, à alimentação, à convivência familiar, e proíbe-se qualquer forma de discriminação que venha a privá-lo de algum direito em razão do sexo, da idade, da etnia, da aparência, da origem, da deficiência física ou mental, da expectativa de sobrevida ou de delitos cometidos por seus genitores.

O conceito de dano moral mantém íntima ligação com a esfera pessoal da vítima e com os valores fundamentais e essenciais da vida humana, sendo, efetivamente, a violação a um direito da personalidade, como a honra, a liberdade, a integridade física e psicológica, bem como tantos outros direitos assegurados.

Nesse contexto, Clayton Reis (2010, p. 40 - 41) conclui:

Não faz sentido deixar de atribuir a condição de dignidade ao nascituro porque ainda não nasceu. Ora, mesmo não tendo nascido, não perdeu a sua atribuição de um ser humano em fase de desenvolvimento. Nele se encontram presentes todos os elementos fundamentais e identificadores da pessoa humana e, por conseqüência, os direitos da personalidade suscetível de assegurar o direito à proteção jurídica através da tutela dos danos morais dentre outros. Aliás, é exatamente esse ser humano que anseia por nascer, totalmente indefeso, que merece a maior e a mais irrestrita proteção do ordenamento jurídico. A dignidade que se encontra presente neste ser indefeso é certamente maior em relação àqueles que possuem mecanismos de defesa própria, a exemplo dos animais irracionais. Nesse particular, a ordem jurídica é contraditória. Na medida em que oferece proteção aos enfermos e idosos, como a recente Lei sobre o Estatuto do Idoso, não assinala a especial tutela que deve merecer os nascituros.

Impõe-se, dessa forma, a conclusão de que ao nascituro assiste direito de ser indenizado, tanto material quanto moralmente, de violações a quaisquer dos direitos da personalidade. Se assim não fosse, não teria sentido a disposição do artigo 2º do Código Civil, que resguarda esses direitos desde o momento da concepção, bem como não se justificaria a punição legal do aborto tipificada no Código Penal Brasileiro. A integridade corporal se insere no mesmo princípio, pois sua violação implica evidente risco à sobrevivência do feto ou ao seu pleno desenvolvimento como ser humano.

4.2 O entendimento jurisprudencial atual

Postas as considerações doutrinárias acerca do assunto, tem-se a abordar como se coloca a jurisprudência no âmbito da tutela jurídica do nascituro, em especial no que se refere ao reconhecimento do dano moral em favor do mesmo, tendo em vista a ofensa aos direitos da personalidade a eles consagrados.

Em que pese o objeto do presente trabalho ser a análise do artigo 2º do Texto Civilista, é notório, como já explanado, o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, razão pela qual se faz necessária a análise da posição do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto. Ademais, tal dispositivo legal trata da proteção a direitos fundamentais, consagrados pela Constituição Federal, a qual é resguardada pela Corte Suprema.

Analisando a jurisprudência da referida Corte, verifica-se que não há decisões acerca do caso específico aqui tratado, qual seja a possibilidade de reconhecimento de reparação por danos morais em favor do nascituro. Contudo, é possível averiguar a teoria adotada pelo Tribunal através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, proposta pelo ex-Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles.

A ADI supramencionada teve como objeto a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, Lei de Biossegurança, dispositivo que permite a utilização de células-tronco de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia, o que, no posicionamento do autor da ação, fere a proteção constitucional do direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

O Ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, sustentou a tese de que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano, devendo haver a participação ativa da futura mãe. No seu entender, o zigoto, que é o embrião em estágio inicial, é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro formado. Assim, votou pela total improcedência da ação.

Segue trecho da ementa de julgamento, através da qual se verifica como nítida a adoção da teoria natalista pelo Supremo Tribunal Federal:

(...) O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição(...).[48]

Embora seja entendida como consagrada a tese natalista entre os doutrinadores clássicos, bem como na maioria dos tribunais brasileiros, o pensamento concepcionista vem ocupando um espaço cada vez maior no âmbito da jurisprudência, especificamente das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça. O reconhecimento da possibilidade de concessão do dano moral em favor no nascituro vem se fazendo presente no entendimento do referido Tribunal Superior, rechaçando, assim, a tese de que o nascimento com vida é condição para que o feto adquira personalidade jurídica.

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Ainda sob as reges do Código Civil de 1916, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao julgar Recurso Especial nº 399028/SP, o qual foi levado ao Superior Tribunal de Justiça com o intuito de modificar julgado de indenização a filhos cujo pai faleceu em atropelamento, sendo um deles ainda nascituro na ocasião do fato, concebeu a tese concepcionista, decidindo pelo reconhecimento desse direito ao feto. Segue a Ementa da decisão, proferida em 26/02/2002:

DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO.  PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.

