1) Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988, seguindo uma tradição republicana que teve como marco inicial a Carta Magna de 1891, adotou a forma federal de organização estatal, caracterizada, principalmente, por não possuir um único foco de poder como ocorre nos Estados Unitários. No federalismo o que existe é uma distribuição Constitucional de competências – parcelas do poder – entre dois pólos: a União (Centro) e os Estados-Membros (Periferia)[1].
A Assembléia Nacional Constituinte, meio pelo qual se manifestou o Poder Constituinte Originário em 1988, reconhecendo a adequação da forma federal à realidade do Estado Brasileiro, além de adotá-lo, impossibilitou o Poder Constituinte Decorrente de tomar qualquer medida que tendesse a aboli-la, conforme enunciado no art. 60, §4°, I. O limite material imposto ao Poder de Reforma é bastante coerente com o intuito de uma Constituição que traz, em seu Preâmbulo, a intenção de instituir um Estado Democrático de Direito. É de fácil percepção na história constitucional brasileira, que os períodos de maior autoritarismo se confundem com o predomínio da centralização política e do desrespeito a autonomia dos Estados-Membros, principalmente através de Intervenções Federais.
Sem embargo, embora a Constituição Brasileira tenha dado um valor elevado à preservação do Estado Federal, não é novidade tanto no universo do Direito Constitucional como no campo da Ciência Política, que o Estado Federal Brasileiro possui uma tendência centrípeta, ou seja, uma vocação em concentrar grande parte das competências no âmbito central, desta vocação não fugiu a Carta Constitucional de 1988. Em comprovação, é suficiente a leitura do inciso I do art. 22, que trata das competências privativas da União.
Esta inclinação à centralização é resultado, dentre outros fatores, da imposição da forma federativa desenvolvida nos Estados Unidos da América como construção moldada pelas necessidades específicas daquele Estado, tanto que o texto da Constituição de 1891 já foi caracterizado como a cópia da Constituição Americana (SILVA, 1994, p. 80). Hodiernamente, continua sensível a tendência centrípeta do Estado Brasileiro. Um exemplo é a repartição manifestamente desigual de competências tributárias e a criação de órgãos centralizadores como o Conselho Nacional de Justiça, órgão que exerce, dentre outras funções, o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário como um todo, incluindo os dos Estados-Membros, em claro desprestígio a sua autonomia.
De toda sorte, a vontade da Assembléia Constituinte foi clara: o Estado Brasileiro obedece ao paradigma federal (art. 1°) e não há a possibilidade de se tomar medida que tenda a abolir ou enfraquecer este modelo, na vigência da Carta de 1988. Desta forma, faz-se mister ao cumprimento dos dispositivos constitucionais, o estabelecimento, por parte da doutrina, das características do Estado Federal Brasileiro, com o propósito maior de informar aos aplicadores do Direito a forma como a Federação foi estruturada pela Constituição para que, consequentemente, se identifique todos os desdobramentos do Estado Federal, possibilitando assentar o alcance do limite material imposto no art. 60, §4°, I da Constituição da República Federativa do Brasil.
2) A Essência do Federalismo
A utilização do termo federalismo no universo dos manuais jurídicos e em alguns trabalhos científicos se faz de tal forma que o seu significado se restringe à forma de estado adotada nos chamados Estados Federais, ou para ser mais específico, a doutrina do Estado Federal. Porém, como não é novidade entre os especialistas e estudiosos no tema, o vocábulo federalismo possui uma acepção bem mais abrangente comparada à expressão designativa da forma estatal complexa que seria apenas um modo de realização do federalismo, a mais importante, sem dúvida, ao Direito.
O termo Federalismo decorre do latim foederale, derivada da palavra foedus, que significa união ou acordo. Este termo, em sua acepção de base, conforme ressaltou Sventomir Skaric, “denota várias formas de livre associação de um vasto número de elementos de diferentes naturezas, assim como: estados, regiões, partidos políticos, sociedades econômicas e associações civis” (1998, p. 148, tradução nossa).
Esta acepção ampla que confunde federalismo com a união de elementos é claramente vista no modo como se estrutura algumas instituições, por exemplo, nas sociedades empresárias onde existem o estabelecimento central e as filiais regionais, que em alguns casos possuem uma autonomia considerável com competências próprias dispostas no estatuto. A divisão de competências e a descentralização são características marcantes do modelo federal.
