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O protesto por novo júri após o advento da Lei n. 11.689/2008:

uma análise de direito intertemporal

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Possuindo natureza processual penal, a revogação do cabimento do protesto por novo júri, com a edição da Lei n. 11.689/2008, deve ser aplicada imediatamente, desde sua vigência.

Resumo: O advento da Lei n. 11.689/2008 excluiu o Protesto por Novo Júri no ordenamento jurídico brasileiro. Com isso, surgiram dúvidas quanto à natureza da referida norma e, por conseguinte, da disciplina intertemporal aplicável à matéria. Por deter caráter processual penal, a referida previsão deve ser aplicada de imediato, desde a sua vigência, conforme determina o art. 2º do Código de Processo Penal.

Sumário: 1. Introdução. 2. Norma de Natureza Penal, Processual Penal ou Mista? 3. Norma de caráter processual penal. Aplicação do princípio segundo o qual tempus regit actum. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.

Palavras-chave: Protesto por Novo Júri. Revogação. Norma Processual Penal. Aplicação Imediata.


1. Introdução

Até o advento da Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, a legislação processual penal previa o cabimento do Protesto por Novo Júri. Tratava-se de recurso que apenas poderia ser interposto pela defesa e requeria que a senteça condenatória determinasse a reclusão de tempo igual ou superior a vinte anos. No entanto, com a nova legislação, que revogou os artigos 607[1] e 608[2] do Código de Processo Penal, surgiram dúvidas quanto à natureza da determinação, especialmente no tocante ao princípio da retroatividade benéfica, previsto no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal de 1988.


2. Norma de Natureza Penal, Processual Penal ou Mista?

Muitas são as indagações quanto à natureza da norma que determinou a revogação do recurso intitulado Protesto por Novo Júri no ordenamento brasileiro. Mais do que divagações acadêmicas, a definição da natureza da norma define a regra de direito intertemporal que deverá ser utilizada para verificação de seu cabimento ou não em um determinado caso concreto.

Três são os entendimentos que podem ser defendidos. O primeiro deles diria respeito a uma eventual natureza penal (material) da norma analisada. Para essa corrente, a norma tem natureza material, pois retira do réu um importante mecanismo de defesa de sua liberdade. Sendo uma norma de natureza material, a análise de direito intertemporal deve observar os ditames do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Assim, a revogação do Protesto por Novo Júri apenas atingiria os fatos praticados sob a égide da Lei n. 11.689/2008.

Uma outra corrente preconiza que a norma detém, na verdade, natureza mista. Reconhece-se que a exclusão de um recurso penal detém caráter processual penal (no que é mais coerente do que a corrente anterior), mas sem desconsiderar que haveria, também, um aspecto material no conteúdo da determinação contida na novel legislação, já que, como dito anteriormente, retira do réu um mecanismo de defesa de sua liberdade individual, afetando seu direito ao contraditório e à ampla defesa. A consequência do entendimento, todavia, é a mesma prevista para a adoção do entendimento anterior, pois seria necessária a adoção do princípio da retroatividade benéfica para a resolução de conflitos intertemporais. Com efeito, leciona Eugêncio Pacelli de Oliveira (2008, p. 19):

(...) tratando-se de normas de conteúdo misto, contendo disposições de Direito Penal e de Direito Processual Penal, deve-se seguir o modelo de conteúdo normativo das primeiras. É que a regra da irretroatividade da norma penal desfavorável ao acusado deve prevalecer sobre os comandos de natureza processual. Se, porém, for mais favorável, pode-se aplicar a lei desde logo.

Nos casos das leis de conteúdo misto, o que não poderá ocorrer é a separação entre uma e outra, do que resultaria, na verdade, uma terceira legislação.

Luiz Flávio Gomes (2013) vai além da discussão acerca da natureza da norma revogadora. Para o autor, a revogação do Protesto por Novo Júri é particularmente grave pois, considerando-o como uma garantia individual, não seria nem cabível que houvesse a discussão de sua supressão por meio de proposta, constitucional ou infraconstitucional:

O protesto por novo júri é uma clara e evidente garantia individual da pessoa humana, por ser decorrência da plenitude de defesa. Deste modo, jamais poderia ter existido qualquer proposta, tanto constitucional como infraconstitucional, que visasse a sua supressão ou modificação sob pena de evidente desvirtuamento do preceito constitucional.