II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.

III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.[49]

À época anunciou a Corte, por unanimidade de votos, que “o nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.” Segundo entendimento manifestado pelo Tribunal, a dor da qual sofre o nascituro é menor do que aquela sentida pelo filho que já conviveu por muitos anos com o pai e vem a perdê-lo. Todavia, isso só influiu na gradação do dano moral, eis que sua ocorrência fora considerada incontroversa.

Outro aspecto levantado na referida decisão referia-se ao argumento de ocorrência da prescrição, haja vista o transcurso de vinte três anos da data do evento que culminou com a morte do pai da criança. O Superior Tribunal de Justiça não acolheu o referido pedido, tendo em vista que a prescrição não corre em face do absolutamente incapaz. Assim, resta claro mais um argumento que denota a tese concepcionista de aquisição da personalidade, já que só pode ser considerado incapaz aquele que possui personalidade, ou seja, que é detentor de direitos, só não está apto a exercê-los de forma solitária.

A mesma Corte, já sob a vigência do atual Código Civil, mais uma vez reconheceu o dano moral em favor do nascituro tendo em vista a morte do pai em acidente de trabalho, ao julgar o Recurso Especial nº 931556/RS.

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURDA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE.

- Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.

- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz fixa o valor da reparação.

- É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes.

- Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte, contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes

- É possível a apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes.

- A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que acarretem prejuízos aos litigantes. Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido.

A ministra Nancy Andrighi, apesar de haver proferido voto na mesma esteira do pensamento do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, admitindo a concessão de indenização para o nascituro, argumentou que seria impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação a este, em comparação com outros filhos do acidentado, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão, divergindo da tese acolhida pelo citado ministro de que o valor indenizatório concedido ao nascituro deveria ser menor do que o quantificado para os demais filhos já nascidos. Dessa forma, embora em ponto mais ínfimo, já é possível verificar a equiparação cada vez maior proporcionada aos direitos do feto em relação aos do ser que já possui vida extrauterina.  

Como verificado, a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de afirmar que o nascituro pode sofrer lesões de ordem moral, como no caso da perda de seu genitor em acidente provocado por terceiro, tendo em vista que o óbito de seu pai terá reflexos em sua vida futura, sendo que impossibilitado estará de conhecê-lo, bem como será privado de sua companhia, de seus cuidados e de sua afetividade. A perda do genitor, ainda que não sentida no ato de sua ocorrência pelo nascituro, afeta, posteriormente, quando nascido com vida, o seu psiquismo pelo sentimento de frustração ante a ausência da figura paterna.

Como visto, percebe-se a adoção da teoria concepcionista nos julgados apresentados, os quais reconheceram direitos ao nascituro desde o momento da sua concepção. Tal tese apresenta-se como inteira expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual deve ser estendido ao já concebido e ainda não nascido por ser pessoa, juridicamente reconhecida, desde o momento que ainda se encontra no ventre materno.

Embora a predominância de pleitos reparatórios em favor do nascituro seja em casos semelhantes aos supramencionados, é completamente possível a reparação de danos decorrentes de outras situações. Clayton Reis afirma que, em caso de sequelas que acometam o nascituro advindas de medicamentos ministrados à genitora durante a gestação, também é plenamente possível a concessão de indenização por danos morais:

Ante o reconhecimento legal dos direitos do nascituro, não há como negar a possibilidade de, com o seu nascimento com vida, vir ele a pleitear indenização por deformações ou problemas físicos permanentes, resultantes, por exemplo, de mau acompanhamento médico, falta de exame ou prescrição errada de medicamentos em exame pré-natal. A falta de consciência do problema por parte do infante não exclui essa possibilidade.[50]

Nesse mesmo sentido, há decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental do Agravo de Instrumento, AgRg no Ag nº 1092134/SC, que admitiu a concessão de indenização tendo em vista a comprovada falha na prestação dos serviços hospitalares  que deu causa inequívoca à doença da fibroplasia retrolenticular no nascituro:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO INDENIZATÓRIA – ERRO MÉDICO - OXIGENOTERAPIA - FIBROPLASIA RETROLENTICULAR – RETINOPATIA DO NASCITURO - CRIANÇA COM PERDA DE 90% (NOVENTA POR CENTO) DA VISÃO - RESPONSABILIDADE COMPROVADA PELO TRIBUNAL "A QUO" - SÚMULA 7/STJ - DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS - RAZOABILIDADE DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - EXTENSÃO DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL 1.086.451/SC, QUANTO A JUROS, AO AGRAVANTE.