Nesta linha, que nitidamente transborda o tradicional corte kelseniano do direito, o federalismo seria uma doutrina social, isto pela possibilidade de se aplicar dito plexo teórico em várias estruturas sociais. Dentre as estruturas sociais que adotam a doutrina federalista, há o direito, e uma das formas de associações englobada no campo de estudo do federalismo em seu sentido amplo de doutrina social é a associação entre estados. Sem dúvida, há um substrato social nas sociedades onde observa-se o fenômeno do Estado Federal, neste caso o importante papel desta doutrina social é analisar, estudar, solidificar este substrato.
A existência de um paradigma organizacional federalista em alguns setores nos Estados Federais é fator importantíssimo, quiçá até imprescindível para a solidificação desta forma de estado. Por exemplo, a existência de diretórios estaduais e municipais com competências próprias, paralelamente à executiva nacional, na organização dos partidos políticos. Caso os diretórios regionais ou estaduais dos partidos políticos tivessem autonomia para indicar os candidatos a senadores dos Estados-Membros, o princípio federativo sairia fortalecido, pois o Senado é o órgão que representa a vontade dos Estados-Membros no poder central, segundo Baracho um elemento de uma “união verdadeiramente federal” (1986, p. 48). Em conclusão, a indicação de um candidato a senador pela executiva nacional de determinado partido, não chega a descaracterizar o Estado Federal, mas, seguramente, o enfraqueceria em termos de realidade social.
Posto os significados do termo federalismo, cabe a seguinte pergunta: qual é a essência do federalismo?
Entende-se por essência os elementos fundamentais, não os acidentais ou passageiros, que determinam a natureza do ser. São idéias que ao serem constatadas na realidade de determinado objeto definem a sua natureza, ou seja, o que ele é.
O surgimento do primeiro Estado Federal se deu nos Estados Unidos da América com a Constituição de 1787, esta Carta Magna foi o marco de um movimento político iniciado com a independência das treze colônias britânicas na América do Norte. Estes novos Estados Soberanos se viram obrigados a estabelecer uma união por diversos motivos, o principal: garantir a sua independência recém conquistada, defendendo-se das ameaças externas. Porém, a aceitação da União como centro de poder paralelo aos Estados-Membros não seduziu as lideranças políticas regionais com tanta facilidade, havendo bastante receio por parte de alguns antifederalistas sobre quais poderes deveriam ser concedidos à esfera federal, nesta situação havia o medo da perda de poderes pelas elites locais e o medo de transformar o Estado em interventor na economia desrespeitando o dogma liberal vigente à época (ARAÚJO, 2001, p. 43).
Esta primeira experiência federal é denominada de Federalismo Dual e tem como principal característica o fato das competências terem sido rigidamente distribuídas entre centro e periferia, sendo os poderes enumerados para a União (Centro) e reservados para os Estados-Membros (Periferia). Era como se existisse uma barreira intransponível entre as duas esferas de poder.
Este paradigma de Estado Federal – já não o único, pois existe o modelo do federalismo cooperativo, onde há competências privativas, comuns e concorrentes – é bastante útil para se visualizar o clássico conceito produzido por Manuel García-Pelayo que descreve a essência do federalismo como “la unidad dialéctica de las tendencias contradictorias: la tendencia a la unidad y la tendencia a la diversidad” (1984, p. 218).
Os debates ocorridos nas Convenções pré-constitucionais, em especial a da Filadélfia é um fato que expressa na prática a dialética das tendências contraditórias. Da mesma forma que se queria garantir um grande poder aos Estados-Membros para que cada um mantivesse a sua autonomia, se desejava o estabelecimento de uma União, para a formação de um só estado.
A essência do federalismo é, ao nosso ver, a unidade dialética que descreveu com perfeição García-Pelayo. Porém, existem Estados criados ou reestruturados mais recentemente, onde a forma federal foi utilizada ou onde se propõe a utilização desta não só com o intuito de unir o diverso, mas com outros objetivos, por exemplo o federalismo como instrumento que, através da descentralização de um Estado Unitário, objetivaria promover uma maior democratização ou uma divisão de responsabilidades entre os focos de poder, acomodando-os (ARAÚJO, 2001.).
Um exemplo da possibilidade de utilização do federalismo como instrumento para a democratização do Estado é o debate que ainda ocorre na República da Macedônia, estado reconhecido pela ONU com o nome de Fyron, sobre qual forma de estado esta nação deveria moldar-se para acomodar uma população tão diversa. As diversas minorias que compõem a população – aproximadamente 30% da população total – deste país clamam pelo poder de reger o seu destino e a sua terra, porém o cenário mundial indica a inviabilidade de uma ruptura sustentável e a necessidade da união.
