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A laicidade do Estado e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas

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26/09/2013 às 10:59
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A presença do símbolo de uma determinada religião, por mais predominante que ela seja na sociedade, pode se impor em detrimento de todas as outras crenças em um ambiente sustentado por verbas públicas?

RESUMO:Todos possuem liberdade de manifestar livremente sua crença, mas até onde essa liberdade pode ser tolerada no âmbito das repartições públicas? A principal questão é se a presença do símbolo de uma determinada religião, por mais predominante que ela seja na sociedade, pode se impor em detrimento de todas as outras crenças em um ambiente sustentado por verbas públicas. Utilizando decisões de tribunais e principalmente a opinião de juristas sobre o tema da laicidade do Estado com base na metodologia qualitativa, este artigo científico, procura observar se a permanência de símbolos religiosos em repartições públicas é abarcado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

PALAVRAS-CHAVE:Laicidade do Estado, Princípio da Laicidade, Estado Secular, Símbolos Religiosos, Liberdade Religiosa.


INTRODUÇÃO

O artigo científico exposto nas próximas páginas possui como questão primordial averiguar se é constitucional ou inconstitucional a presença de símbolos religiosos nas repartições públicas brasileiras. Desta forma, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) pode permitir a manifestação de um símbolo de uma determinada religião em uma instalação pública negligenciando outras religiões que também recebem proteção constitucional? E ainda, é legitima a atuação do Ministério Público na defesa da laicidade estatal?

O termo grego laikos, em português, laico, significa "popular". A expressão, em sentindo amplo, se refere ao povo. Quando se fala em um Estado laico, significa que é um Estado do povo, isto é, em que a convicção de todos tem o mesmo peso. A laicidade estatal procura primordialmente a separação da religião e do Estado, um não interferindo no campo de atuação do outro. Esse pensamento teve início na Europa, mais predominantemente na França durante o século XIX, com o uso do termo Laïcité e a chamada escola laica, com esta criou-se uma doutrina político- filosófica exigindo a dissociação entre o Estado civil e as confissões religiosas (COSTA; FERRAZ, 2010). Apesar disso, a separação Igreja e Estado só ocorreu na França a partir de 1905.

A laicidade do Estado reconhece que o ente estatal deve ser independente e autônomo em relação a qualquer religião, crença ou igreja. É importante frisar que não se exclui totalmente a manifestação religiosa no campo público, mas existindo uma colisão entre esses dois direitos, o direito à liberdade de crença e a laicidade do Estado, é preciso haver uma ponderação para decidir qual prevalecerá (CANOTILHO, 2008).

A liberdade de crença protege qualquer espécie de grupo que creia na existência de seres que não podem ser vistos ou sentidos, por serem transcendentes, como por exemplo, deuses, gnomos, espécies mágicas, entre outros. E por existir a liberdade de crença, consequentemente, também existe a liberdade de não crença, isto é, o indivíduo tem o direito também de não acreditar em seres metafísicos, ou seja, ser ateu ou agnóstico e ser respeitado pela sociedade por ter escolhido essa linha do pensamento (AGRA, 2008).

A laicidade do Estado está vinculada diretamente à democracia, pois "não há direitos civis e políticos sem democracia, nem tampouco liberdade religiosa. A democracia é o substrato que permite o exercício da liberdade religiosa e, também, dos demais direitos fundamentais da pessoa humana" (SORIANO, 2009, p. 164).

Este artigo será dividido em cinco partes: a primeira mostrará a relação que o Direito tem com a religião e a sociedade em geral; a segunda terá um histórico da evolução da liberdade religiosa nas constituições brasileiras; a terceira elucidará sobre a liberdade religiosa de acordo com a CRFB/88, a constituição em vigor no Brasil; a quarta tratará da questão da constitucionalidade da permanência de símbolos religiosos em repartições públicas; e a quinta falará sobre a atuação do Ministério Público na retirada de símbolos religiosos de repartições públicas.

Neste trabalho será utilizada metodologia qualitativa: uma análise crítica da bibliografia de doutrinadores consagrados da área constitucional e as decisões de tribunais estaduais e federais sobre o tema, e sempre que pertinente, citando e interpretando a CRFB/88 e leis infraconstitucionais relevantes.