I - A responsabilidade civil da Agravante, na espécie, decorreu da comprovada falha na prestação dos serviços hospitalares de acompanhamento do recém-nascido, que deu causa inequívoca à doença da fibroplasia retrolenticular - retinopatia do nascituro -, que comprometeu mais de 90% (noventa por cento) da visão da criança.

Essa conclusão não pode ser afastada nesta Corte, por depender do reexame do quadro fático-probatório. II - Não há como afastar a condenação solidária do médico e do Hospital em que internado o nascituro, na hipótese, pois o corpo clínico, embora possuísse autonomia funcional, subordinava-se administrativamente aos regulamentos da entidade hospital, relação que caracteriza, em sentido amplo, o vínculo da preposição, ademais do fato de que Hospital recebia recursos da Seguridade Social. Precedentes.

III - Considerando os danos permanentes à saúde do nascituro e a evidente responsabilização, não há razão para a alteração do quantum indenizatório em face da razoabilidade do patamar em que fixado, sendo R$ 76.000,00 (setenta e seis mil) pelos danos morais e R$ 30.400,00 (trinta mil e quatrocentos reais) pelos danos estéticos.

IV - Quanto aos juros moratórios, estende-se ao Agravante os efeitos do acolhimento parcial do Recurso Especial interposto pelo médico, Dr. Rogério Antônio Gaio (REsp 1.086.451/SC), estabelecendo-se que, também relativamente à ASSEC, os juros moratórios correm a partir da data da citação e não da data do evento danoso. Agravo regimental improvido.

Durante a vida intrauterina dever-se-á ter o mais absoluto respeito pela vida e integridade física e mental do nascituro, sendo estes, portanto, suscetíveis de indenização por dano moral por qualquer lesão que venham a sofrer, como deformações, traumatismos, toxiinfecções, intoxicações, sejam quais foram as suas causas. Assim, a jurisprudência brasileira vem admitindo o direito do nascituro de movimentar a máquina judiciária para obter indenização por dano pré-natal[51] contra o lesante, seja ele sua mãe, nos termos do artigo 186 do Código Civil, ou o médico, nos termos do artigo nº 951 do mesmo texto legal e da Lei nº 8.078/90. O agravo a nascituro em sua integridade física é a perda de sua aptidão de experimentar as situações prazerosas da vida, razão pela qual deve ser objeto de reparação.

O autor Jeová Antônio Santos argumenta no sentido de que o agravo moral pode ser indenizável quando seus reflexos atinjam o ser em formação, como na hipótese de problema neurológico, em conseqüência de lesões padecidas no claustro materno. Exemplifica com acidente de trânsito que sofreu a mãe, com danos irreversíveis que lhe acarretem vida vegetativa. Então, o filho que venha a nascer com problemas pela moléstia materna, haverá de ser indenizado pela perda do que há de mais profundo, que é a inaptidão para experimentar as situações prazenteiras da vida.

O afastamento da possibilidade de que a pessoa desenvolva os seus recursos intelectuais, semelhante à existente em pessoas normais, faz surgir uma anormalidade espiritual, quebrantadora do equilíbrio necessário para o viver em harmonia com outros seres humanos. As crianças, os amentais, o nascituro e quem estiver inane, em vida vegetativa, são passíveis de sofrer dano moral. Não apenas a manifestação de dor, de angústia, de tristeza, ou o conhecimento que transmite ausência do desejo de vier são fatos demonstrativos de que alguém deixou de padecer dano moral e que, por isso, não será ressarcido, deixando seu ofensor livre para continuar na prática de outros agravos.[52]

Consagrado deve ser, ainda, o direito à imagem do nascituro, pois poderá ela ser captada por ultra-sonografia, câmaras fotográficas miniaturizadas ou radiografias. Se captada, utilizada ou publicada sem a autorização de seus pais ou do curador ao ventre, causando-lhe dano, poderá ser pleiteada uma indenização por ofensa ao direito de imagem em favor do ainda não nascido.[53] Da mesma forma, também deve ser efetivado o direito à honra do nascituro, podendo pleitear indenização se sofrer imputação de bastardia, por exemplo. Tais direitos, se violados, devem ser passíveis de indenização por danos morais em nome do nascituro seguindo a mesma esteira de entendimento do Superior Tribunal de Justiça nos julgados supramencionados.

Insta destacar que no já citado Estatuto do Nascituro, Projeto de Lei n.º 478/2007, consta, em seu artigo 21, previsão expressa da reparação civil pelos danos morais sofridos pelo nascituro, quando em seu conteúdo expressa que “os danos materiais ou morais sofridos pelo nascituro ensejam reparação civil”. Percebe-se, portanto, que o caminho que vem sendo traçado no ordenamento jurídico brasileiro é em busca da proteção cada vez maior que deve ser concedida ao nascituro, incluindo nesta a concessão de indenização por danos morais por violação dos seus direitos da personalidade.