A discussão, ainda no nível doutrinário na República da Macedônia, também foi elaborada na Bélgica e teve por final a transformação deste Estado num Estado Federal em 1993, onde foi explicitamente posta na Constituição a lealdade federal com a finalidade de prevenir e solucionar o choque de interesses entre o governo federal de um lado e as comunidades lingüísticas do outro (SKARIC, 1998, p. 150).
No primeiro exemplo, nota-se que os partidários da instauração de um Estado Federal na República da Macedônia objetivam com esta reestruturação uma maior democratização daquele Estado, observando-se as prerrogativas almejadas pelas minorias – albaneses, turcos, etc. – que hoje se submetem ao poder da maioria.
No caso Belga, diferentemente, já se observa a existência de um sentimento democrático mais amadurecido, portanto o federalismo neste Estado teria por escopo principal a divisão de responsabilidades entre focos de poder do que uma forma de democratizar a sociedade belga. Esta divisão de competências foi mister para a manutenção da unidade do país harmonizando as diversas comunidades lingüísticas que clamavam por mais autonomia.
Então a pergunta volta à tona: seria realmente o conceito dado pelo ilustre Professor García-Pelayo adequado para descrever a essência do federalismo?
Como já dito, a essência é algo fundamental que deve caracterizar o ser que se observa, portanto o fato do federalismo ter sido utilizado por algumas sociedades como um instrumento objetivando a democracia ou a repartição de responsabilidades não possui autoridade para alterar-lhe sua essência, mas apenas para acrescentar uma peculiaridade a um caso específico. Tanto na experiência belga como na especulação dos estudiosos da República da Macedônia o conceito aqui defendido se enquadra com perfeição, pois em ambas existe um diálogo entre as duas tendências: unidade e diversidade.
Em conclusão, a essência do federalismo não está no objetivo que justificou a sua instauração em determinado estado, não é apenas um instrumento de defesa da unidade territorial, ou de democratização, ou de repartição de responsabilidades. Ele pode ser utilizado para estes e outros escopos diversos, porém será sempre necessário existir a unidade dialética, em que de um lado estará a união e do outro a diversidade. Não poderá haver apenas a união, pois geraria um estado unitário ou uma empresa centralizada, do mesmo modo em que não poderia haver só diversidade, pois encontraríamos uma cooperação entre associações civis ou estados soberanos confederados. Ao cabo, a união e a diversidade são essenciais ao Federalismo, cada uma em certa dosagem, a depender da estrutura social e dos desígnios daquela sociedade.
3) Características do Estado Federal.
A doutrina, ao tratar das formas de estado, construiu uma classificação complexa que busca abraçar todas as formas adotadas pelos Estados existentes no orbe terrestre. Nos extremos desta classificação estão: o Estado Unitário, como o tipo estatal com maior grau possível de centralização, e o Estado Federal, onde a descentralização encontra-se no ápice.
O Estado Unitário pode ser encontrado em três formas diferentes, classificadas pelo seu grau de concentração/desconcentração: o Estado Unitário Simples, onde todo o poder está em um só centro e praticamente não há divisão de funções; o Estado Unitário Desconcentrado, neste tipo estatal existe uma divisão com finalidade meramente administrativa subordinada ao poder central; e o Estado Unitário Desconcentrado, onde o grau de descentralização é maior, havendo distribuição de competências, inclusive legislativas, mediante leis que serão exercidas sem a intervenção, em regra, do poder central.
No meio termo entre o Estado Unitário e o Estado Federal se encontra o Estado Regional (Itália) ou o Estado Autonômico (Espanha). Como bem esclarece Svetomir Skaric, o Estado Regional ou Autonômico são formados por regiões onde há razões históricas, étnicas, lingüísticas, geográficas ou econômicas para que seja reconhecida a estas uma condição mais descentralizada se comparada aos Estados Unitários e mais centralizada se comparada ao Estado-Membro no Federalismo. (1998, p. 153)
Como forma da mais ampla descentralização está o Estado Federal. A conceituação desta formação complexa de Estado já foi desenvolvida em várias perspectivas, desde a que o confunde com uma Confederação (Calhoun, Seydel), negando realidade jurídica ao Estado Federal, como a que afirma a inexistência de Estados-Membros afirmando ser o Estado Federal um Estado Unitário Desconcentrado (Zorn, Treitshke). (GARCÍA-PELAYO, 1984, p. 222)
Em verdade, nenhuma das teorias citadas conceitua satisfatoriamente o Estado Federal, pois este difere claramente da Confederação pelo simples fato de existir como Estado único e ser soberano; e também não se trata de um Estado Unitário, pois, dentre outros fatores, as competências estão distribuídas na Constituição Federal, o que torna os Estados-Membros autônomos, capazes de se auto-organizarem, inclusive possuindo uma Constituição própria, não dependendo do poder central no estabelecimento das suas prerrogativas.