1 A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E RELIGIÃO

Em todas as sociedades que a história documentou é possível perceber a presença dealguma religião, quando não uma constituída com símbolos e entidades, mas algo que tente justificar o injustificável, tentando entender os mistérios da vida. Até nas sociedades que se consideravam atéias no período da "cortina de ferro", durante a Guerra Fria, existiam religiões atuando na clandestinidade. Um trabalho histórico que busque compreender determinada sociedade não pode furtar-se de tratar dos fenômenos religiosos presentes na época (ODEBRECHT, 2008).

É importante ressaltar que existem relatos de pelo menos uma tribo indígena no Brasil que não acredita em nenhuma divindade e não possui religião. São os Pirahãs. Eles acreditam que o mundo nunca evoluiu, que não existe uma entidade divina e de acordo com os relatos do antropólogo Daniel Everett (2009), são felizes sem Deus, religião ou autoridade política, mesmo depois que missionários tenham tentado converte-los por séculos.

As leis foram influenciadas pela religião desde os povos mais antigos. Os gregos e romanos fundamentavam suas leis de acordo com a religião, sendo as normas do Direito dispostas entre as normas religiosas. Além disso, apesar dos legisladores da época terem usado unicamente o raciocínio e intelecto para elaborar as leis, elas eram diretamente relacionadas ao sagrado, descendiam das crenças. Essa posição repercutia nos autores clássicos. Platão afirmava que desobedecer as leis era desobedecer os deuses. Sócrates se submeteu à lei da época e entregou sua vida por consequência (SKÁRLETT; MENEGHETTI, 2009).

O Direito na Idade Média, época dominada pelas concepções cristãs, distinguia-se entre lex divina, lex natura e lex positiva, isto é, direito divino, direito natural e direito positivo. Houve então a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, mas por ser a própria consciência humana que possibilitava o homem de julgar o valor disso, não houve uma isometria entre as duas, pois o indivíduo é passível de erros. Foi a secularização do direito natural que substituiu a vontade divina pela razão das coisas, dando origem à ideia de direitos do indivíduo e direitos humanos universais(CANOTILHO, 2008).

Quando ocorreu a quebra da hegemonia católica, religiões minoritárias começaram a defender o direito do que cada uma considerava sua "verdadeira fé". A defesa dessa liberdade religiosa se pautava na tolerância à crença da fé alheia e pode ser considerada o nascimento do princípio da liberdade religiosa.Foi quando os pensadores da época propuseram a vedação ao Estado em adentrar a convicção íntima de uma religião considerada oficial. A luta pelo desvencilhamento do Estado à religião foi considerada o verdadeiro início dos chamados direitos fundamentais (Idem). 

A relação entre o direito e a religião é um assunto polêmico, tanto por abranger o tema religião, que é algo delicado de se abordar, como por envolver crenças pessoais que podem ofender quando interpretadas equivocadamente, quanto pela força que as leis têm na sociedade, pois o Estado é o titular na elaboração da conduta que deve ser seguida pela sociedade e faz isso de forma coercitiva.

Na França houve uma decisão polêmica a respeito da laicidade do Estado e da liberdade religiosa no âmbito privado. Fatima Afif, de origem muçulmana, era empregada de uma creche e em 2008 foi demitida por se recusar a retirar o véu que vestia durante seu trabalho. Não conformada, ingressou com uma ação judicial pedindo indenização. Em 2010, a justiça entendeu que a demissão foi justa, por motivo de insubordinação, porém em março de 2013, a decisão foi modificada, entendendo que houve discriminação em razão de crenças religiosas(AMORIM, 2013).

O direito e a religião são formas de controle social, e por ambas terem tamanha repercussão em nossa sociedade, acabam influenciando uma a outra. É impossível para o magistrado ou qualquer outro intérprete da lei separar-se completamente de seu vínculo religioso no momento de decidir, mas o que a laicidade do Estado pretende, sendo este princípio constitucional, é impor ao magistrado que persiga esse objetivo no exercício de sua jurisdição. A presença de um símbolo religioso só vem deixar isso mais difícil (SARMENTO, 2008). 