Todavia, não há dúvidas de que a alteração perpetrada pelo novel documento regimental consubstancia-se em alteração processual e, exatamente por isso, são imediatamente aplicáveis aos processos em andamento. Este é, inclusive, o regramento aplicável tanto ao Direito Processual Civil quanto ao Direito Processual Penal. Vejamos:

CPC

Art. 1.211. Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes.

CPP

Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 19), com propriedade, defende esse posicionamento. Vejamos o que pensa o doutrinador:

(...) Na primeira (lei penal), parte-se da idéia de que o agente do crime, ao praticar a infração, possa avaliar as consequências de sua ação no campo jurídico, de tal maneira que a pena, eventualmente aplicada a ele, possa ser entendida como o custo correspondente ao benefício alcançado (ou tentado). De todo modo, já que a Lei presume o conhecimento dela (consciência da ilicitude), há de presumir que a pena se encontre também nas cogitações do autor do fato delituoso. Por isso, uma vez praticado o crime, não se pode alterar a punição.

O mesmo não ocorre, porém, em relação ao procedimento criminal. As garantias individuais dizem respeito ao direito de participação e ao direito a uma decisão que seja fruto de amplo conhecimento judicial, por autoridade materialmente competente, e por meio de procedimento adequado à apuração dos fatos. Mudanças de prazos recursais, por exemplo, ainda que para diminuí-los, não afetam direitos subjetivos; modificam apenas garantias processuais, aceitáveis se e quando válida, em tese, a modificação legislativa em face do texto constitucional. O tempo do crime não pode determinar maiores ou menores proveitos procedimentais ao respectivo agente. O novo procedimento, se constitucional, deve ser aplicável a qualquer autor, respeitadas apenas as regras atinentes a cada ato processual.


3. Norma de caráter processual penal. Aplicação do princípio segundo o qual tempus regit actum.

Assim, no caso das normas de cunho processual, aplica-se o princípio segundo o qual tempus regit actum, aplicando-se imediatamente aos atos processuais futuros. Tal entendimento, diga-se, também é compartilhada pelo Superior Tribunal de Justiça. Para o Tribunal, que, na esfera penal, a recorribilidade de uma dada decisão rege-se pela norma vigente no momento em que surge para a parte o direito subjetivo ao recurso, ou seja, a partir da publicação da decisão a ser impugnada:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. JULGAMENTO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.689/2008. PROTESTO POR NOVO JÚRI. NOVO JULGAMENTO.

1. O Ministério Público Federal suscitou preliminar de prejudicialidade do recurso em face da superveniência da Lei n.º 11.689/2008, que extinguiu o protesto por novo júri.

2. A recorribilidade se submete à legislação vigente na data em que a decisão foi publicada, consoante o art. 2.º do Código de Processo Penal. Incidência do princípio tempus regit actum.

3. O fato de a lei nova ter suprimido o recurso de protesto por novo júri não afasta o direito à recorribilidade subsistente pela lei anterior. Preliminar rejeitada.

4. O acórdão em análise foi publicado antes da vigência da Lei n.º 11.689/2008 que, em seu art. 4.º, revogou expressamente o Capítulo IV do Título II do Livro III, do Código de Processo Penal, extinguindo o protesto por novo júri. Dessa forma, subsiste o direito à interposição do mencionado recurso, em virtude do reconhecimento de crime continuado com pena superior a 20 anos. Precedentes desta Corte.

5. Com a revogação do § 1.º do art. 607 do Código de Processo Penal pela Lei n.º 263/48, é possível o protesto por novo júri quando a nova pena é fixada em sede de revisão criminal.

6. Recurso provido para determinar a submissão do Recorrente a um novo julgamento perante o Tribunal do Júri. (STJ – Resp 1094482/RJ – Rela. Min. Laurita Vaz – Quinta Turma – Data do Julgamento 01/09/2009 – Dje 03/11/2009)

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Ocorre, no entanto, que a mesma Corte possui decisões segundo a qual a recorribilidade se submete à lei vigente no momento da sentença:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE HOMICÍDIO CONSUMADO E HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. INEXISTÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. PROTESTO POR NOVO JÚRI. JULGAMENTO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.689/2008. CONCURSO DE CRIMES. CONDENAÇÕES INFERIORES A VINTE ANOS. DESCABIMENTO DO RECURSO. PROGRESSÃO DE REGIME. TESE ABORDADA SEM A PARTICULARIZAÇÃO DA NORMA VIOLADA. SÚMULA N.º 284 DO STF. FIXAÇÃO DE REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. APRECIAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

(...)

