A) Introdução:
O presente artigo visa contribuir para o debate acerca de tema relevante no âmbito do Direito Previdenciário atual, qual seja, a possibilidade, ou não, de serem vertidas contribuições ao sistema de previdência social para que seja assegurado aos dependentes do contribuinte individual acesso ao benefício de pensão por morte.
Necessário se faz observar que não existe posicionamento das Cortes Superiores sobre o tema e os Tribunais Regionais Federais divergem sobre o tema, sendo certo que o Tribunal Regional da 4ª Região possui posições antagônicas sobre o tema nas duas Turmas que examinam a questão previdenciária (eg. AC 5004465-72.2011.404.7003; Relator: Desmebargador Celso Kipper; DJ 26.04.2013, AC 014527-32.2010.404.9999; Relator: Desembargador Federal Nefi Cordeiro; AC 5034044-74.2011.404.7000, Desembargador Federal Rogério Favretto; DJ: 18.03.2013; AC 0014160-71.2011.404.9999, Relatora: Juíza Federal Convocada Vivian Josete Pantaleão Caminha; DJ: 12.03.2013).
No âmbito do Tribunal Regional Federal da 5ª Região já firmou entendimento pela inadmissibilidade do procedimento, bem como o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao que consta, também manifesta-se pela ilegalidade do procedimento, assim como a Turma Nacional de Uniformização.
Ainda indicando não ser admissível o recolhimento das contribuições post mortem do contribuinte individual, tem-se o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com alguns casos pontuais de divergência acerca da matéria.
Com relação ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, verifica-se uma plêiade de posicionamentos, ora admitindo, ora inadmitindo a ocorrência da circunstância ora em deslinde.
Ao mesmo tempo, o Superior Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de se posicionar acerca deste tema.
Com o intuito de contribuir para este debate, relativamente recente, necessário que se indique a estrutura básica do sistema de seguridade social, os conceitos de segurado inseridos na dinâmica das leis que regem a proteção previdenciária e o caráter da inscrição para que se possa validamente discutir o tema e se chegar a uma conclusão.
B) A estrutura básica do sistema geral de previdência social
O primeiro elemento a ser observado cinge-se à própria estrutura constitucional do sistema previdenciário.
Nos termos do art. 201, da Constituição Cidadã de 1998, o Sistema Previdenciário foi organizado de forma compulsória, contributiva e sob a forma de regime geral.
O regime geral aponta que a proteção previdenciária constitucionalmente instituída tem a pretensão de abarcar a generalidade de indivíduos que cumpram os requisitos legais, sem que, para tanto os mesmos devam pertencer a um determinado grupo social, em consonância com a ideia de direito social, cuja abrangência é ampla a todos os cidadãos que cumpram determinados requisitos em relação ao sistema.
Ao mesmo tempo, a estrutura de filiação compulsória implica na consideração de que todas as pessoas que estiverem em determinada situação descrita nas normas são alcançadas pelo sistema estarão a ele submetidas, ainda que não inscritas.
Por sua vez, o sistema contributivo implica na constatação que os participantes do sistema devem verter contribuições ao sistema a fim de manter o seu equilíbrio econômico financeiro com vistas a garantir a sua continuidade e que a obtenção de prestações do sistema demanda a efetiva contribuição de seus membros.
No que respeita aos indivíduos que devem integrar o sistema, a Lei Maior não estabelece quem são, sendo certo que nos termos da interpretação constitucional, verifica-se que são todos aqueles que tiverem a obrigação de verter contribuições ao sistema, dentre eles, os trabalhadores, nos exatos limites do disposto no art. 195, inciso II, do Texto Maior.
Portanto, da concepção constitucional do sistema previdenciário de regime geral é possível extrair a compreensão de que os participantes do sistema, excetuados aqueles expressamente autorizados pela Carta da República a não contribuírem e aqueles isentos pela lei ordinária por alguma razão, devem contribuir para o sistema, sob pena de não lhes ser possível obter o benefício, sendo certo que as demais regras acerca do tema devem ser objeto de Legislação infraconstitucional.