Portanto, tem-se por Estado Federal a forma de organização estatal onde existem, ao menos, duas esferas de poder: uma nos Estados-Membros e a outra na União, cada uma dessas esferas com competências estabelecidas na Constituição Federal.
Constatada a existência dessas diversas formas de estado, nota-se com facilidade a importância de se estabelecer uma caracterização detalhada do Estado Federal para que desta forma se estabeleça um conceito analítico de Estado Federal, evitando que este se confunda com outras formas de descentralização. A simples adoção do nome de Estado Federal na Carta Constitucional de determinado estado, embora importante na sua identificação, não irá, por si só, definir o modelo efetivamente adotado por este.
A caracterização pretendida neste item não tem por fim caracterizar a República Federativa do Brasil, nem nenhum outro Estado Federal em particular, o objetivo que aqui se busca é descrever as características sem as quais um estado não poderia ser chamado de federal, ou seja, os critérios fundamentais desta classificação.
O primeiro elemento de um Estado Federal é a existência de “uma repartição das competências estatais em, ao menos, duas espécies de órgãos superpostos: uns situam-se em nível de Estado-Membro e os outros a nível de Federação.” (JEANNEAU apud BARACHO, 1986, p. 46).
Esta divisão de competências em duas esferas é a principal característica do modelo federal, desta separação se fundamenta a idéia de que o Estado Federal é um modelo complexo de organização estatal que se diferencia de qualquer outra forma de estado, pois na própria Constituição Federal estará previsto esta repartição, com poderes, em regra, enumerados atribuídos à União e os remanescentes ficando a cargo dos Estados-Membros.
Além desta divisão constitucional de competências, a capacidade dos Estados-Membros de produzir suas próprias normas, possuindo os seus governantes, eleitos por sua população, ou seja, a autonomia dos Estados-Membros também é característica fundamental do Estado Federal (HORTA apud BARACHO, 1986, p.49).
Uma terceira característica essencial para um verdadeiro Estado Federal é a participação das vontades parciais na vontade central. Esta participação pode ocorrer através da existência de uma Câmara que represente a vontade coletiva nas decisões tomadas pelos órgãos centrais, com igualdade numérica entre todos os membros, independente da população do Estado-Membro. Também se observa a participação periférica no centro no fato das Assembléias Estaduais participarem no processo de Emenda à Constituição Federal (EUA, Brasil) ou questionar a Constitucionalidade de lei frente ao órgão competente (Brasil).
Por fim, a simetria que as Constituições locais devem ter frente à Constituição Federal, também é traço marcante na forma complexa de estado, já que no momento em que uma Constituição Estadual contradisser a Constituição Federal, a última predominará.
Estas características, a saber: a divisão constitucional de competência, a autonomia dos Estados-Membros, a participação das vontades parciais na vontade geral e a simetria das Constituições Estaduais frente à Constituição Federal são as características fundamentais de um verdadeiro Estado Federal.
4) O Estado Federal Brasileiro.
Os caracteres descritos no item anterior são os fundamentais a um Estado Federal, ou seja, aqueles sem o qual um estado não poderia ser declarado de fato um Estado Federal. Porém, os elementos desta forma de organização estatal não são os mesmos em todos os estados que vivem ou viveram a forma Federal, cada um desses possui, além dos elementos essenciais, peculiaridades em sua organização, um exemplo claro é a autonomia político-constitucional concedida ao Município no federalismo brasileiro, o que não acontece em várias Federações. Portanto, devido a essa variação de elementos entre os diversos Estados Federais, não há como se contentar, em um estudo específico sobre a República Federativa do Brasil, com os caracteres fundamentais, faz-se mister um detalhamento da estrutura organizacional do Estado Federal Brasileiro.