3. O fato de a lei nova ter suprimido o recurso de protesto por novo júri não afasta o direito à recorribilidade subsistente pela lei anterior, quando o julgamento ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.689/2008 que, em seu art. 4.º, revogou expressamente o Capítulo IV do Título II do Livro III, do Código de Processo Penal, extinguindo o protesto por novo júri. Incidência do princípio tempus regit actum.

(...)

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão,desprovido. Habeas corpus concedido de ofício, para afastar a imposição do regime integralmente fechado à Recorrente. (STJ – Resp 1046429/SP – Rel. Min, Laurita Vaz – Quinta Turma – Data do Julgamento 09/10/2012 – Dje 17/10/2012)

Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 19) concorda com esse posicionamento, ao afirmar que “o marco de aplicação da nova regra, fim do protesto por novo júri, é a decisão condenatória no Tribunal do Júri”, de modo que, “se já proferida ela, antes da nova legislação (Lei 11.689/2008), deve ser aceito o recurso de protesto por novo júri. Se a condenação é posterior, aplica-se imediatamente a nova regra processual”. Entende-se que esse entendimento seja o mais adequado, evitando-se discussões acerca da demora na publicação da decisão condenatória, o que acarretaria a incidência (ou não) da revogação perpetrada pela Lei n. 11.689/2008. Deve-se verificar, portanto, a data da decisão condenatória: se antes da vigência da Lei n. 11.689/2008, cabível o protesto por novo júri; se após vigente tal legislação, o remédio processual, porque extinto do ordenamento jurídico brasileiro, não poderá ser utilizado.


4. CONCLUSÃO.

Há três correntes que discutem a natureza jurídica da norma que determina a revogação do cabimento do Protesto por Novo Júri no procedimento penal brasileiro. Uma entende que se trata de norma penal, outra defende que a lei exara conteúdo misto e a última preconiza que se trata de norma de conteúdo processual penal. A adoção de uma ou de outra gera consequências de cunho interremporal. Possuindo natureza processual penal, a revogação da previsão do cabimento do Protesto por Novo Júri, com a edição da Lei n. 11.689/2008, deve ser aplicada imediatamente, desde sua vigência, conforme determina o art. 2º do Código de Processo Penal. O marco para a sua aplicação deve ser a data da decisão condenatória, de modo que, se proferida antes da vigência da legislação citada, será cabível a utilização do referido remédio processual, o mesmo não se podendo dizer se proferida após a vigência da Lei n. 11.689/2008.


Referências Bibliográficas

GOMES, Luiz Fávio. A problemática do Protesto por Novo Júri após a entrada em vigor da Lei nº 11.689/2008. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/adeleltasse/2013/03/08/a-problematica-do-protesto-por-novo-juri-apos-a-entrada-em-vigor-da-lei-no-11-6892008/. Acesso em 21 de junho de 2013.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.


Notas

[1] Art.607. O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a vinte anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez.

§1º Não se admitirá protesto por novo júri, quando a pena for imposta em grau de apelação (art. 606).

§2º O protesto invalidará qualquer outro recurso interposto e será feito na forma e nos prazos estabelecidos para interposição da apelação.

§3º No novo julgamento não servirão jurados que tenham tomado parte no primeiro. (REVOGADO PELA LEI N. 11.689/2008)

[2] Art. 608. O protesto por novo júri não impedirá a interposição da apelação, quando, pela mesma sentença, o réu tiver sido condenado por outro crime, em que não caiba aquele protesto. A apelação, entretanto, ficará suspensa, até a nova decisão provocada pelo protesto. (REVOGADO PELA LEI N. 11.689/2008)

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Sobre a autora
Marina Georgia de Oliveira e Nascimento

Procuradora Federal em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Marina Georgia Oliveira. O protesto por novo júri após o advento da Lei n. 11.689/2008:: uma análise de direito intertemporal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3727, 14 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25288. Acesso em: 19 dez. 2024.

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