Resumo: O presente trabalho aborda a responsabilização administrativa por infrações ambientais. Resultante do texto constitucional, o sistema de responsabilização por danos ambientais contempla a esfera administrativa. Essa instância assemelha-se à responsabilidade civil por acatar a natureza objetiva e a inversão do ônus da prova. No entanto, guarda similaridades também com a responsabilidade penal, por se inserir no direito sancionador. Apresenta-se o fundamento legislativo e os decretos que regulamentaram o tema.
Palavras-chave: Direito Ambiental. Responsabilização administrativa. Decreto n. 6.514/2008.
1. INTRODUÇÃO
A relevância do tema ambiental na atualidade restou demonstrada no tratamento constitucional dado à matéria. O direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi contemplado no art. 225 da Constituição Federal e figura como direito difuso fundamental, de 3ª geração[1]. A Carta Constitucional preceitua a tríplice responsabilização por lesões ao meio ambiente, nas esferas penal, civil e administrativa[2]. No presente trabalho, será abordada a responsabilização por infrações administrativas ambientais.
2.RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
A tutela administrativa do meio ambiente justifica-se por ser o meio ambiente bem de uso comum do povo, que influencia a vida em todas as suas formas. Disso decorre o poder de polícia que a Administração exerce sobre as atividades ou omissões que repercutam no meio ambiente, com vistas à consecução do interesse público[3]. A investigação de supostas infrações e a aplicação de sanções administrativas figuram entre as expressões do poder de polícia conferido ao Poder Público em matéria ambiental.
O art. 23 da Constituição Federal confere competência administrativa comum para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”. No mesmo sentido, a Carta Constitucional estabelece a competência concorrente para legislar sobre a proteção do meio ambiente[4].
A responsabilidade administrativa ambiental restou originariamente contemplada na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), que capitulou, de forma genérica, algumas sanções administrativas no art. 14. Contudo, não havia sistematização de normas e tampouco uma tipificação das infrações administrativas.
Quanto à natureza da responsabilidade e os requisitos de sua imputação, a maioria da doutrina se inclina no sentido de que é ela objetiva, prescindindo da demonstração de culpa ou dolo[5]. No entanto, diferentemente da responsabilidade civil, admitem-se as excludentes de responsabilidade como fato de terceiro, caso fortuito ou força maior[6]. Ademais, norteiam a aplicação da responsabilidade administrativa os princípios da presunção de legitimidade dos atos administrativos e da inversão do ônus da prova[7]. Este último não dispensa a instrução processual que, dada a matéria envolvida, em algumas situações de difícil imputação de autoria, se socorre da prova testemunhal, de documentos e de indícios.
3. Lei n. 9.605/98
A Constituição Federal confirmou a responsabilidade administrativa como consectário das condutas lesivas ao meio ambiente. Posteriormente, foi editada a Lei n. 9.605/98 que preencheu o ordenamento jurídico com o trato da matéria no âmbito penal e administrativo[8]. Assim é que a Lei n. 9.605/98 estabelece nos artigos 70 e seguintes os fundamentos legais para a imputação da responsabilidade administrativa, atendendo ao princípio da legalidade.
A Lei da Natureza cuidou de conceituar as infrações administrativas como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” e com isso relegou a outras normas o estabelecimento das regras de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
No §1º do art. 70, a Lei n. 9.605/98 preceituou a competência para efetivo exercício do poder de polícia repressivo:
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
É comum o questionamento quanto à competência dos técnicos e analistas ambientais dos quadros do IBAMA e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade para lavrar autos de infração e deflagrar o procedimento administrativo ambiental. A dúvida, contudo, resta superada pelo disposto na Lei n. 10.410/2002 que especifica as funções a serem desempenhadas pelos agentes e nelas inclui a atividade de fiscalização, regulação e controle. Com relação aos técnicos, reporta-se a Lei à necessidade de que o agente seja contemplado em ato interno de designação (portaria, ordem de serviço) para fiscalizar. Por fim, para estancar qualquer controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça proveu Recurso Especial interposto pelo IBAMA no sentido de reconhecer aos técnicos e analistas ambientais a competência para exercer atividades de fiscalização e, com isso, dar ensejo à deflagração de processo administrativo ambiental (RESP 1.057.292/PR, publicado no DJe em 18 de agosto de 2008).
Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade em 2007[9], repartiu-se a competência federal para exercício do poder de polícia. Ao ICMBio coube a fiscalização e cominação de sanções nas unidades de conservação e nas suas zonas de amortecimento[10]. Ao IBAMA coube a competência originária residual para as condutas praticadas nas demais localidades e a competência supletiva para exercer a fiscalização repressora nas unidades de conservação e sua zona de amortecimento.
O art. 71 da Lei da Natureza cuida de estabelecer alguns parâmetros para o procedimento administrativo ambiental e trata de prazos para o administrado exercer seu direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como o prazo para exercício do direito ao segundo grau. Em ambas as situações, o prazo é de vinte dias e o termo inicial é a data da ciência da lavratura do auto de infração e da ciência da decisão de primeira instância, respectivamente. O prazo estipulado no iniciso II, de trinta dias para julgamento do auto de infração, é dirigido ao Poder Público e figura como prazo impróprio, ou seja, o seu descumprimento não importa em nenhuma sanção[11].
O art. 72 da Lei n. 9.605/98 elenca as sanções aplicáveis às infrações administrativas. Nos artigos seguintes, especifica a cominação das sanções e estabelece critérios para sua aplicação. Importa notar que a Lei esclarece que se o autuado cometer duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas cumulativamente as sanções referentes a cada uma delas.
O autuado rotineiramente argumenta, em sua defesa, com espeque nos §§2º e 3º do art. 72, que a sanção pecuniária somente poderia ser indicada posteriormente à sanção de advertência. O raciocínio, contudo, não se sustenta. Referidos dispositivo em nenhum momento condicionam a aplicação da pena de multa à prévia advertência. O §3º se limita a estabelecer que, sempre que o infrator já houver sido advertido anteriormente e, apesar disso, reiterar a prática ilícita, deve ser aplicada a multa simples. Observe-se que a norma não estabelece que apenas nessa hipótese é cabível a multa. Condiciona, tão somente, que tal consequência ocorrerá sempre que se verificar a reincidência, mas não apenas nesse caso. Em relação às infrações administrativas, não se aplica o princípio da legalidade em acepção tão estrita como no direito penal[12]. Basta que a lei preveja determinada sanção, não havendo necessidade de que estejam previamente arroladas todas as condutas que podem dar ensejo à sua aplicação.
Tendo em vista a competência comum para o exercício do poder de polícia ambiental, a Lei n. 9.605/98 demonstra preocupação com a possibilidade de mais de um ente cominar sanções por uma mesma conduta infracional. Desta feita, a fim de afastar o bis in idem, estabelece que o pagamento da multa administrativa imposta pelo Estado ou Município substitui a multa indicada pelo órgão federal (art. 76). Perceba-se que a norma trata do pagamento e não da simples autuação conjunta. Oportuno registrar que a celebração de termos de compromisso de ajustamento de conduta ou outra forma de regularização do dano ambiental junto ao órgão ambiental estadual ou municipal não tem o condão de afastar a multa aplicada pelo órgão federal. O dispositivo dá ensejo a diversas controvérsias, uma vez que a valoração da gravidade da infração pode ser exercida de forma muito diferente pelos entes e se verifica, não raramente, que o dispositivo é utilizado como meio de burlar a submissão às multas federais que são, em regra, mais elevadas que aquela indicada pelos demais entes.
4. Decretos n. 3.179/99 e n. 6.514/2008
O simples advento da Lei n. 9.605/98 não permitiu o pleno exercício do poder de polícia ambiental repressivo por parte dos entes da federação. Inicialmente, as condutas infracionais eram especificamente tipificadas em diversos atos esparsos, inclusive instruções normativas e portarias internas dos órgãos ambientais. Nessa oportunidade, o Poder Judiciário firmou o entendimento que referidos atos não eram dotados de representatividade e, portanto, não figuravam como instrumento adequado para tipificar infrações e especificar sanções administrativas.