O primeiro ponto que deve-se trazer à baila é a nomenclatura utilizada na Constituição Brasileira em seu artigo primeiro: República Federativa do Brasil. O próprio nome já traz em si a forma como o Estado Brasileiro deverá se organizar, portanto a primeira característica do Estado Federal Brasileiro é a previsão formal da forma federativa. Ao comentar sobre o tema, o Prof. Dr. Marcelo Labanca de Araújo, após afirmar a necessidade de uma previsão constitucional e a impossibilidade de uma regulamentação infraconstitucional quanto à forma estatal, ele ressalta a necessidade de uma cláusula constitucional intocável que impossibilite a revogação do dispositivo pelo Poder Constituinte Derivado. (2001, p. 31). Na satisfação desta necessidade se encontra a segunda característica do Estado Federal Brasileiro, no art. 60, § 4º, I, da Carta Magna brasileira encontra-se a proibição ao Poder Constituinte Derivado de abolir ou ameaçar a forma estatal federalista.
A terceira característica encontra-se na existência do Supremo Tribunal Federal como órgão competente para “interpretar e proteger a Constituição Federal, e dirimir litígios ou conflitos entre a União, os Estados, outras pessoas jurídicas de direito interno, e as questões relativas à aplicação ou vigência de lei federal.” (HORTA, 1995, p.348) O controle de constitucionalidade e a resolução dos conflitos entre os entes federativos são elementos essenciais no Estado Federal brasileiro e estão previstos como competência do STF no artigo 102, I, a e f.
O quarto ponto a ser suscitado merece referência ao Prof. Dr. Raul Machado Horta que descreve a autonomia dos Estados-Membros como essencial ao Estado Federal em profundo estudo. Tem-se, portanto, como autonomia para este professor, “a revelação de capacidade para expedir as normas que organizam, preenchem e desenvolvem o ordenamento jurídico dos entes públicos” (HORTA apud BARACHO, 1986, p.49). Esta autonomia está presente no ordenamento brasileiro como pode ser visto no artigo 25 da Carta Política, a saber:
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
Assim como observamos a previsão da autonomia dos Estados-Membros, este dispositivo também trata da simetria necessária entre as Constituições das partes para com a Constituição Federal, outra característica.
A sexta característica do modelo federal brasileiro, que se trata de uma das características fundamentais de um Estado Federal, é a existência de uma Câmara de representantes dos Estados-Membros no poder central, no Brasil é denominada Senado Federal. Anota o Professor Dr. José Alfredo Baracho que o Senado é o responsável pela igualdade entre os entes federados, independentemente do seu território e da sua população. (BARACHO, 1996, p.48).
Outro ponto na organização estatal brasileira, que do mesmo modo do Senado Federal é forma de participação no poder central pelos Estados-Membros, é a possibilidade prevista na Constituição Brasileira das Assembléias Legislativas proporem emendas à Constituição Federal, conforme o artigo 60, III da Carta Magna nacional. Da mesma forma, a Mesa de Assembléia Legislativa e o Governador possuem legitimidade, respeitando a pertinência temática, para a proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, atacando lei que afronte a Constituição Federal.
Ao contrário das últimas características mencionadas que se referem às formas de influência da vontade das partes no poder central, a seguinte e última característica possibilita à União interferir nos Estados-Membros, trata-se da Intervenção Federal. Este instituto, previsto nos artigos 34 e 36 da Carta Constitucional Brasileira, é uma exceção, inerente a um estigma de autoritarismo decorrente da sua utilização na história brasileira, só podendo ocorrer se preenchidos os requisitos tanto materiais, quanto formais estabelecidos nos artigos citados. No estado de intervenção, a autonomia do Estado-Membro fica suspensa até que seja sanado o fato gerador desta. Trata-se de um remédio necessário para a manutenção equilibrada da dialética federativa, obrigando às partes a observarem a tendência centralizadora, do mesmo modo em que existem várias características que exigem da União a observação da tendência à diversidade.
Por ser o princípio ordenador da organização estatal brasileira é possível verificar a influência do federalismo, normalmente desdobramentos das características indicadas, em vários outros institutos presentes no sistema normativo nacional. A grande questão é levantada no momento em que determinado ato normativo fere este princípio, se isto ocorrer ela deve ser, rapidamente, expurgada do ordenamento, com o objetivo de garantir o Estado Democrático de Direito, pois a experiência nos mostra que o desequilíbrio centrípeto das tendências no Brasil gera o autoritarismo e é ameaça constante a democracia.