A tolerância é fundamental para convivência pacifica em uma sociedade, que muitas vezes pode possuir dezenas de religiões, cada qual com suas características próprias que podem não ser compatíveis entre si. Na falta desta, a animosidade, principalmente entre os fundamentalistas, estará gerada e pronta para conflitos serem armados, muitas vezes violentos e desrespeitosos, que podem motivar uma guerra em nome da religião.

Tolerar algo não é aceitar de forma passiva a interpretação sobre determinado assunto, mas sempre respeitar as diferenças que naturalmente irão surgir quando dois seres humanos dialogam, pois todos cresceram em um ambiente diferente e tiveram experiências diversas que moldaram seu pensamento (ODEBRECHT, 2008).

As guerras religiosas documentadas na história não foram pela discordância da existência de um ser superior, mas sim pela não compatibilidade dos códigos de morais entre religiões. Ao invés de cada um seguir os dogmas de sua religião e tolerar a doutrina alheia, há uma imposição não salutar (VIANNA, 2010).

De acordo com o jurista norte-americano Milton Konvitz (1962), onde a religião é controlada restritivamente, a política também sofre restrições, como foi na União Soviética e Iugoslávia. O totalitarismo político e religioso são dois lados da mesma moeda, um não pode subexistir sem o outro.


2 HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DA LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL

Antes de promulgada a primeira constituição do Estado brasileiro, durante o períodode colonização por Portugal, a religião oficial, por influência portuguesa, era a católica. Tinha o status de única religião admitida pelo Estado. A inquisição portuguesa, que teve início em 1536, refletiu contra os cristãos novos, e em 1540,  houve a ação de catequese dos jesuítas, feita pela Companhia de Jesus. Durante a ocupação holandesa, entre 1630 e 1656, ampliou-se a tolerância religiosa. Quando o Brasil tornou-se independente em 1822, já existia uma previsão de liberdade religiosa, ainda que muito restrita (ZYLBERSZTAJN, 2012).

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A Constituição Federal de 1824 (CF/1824) continuou com a ligação direta entre o Estado e a religião católica, ainda que tolerando que outras crenças professassem sua fé, como mostra o artigo 5º da CF/1824: "[...] com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior ao templo" (SILVA, 2010, p. 249). A ação de venerar ou homenagear uma divindade em qualquer crença é considerado um culto, dependendo da religião pode ser direcionado a rituais, cerimônias e manifestações, tendo elas a liberdade de exaltarem suas orações e pregações (CUNHA, 2011).

É possível ver o verdadeiro autoritarismo religioso à época ao ler o artigo 95, III da CF/1824: "Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se os que não professarem a Religião do Estado." Ou seja, apenas os católicos poderiam ser eleitos deputados.

O Decreto 119-A, de 7.1.1890, escrito por Rui Barbosa, iniciou contundentemente a liberdade religiosa na República, com a separação drástica da Igreja ao Estado. Além disso, todas as igrejas e confissões religiões agora possuíam personalidade jurídica. A Constituição de 1891, em seus artigos 11, §2º, 72, §§3º à 7º, 28 e 29, seguiu o Decreto 119-A e manteve o Estado separado da Igreja. Com isso, temos o início do Brasil como Estado laico, tendo todas as religiões igual respeito(SILVA, 2010).

A Constituição de 1891 pode ser considerada a Constituição mais laicista no histórico constitucional brasileiro, visto que em seu artigo 70, 1º, IV, proibia a participação de religiosos na política: "Os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto, que importe a renúncia da liberdade individual”. Desde então nenhuma outra Constituição brasileira seguiu essa corrente de pensamento. Além disso, só reconhecia o casamento civil (artigo 72, §4º), tornou os cemitérios com caráter secular, apesar de permitir que fossem realizadas cerimonias religiosas (artigo 72, §5º) e proibiu o ensino religioso em estabelecimentos públicos (artigo 72, §6º)(ZYLBERSZTAJN, 2012).