Em face desse posicionamento, foi editado o Decreto n. 3.179, de 21 de setembro de 1999, que foi o primeiro diploma normativo federal adequado para descrever as infrações administrativas ambientais e especificar a sanção adequada a cada caso. Referida norma cuidou de descrever as condutas consideradas infrações administrativas e de especificar a sanção pecuniária, seja em um valor fechado, seja indicando piso e teto entre os quais poderia variar a sanção. No entanto, não excluiu a possibilidade de cumular a multa com as outras sanções já previstas na Lei n. 9.605/98, atividade que caberia ao juízo de discricionariedade, necessidade e proporcionalidade da autoridade competente.
Repise-se que o fundamento legal da tipificação administrativa é a Lei n. 9.605/98. O decreto disciplina, com maiores detalhes, mandamentos contidos em leis, de forma a possibilitar a sua aplicação prática, razão pela qual não subsiste o argumento de ofensa ao princípio da reserva legal de veicular em decreto infrações e sanções administrativas. O decreto, no que tipifica as infrações ambientais é da espécie regulamentar, referido ao art. 80 da Lei n. 9.605/98 e em fonte de validade no art. 84, IV da Constituição Federal. Referido entendimento já restou consolidado na jurisprudência pátria que definiu ser o Decreto n. 3.179/99 instrumento idôneo a regulamentar a Lei n. 9.605/98 e a detalhar as infrações administrativas ambientais e especificar, com fundamento na lei, suas sanções (REsp. 1080613/PR, publicado no Dje de 10/08/2009).
Visando a aprimorar o ordenamento jurídico referido à tutela do meio ambiente, em julho de 2008 foi editado o Decreto n. 6.514 que substituiu e revogou o Decreto n. 3.179/99. O arcabouço, contudo, permaneceu praticamente o mesmo, tendo em vista que haure sua legalidade do mesmo diploma legal, qual seja, a Lei n. 9.605/98. O Decreto n. 6.514/2008 estendeu o rol de infrações ambientais, adequou a valoração da sanção pecuniária a alguns tipos penais e melhor detalhou o procedimento administrativo.
Por fim, oportuno registrar que o procedimento e aplicação do Decreto n. 6.514/2008 foram disciplinados, no âmbito do IBAMA, na Instrução Normativa n. 10/2012, a qual substituiu a então Instrução Normativa nº 14/09. No âmbito do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, pela Instrução Normativa n. 6/2009.
5. CONCLUSÃO
A responsabilidade imposta aos infratores ambientais por descumprimento das normas administrativas ambientais resulta do poder de polícia ambiental. É um mecanismo que congrega as finalidades educacional e punitiva, como instrumento para evitar ou, ao menos, diminuir a ocorrência de infrações ambientais.
A Administração deve ser dotada de pessoal competente para proceder à fiscalização ambiental e, mais que isso, processar os autos de infração para que atinjam sua finalidade precípua que é a de executar a sanção aplicada e prevenir infrações ambientais.
BIBLIOGRAFIA
FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. 4ª Ed. Curitiba: Juruá, 2010. P. 129.
JURAS, Ilidia da Ascenção Garrido Martins. Breves comentários sobre a base constitucional da proteção da biodiversidade. In: GANEM, Roseli Senna (Org.). Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2011. p.131.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P.306-307.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco; doutrina, jurisprudência, glossário. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 213.
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 9-13 e MILARÉ, Édis. Op. Cit. 1149 e 1156.
Notas
[1] JURAS, Ilidia da Ascenção Garrido Martins. Breves comentários sobre a base constitucional da proteção da biodiversidade. In: GANEM, Roseli Senna (Org.). Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2011. p.131.
[2] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco; doutrina, jurisprudência, glossário. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 213.
[3] Ibidem. p. 1132-1133.
[4]Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
[5] FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. 4ª Ed. Curitiba: Juruá, 2010. P. 129.
[6] OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 9-13 e MILARÉ, Édis. Op. Cit. 1149 e 1156.
[7] MILARÉ, Édis. Op. Cit. P. 1137-1138 e 1155.
[8] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P.306-307.
[9] Medida Provisória nº 366, convertida na Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007.
[10] Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007. Art. 1o Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
(...)
IV - exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e
[11] MILARÉ, Édis. Op. Cit. P. 1224.
[12] Ibidem. p. 1151.