Utilizando os mesmos argumentos, deve ser indenizada a morte de nascituro porque ele é pessoa, desde a concepção, apesar da redação apenas aparentemente contraditória do artigo 2º do Código Civil, que deve ser interpretado de acordo com todo o sistema por ele agasalhado e não isoladamente. Não há razão aceitável para não se indenizar a morte do concebido, tomando por base os mesmos argumentos utilizados pela corrente concepcionista. A negativa de indenização prestigiaria o ato ilícito que impediu a conquista da personalidade.

Nesse sentido, fora proferida decisão no Recurso Especial nº 1120676/SC, tendo como relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº 6194/74.

1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação.

2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto.

3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.

4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e 4º).

5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido.

Na decisão apresentada, a Terceira Turma do citado Tribunal Superior determinou, por maioria dos votos, o pagamento de indenização pelo Seguro DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) aos pais de um nascituro morto em um acidente de trânsito. A mãe, grávida de uma menina, conduzia uma bicicleta em via pública quando se envolveu em um acidente com um veículo automotor. A filha faleceu quatro dias depois, ainda no ventre materno.

Como verificado, além da jurisprudência atual caminhar no sentido de reconhecer o dano moral em favor do nascituro, vem reconhecendo também a possibilidade de concessão de indenização em virtude da morte daquele que ainda se encontra no ventre materno. Tal pensamento corrobora com o entendimento de que o nascituro já seria pessoa, e a sua morte, que ceifaria a possibilidade de exercer os direitos que já possui, deve ser indenizada, sendo os pais legitimados para o gozo dessa reparação.

Mesmo se prescinda do argumento de que o nascituro é pessoa, desde a concepção, a obrigação de reparar o dano que lhe causa a morte fundamenta-se no instituto da responsabilidade civil. O dano é primordialmente moral – puro ou com reflexos patrimoniais –, e sua reparação – que visa a uma compensação e não a um ressarcimento – faz-se pelos mesmos critérios que norteiam a indenização pela morte de filho menor. O fundamento legal para a indenização civil da morte do nascituro é o mesmo para a do já nascido. Na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, os fundamentos legais são os artigos 159 e 1.537 do Código Civil e a Súmula 491 do Supremo Tribunal Federal.

Reconhecidos os direitos do nascituro, resta averiguar como estes serão exercidos. Maria Helena Diniz argumenta sobre o assunto:

O nascituro tem capacidade de direito, mas não de exercício, devendo seus pais ou, na incapacidade ou impossibilidade deles, o curador ao ventre ou ao nascituro zelar pelos seus interesses, tomando medidas processuais em seu favor, administrando os bens que irão pertencer-lhe, se nascer com vida, defendendo em seu nome a posse, resguardando sua parte na herança, aceitando doações ou pondo a salva as suas expectativas de direito. Com o seu nascimento com vida, seus pais assumem o poder familiar; se havia curador ao ventre, cessar-se-ão suas funções, terminando a curatela, nomeando-se um tutor ao nascido.[54]

A defesa dos direitos do nascituro é exercida via representação de sua genitora, salvo no caso desta não deter o poder familiar, ocasião na qual lhe seria dado um curador, nos termos do Código Civil Brasileiro. Esse curador, chamado de curador ao ventre, é a pessoa investida na atribuição de zelar pelos direitos do nascituro.

Por todo o exposto, nota-se um positivo crescimento da teoria concepcionista no âmbito da jurisprudência atual, a qual vem adotando o entendimento de abarcar mais direitos ao não nascido ainda, garantido, por óbvio mais segurança a toda família. Outrossim, nesta linha podemos concluir que, ainda que o texto normativo não reconheça expressamente o nascituro como agente capaz, garante cada vez mais direitos para conhecê-lo como pessoa.

Dessa forma, é perfeitamente possível falar em direitos concretos já garantidos ao nascituro, não apenas em mera expectativa de efetivação com o nascimento com vida. Pode-se dizer assim, que os julgados apresentados abrem caminho para passos significativos, reconhecendo de maneira cada vez mais efetiva a possibilidade de concessão de dano moral em favor do nascituro.

 

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Sobre a autora
Ana Paula Asfor

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará Advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASFOR, Ana Paula. O reconhecimento do dano moral em favor do nascituro: concepções doutrinárias e evolução jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3639, 18 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24741. Acesso em: 2 nov. 2024.

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