A Constituição Federal de 1934 (CF/1934) voltou a reconhecer a presença da religião na esfera pública, começando pelo preâmbulo, que retornou a invocar Deus. Foram feitas algumas modificações quanto à relação do Estado com a Igreja, visto que a Constituição antiga tinha uma separação mais rígida, e esta permitiu certos contatos(SILVA, 2010).

De acordo com o artigo 17 da CF/1934, a laicidade do Estado foi mantida: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo"(ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 21). É importante notar que o Estado começou a permitir a colaboração reciproca com igrejas em prol do interesse coletivo, na constituição anterior essa ajuda mútua era totalmente vedada.

O artigo 113, item 5º da CF/1934 diz que: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.". Esse item foi importante por dois motivos, primeiro as associações religiosas adquiriram personalidade jurídica nos termos da lei civil, segundo que o conceito de "ordem pública e bons costumes" ainda mostrava resquícios da imposição de uma religião majoritária sobre as demais, pois são conceitos vagos e de ampla interpretação (SILVA, 2010).

E  ainda a CF/1934 voltou a admitir o casamento religioso (art.146) e o ensino religioso em escolas públicas (art. 153). O caráter secular dos cemitérios foi mantido (art. 113, §7º). Em se tratando do direito internacional público, começou a ser permitida a representação diplomática junto à Santa Sé (Art. 176).

A Constituição Federal de 1937 (CF/1937) não seguiu a constituição anterior em vários aspectos relacionados à laicidade do Estado. Foi uma constituição promulgada em pleno golpe, que resultou no Estado Novo de Getúlio Vargas. No próprio preâmbulo já foi possível notar a diferença, não existia mais o pedido da proteção divina(ZYLBERSZTAJN, 2012).

A laicidade do Estado foi mantida, mas de forma muito mais restrita, pois a CF/1937 não falou sobre relação de aliança e cooperação entre Igrejas e cultos com o Estado. A liberdade de crença recebeu proteção constitucional no artigo 122, §4º, mas foi tácito em relação à discriminação religiosa e o caráter jurídico das associações religiosas.

Os cemitérios continuaram seculares (art. 122, §4º), o casamento religioso não foi mencionado. O ensino religioso foi alcançado pela constituição da época, mas não poderia ser de frequência compulsória. A representação diplomática junto à Santa Sé não foi mencionada.

A maior inovação da Constituição Federal de 1946 foi a imunidade tributária dos templos, dispositivo que persiste na constituição vigente em nosso país. O casamento religioso com efeito civil voltou a ter lugar no texto constitucional.

Diferente da constituição atual, as constituições da época do golpe militar, Constituição de 1967 e Constituição de 1969, não protegiam a liberdade de crença, apenas a liberdade de consciência. Apesar de parecer que as duas são sinônimos, há uma grande diferença. Pela liberdade de consciência, alguém pode escolher não ter crença alguma, mas na falta da liberdade de crença, aqueles que são ateus e agnósticos não estavam protegidos constitucionalmente (CUNHA, 2011). A liberdade de crença era assegurada como simples forma de liberdade de consciência, sem ter o mesmo peso que a atual constituição trouxe(SILVA, 2010).

O Estado poderia colaborar com a Igreja, especialmente no âmbito escolar e hospitalar, de acordo com o artigo 9º, II da Constituição de 1967. Os serviços religiosos prestados pelos capelães das forças armadas foi previsto no artigo 93, parágrafo único. Foi mantida a assistência religiosa às forças armadas e em estabelecimentos de internação utilizados pela coletividade. Mantiveram-se no texto constitucional os efeitos civis do casamento religioso, o ensino religioso em escolas públicas e a imunidade tributária referente a templos religiosos(ZYLBERSZTAJN, 2012).


3A LIBERDADE RELIGIOSA DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

A liberdade religiosa pode ser dividida em três formas de abrangência: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. Todas estão garantidas na Magna Carta de 1988(SILVA, 2010).

O artigo 5º, VI da CRFB/88 diz que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias", isso mostra que a liberdade de crença está positivada em nossa Carta Maior.