Esclareça-se, ainda, que o seguro social tem como premissa o recolhimento das contribuições antes do evento social que enseja a proteção do sistema, como decorre do contrato de seguro, o qual inspirou a implantação do sistema de previdência social, eis que a proteção somente pode ocorrer a partir do momento em que são preenchidos os pré-requisitos determinados pelo Sistema de Proteção Social.
B)O duplo sentido do conceito de segurado:
O segundo elemento a ser verificado decorre das disposições constitucionais e, remete a verificação de quem é o indivíduo que será beneficiado com a possível prestação do Estado e que, consequentemente, deverá contribuir para o sistema, ou seja, o segurado, para ser utilizada a nomenclatura da Lei 8.212\91, denominada Lei de Custeio, e da Lei 8.213\91, denominada Lei de Benefícios.
Necessário ainda observar que a palavra segurado possui pelo menos dois significados distintos no âmbito das Leis 8.212\91 e 8.213\91.
O art. 12, da Lei 8.212\91 e o art. 11, da Lei 8.213\91, tratam das pessoas que são filiados compulsoriamente ao sistema, ou seja, pessoas que são protegidas pelo sistema e tem a obrigação de promover a respectiva contribuição, além de apontar a existência de pessoas que podem se filiar ao sistema de modo não compulsório.
Cuidam os citados dispositivos daqueles que integram o regime geral de previdência, obrigatoriamente, indicando qual a sua qualificação junto ao sistema e o respectivo regime e a forma como deverá contribuir para o sistema.
Entretanto, o conceito de segurado possui uma segunda acepção que se faz necessário apontar e que remete à observação deste sob a ótica do sistema contributivo que mantém o sistema.
O efetivo segurado é aquele que exerce atividade laboral e, além deste fato, por força do comando constitucional, promove a contribuição ao sistema previdenciário de fato, ressalvadas as exceções constitucionais e as normas previstas na Lei 8.213\91 em relação aos segurados especiais.
Esta sistemática decorre da própria necessidade de contribuição dos participantes do sistema e da própria possibilidade de tais pessoas perderem a qualidade de segurado no caso de não serem vertidas contribuições após o decurso do prazo indicado no art. 15, da Lei 8.213\91, restando apontada a possibilidade de perda da qualidade de segurado.
Portanto, o segurado pode ser compreendido sob duas formas distintas.
A primeira refere-se àqueles que devem ser considerados os pretensos segurados, os quais na forma do Texto Constitucional podem integrar o sistema
Já a segunda, remete àqueles que não só são indicados como potenciais segurados pelas Leis de regência como também efetivamente promovem os atos de contribuição ao sistema, salvo quando expressamente autorizada a dispensa da contribuição pelo texto legal.
A distinção de ambos os conceitos de uma mesma expressão passa pela compreensão da efetiva inscrição do segurado junto ao Sistema, cuja forma encontra-se indicada no art. 17 da Lei 8.213\91 com os esclarecimentos contidos junto ao Regulamento no que tange aos procedimentos burocráticos.
Nestas considerações, serão utilizados de forma a serem distinguíveis, o primeiro conceito como segurado e o segundo como segurado efetivo.
C)Da inscrição junto ao sistema geral de previdência social:
A inscrição junto ao sistema previdenciário é usualmente relegada, pela doutrina, como mero ato formal de inserção do segurado propriamente dito junto ao sistema.
Com a devida vênia à doutrina que se formou sobre o tema, a inscrição é elemento de suma importância, uma vez que se cuida de ato pelo qual o segurado efetivo comprova que se encontra dentro de uma das situações em que se admite o indivíduo como segurado, sendo certo que uma vez promovido o cadastramento, a eventual modificação deve ser comunicada à Autarquia Previdenciária, com vistas a manutenção da fidedignidade do histórico da relação jurídica entre as partes.
Cinge-se à verdadeira comprovação da filiação em alguma das espécies de segurado e, ainda, quando já exista a sua inscrição, a sua reativação com o apontamento de nova atividade laboral possui viés semelhante e é considerado no presente caso como verdadeira inscrição.
Este elemento é de grande importância a fim de que a autarquia previdenciária possa verificar a qualidade do segurado efetivo, se facultativo ou obrigatório e remete a verdadeira comprovação da filiação do indivíduo ao sistema previdenciário.
A inscrição póstuma de segurado não pode ser negada em todas as situações, uma vez que existem algumas circunstâncias em que o segurado não consegue promover a sua devida inscrição, mas encontra-se filiado ao sistema, como pode ocorrer quando verificado o óbito do indivíduo filiado antes da realização do cadastramento, em poucos dias de trabalho, e o pagamento da primeira contribuição ao sistema, bem como circunstâncias em que se vislumbre ser a contribuição devida por atividade anterior realizada pelo segurado e cujo recolhimento não ocorreu ao tempo e modo devido, por ação do responsável tributário, a qual não pode prejudicar o direito do segurado.
Contudo, no que respeita ao contribuinte individual a sua inscrição ou reativação da inscrição se faz com o adimplemento das contribuintes ao sistema, além da atualização cadastral.
D)Da possibilidade de recolhimento das contribuições não vertidas ao tempo e modo pelo contribuinte individual, com a sua inscrição póstuma:
Diante dos pressupostos lançados a questão que se impõe é saber se os herdeiros podem recolher as contribuições anteriores ao óbito do segurado contribuinte individual como forma de apontar a sua condição de segurado ao tempo do óbito, habilitando a sua inscrição, e, com isso fazerem jus ao benefício de pensão por morte.
Com efeito, o recolhimento das contribuições pelo segurado contribuinte individual são de sua própria responsabilidade, nos termos do art. 30, inciso II, da Lei 8.213\91 e se não o faz ao tempo e modo devido, não é possível que os dependentes procedam ao recolhimento extemporâneo da contribuição ao sistema, sob pena de benefício de dependentes do segurado da própria ação do mesmo contrária ao direito , sob pena de ser violado o preceito básico de que ninguém pode se beneficiar de atos próprios realizados em desconformidade ao direito (nemo potest venire contra factum proprium).
Se o indivíduo, quando vivo, optou por não recolher contribuições ao sistema, e não obteve ou perdeu a qualidade de segurado efetivo por ato próprio , não podem os seus dependentes, aproveitando-se de ato realizado pelo indivíduo contrário ao direito, pretender a sua inscrição póstuma com o recolhimento em momento posterior das contribuições devidas.
Pode-se arguir que os dependentes não podem ser prejudicados por ato do de cujus.
Contudo, tal ponderação não merece acolhimento, porque o direito previdenciário pretendido decorre de fato do próprio segurado ter cumprido a sua obrigação, qual seja, ter promovido o recolhimento das contribuições permanecendo como segurado efetivo.
Por estar o ato dos herdeiros vinculado a atuação do segurado aplica-se a eles também a impossibilidade de agirem de modo distinto do instituidor que, por vontade própria, não pretende ser segurado efetivo.
A impossibilidade de ser admitido comportamento contraditório é ínsito à segurança jurídica que se espera do direito e está inserida como pressuposto de qualquer ordenamento jurídico.
Ao mesmo tempo, o recolhimento de contribuições que cabiam ao próprio segurado após o sinistro social enseja a própria inversão da consideração do seguro social contributivo, quando então o indivíduo deve ser segurado efetivo, ou seja contribuinte, em momento anterior ao evento que enseja a proteção social, o que não é o caso dos autos.
Não impressiona o argumento de que é possível o recolhimento de indenização extemporânea na forma prevista no art. 45-A, §1º, da Lei 8.213\91, especialmente porque o pressuposto para tal aplicação é de que o indivíduo já seja segurado efetivo ao sistema e o evento ainda não tenha ocorrido.
Necessário ainda ponderar que a indicação do art. 45, §1º, da Lei 8.213\91 não pode mais servir como arrimo ao argumento da possibilidade de contribuição extemporânea, posto que já revogado, sendo certo que a inconstitucionalidade do dispositivo era latente ao exigir-se o recolhimento da contribuição a qualquer tempo, uma vez que contrária ao postulado relativo a prescrição tributária, nos termos da Súmula Vinculante n. 8, que estabelece o prazo quinquenal para a cobrança das contribuições pprevidenciárias.
Anote-se, ainda, que esta interpretação viola o princípio básico do sistema contributivo ao permitir que a a contribuição ocorra após a ocorrência o sinistro.
Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. INSCRIÇÃO POST MORTEM. REGULARIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇOES PELO CÔNJUGE SOBREVIVENTE PARA RECEBIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO INDEVIDO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Apesar do trabalhador autônomo ser segurado obrigatório da Regime Geral da Previdência Social, a concessão do benefício de pensão por morte a seus dependentes, depende do regular recolhimento das contribuições pelo próprio segurado, em vida, conforme previsto no artigo 30, inciso II, da Lei 8.212/91, caso contrário, os recolhimentos ocorreriam após o próprio sinistro , em subversão ao sistema securitário, comprometendo o próprio equilíbrio atuarial, tendo em vista, inclusive a questão da carência no evento morte dentro do sistema previdenciário. 2. Portanto, não se afigura possível a concessão do benefício de pensão por morte ao cônjuge do segurado falecido, como contribuinte individual que não efetuou o recolhimento das contribuições respectivas à época, não havendo suporte legal para a denominada inscrição post mortem ou para que sejam vertidas as contribuições pretéritas, também após o evento morte, mesmo com seus acréscimos, quando não tiverem sido recolhidas antes do sinistro, coberto pelo benefício buscado. 3. Incidente conhecido e não provido
(PEDIDO 200870950025150, JUÍZA FEDERAL ROSANA NOYA WEIBEL KAUFMANN, DOU 08/04/2011 SEÇÃO 1.)EMENTA PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INSCRIÇÃO POST MORTEM. REGULARIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES APÓS O ÓBITO. IMPOSSIBILIDADE. I ¿ O contribuinte individual está obrigado a recolher a contribuição aos cofres da previdência por iniciativa própria, sendo certo que a qualidade de segurado decorre exclusivamente, no caso dos citados contribuintes individuais, da prova do recolhimento das referidas contribuições previdenciárias nos moldes do art. 30, II da Lei 8.212/91. II - O simples exercício da atividade remunerada não mantém a qualidade de segurado do de cujus, sendo necessário, no caso, o efetivo recolhimento das contribuições respectivas pelo próprio segurado quando em vida para que seus dependentes façam jus ao benefício de pensão por morte. III - Não é possível a concessão do benefício de pensão por morte aos dependentes do segurado falecido, contribuinte individual, que não efetuou o recolhimento das contribuições respectivas à época, não havendo amparo legal para a dita inscrição post mortem ou para que sejam descontadas as contribuições pretéritas, não recolhidas pelo de cujus, do benefício da pensão por morte percebido pelos herdeiros.
(PEDILEF 200572950133107, JUIZ FEDERAL MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS SANTOS, TNU - Turma Nacional de Uniformização, DJU 21/05/2007.)
E) Conclusão:
Por estes motivos, dada a relevância do tema para o equilíbrio do sistema previdenciário, imperioso que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal sejam provocados a decidir acerca deste tema, quando então espera-se que a situação seja sedimentada em favor da consideração do procedimento da obtenção de benefício previdenciário post mortem por dependentes do segurado contribuinte individual que não estava no período de graça ou não contribuía para o sistema, não seja considerado ou ao menos que as ponderações ora em comento sejam resolvidas e enfrentadas de modo a justificar a adoção de posicionamento diverso.
Caberá ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal a pacificação do tema