O maior alvo de críticas das constituições anteriores não está presente nesta,conforme Silva (2010, p. 249)qual seja a frase "que não contrariem a ordem pública e os bons costumes, que é expressão vaga e aberta a interpretações arbitrárias".

A diferença entre a liberdade de consciência e a liberdade de crença é fundamental, como lembra Pontes de Miranda (1970, p.114) "o descrente também tem liberdade de consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito, a liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e de não ter crença".

E por mais que a liberdade de crença seja um direito fundamental presente em nossa CRFB/88, a pessoa não pode praticar algum ato que seja contrário ao nosso ordenamento jurídico em nome da religião, como por exemplo o consumo da Cannabis Sativa pelos membros da religião Rastafári (TJRS, Segunda Câmara Criminal, Apelação Crime Nº 70009503848, rel. Laís Rogéria Alves Barbosa, julgado em 28/10/2004) ou a prática de curandeirismo, que de acordo com o STF também não é incluída no âmbito da liberdade de prática religiosa (STF, Segunda Turma, RHC 62240, rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 13/12/1984).

A liberdade de culto é a exteriorização da liberdade de crença. Enquanto a liberdade de crença em si pode ser considerada o desejo interno do indivíduo de expressar sua fé, a liberdade de culto permite que essa fé seja exteriorizada por meio da voz, música, cantos. A liberdade de crença não possui limites, pois o Direito não tutela aquilo que não possa ser posto na realidade, entretanto a liberdade de culto possui limite, como por exemplo, o respeito ao sossego dos vizinhos nas horas em que se deve fazer silêncio(WEINGARTNER, 2007).

Mostra o artigo 5º, VII da CRFB/88 que "é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva", por exemplo, penitenciárias, casas de detenção, quartéis, entre outros. O Ministério Público Federal do Distrito Federal criticou a presença dos chamados capelães em quartéis (MPF/DF, 2010).

A CRFB/88 afirma ainda em seu artigo 5º, VIII que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".

O artigo fala sobre a chamada escusa de consciência, sendo um direito individual que permite o indivíduo de se recusar a prestar ou aceitar determinada obrigação que contrarie as suas crenças ou convicções(CUNHA, 2011). O mais conhecido exemplo disso é relacionado à religião das Testemunhas de Jeová, pela doutrina religiosa que eles seguem, não podem pegar em armas, servir o exército e fazer juramentos e saudações a símbolo nacionais(BARROS, 2012).

Os membros desta religião não são obrigados a ir contra a doutrina religiosa que seguem devotamente, mas terão que cumprir uma prestação alternativa. O exercício da escusa não depende de lei, o que a legislação pode identificar é somente o que será a prestação alternativa. Caso haja uma prestação alternativa e ainda assim a pessoa continue negando-se a cumprir, pode haver a perda dos direitos políticos, como afirma a CRFB/88 em seu artigo 15, IV (CUNHA, 2011).

O artigo 19, I da Magna Carta enuncia que:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Isso mostra que o Brasil não é um Estado ateu, e sim um Estado laico, ou seja, não permite que o Brasil se filie a nenhuma corrente religiosa.

O artigo 143, §§1º e 2º da CRFB/88 diz que:

às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

O serviço alternativo ao serviço militar obrigatório está regulamentado na lei nº 8.239/91, que definiu o serviço alternativo como "sendo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar" (CUNHA, 2011, p. 696).

Os constituintes chegaram ao acordo de que templos de qualquer culto, de acordo com o artigo 150, VI, "b" da CRFB/88, teriam imunidade de impostos. Contribuições sindicais continuam sendo cobradas, já que não são impostos, todas as outras espécies de impostos não precisam ser recolhidas pelos templos religiosos, inclusive imóveis de propriedade de determinado culto que se encontrem alugados, já que a isenção tributária não abrange somente imóveis destinados a rituais e orações,também não isentos o patrimônio, a renda e os serviçostambém, o patrimônio, a renda e os serviços (BRANCO; MENDES, 2012).

A imunidade tributária atinge cultos religiosos, qualquer outro estabelecimento não vinculado diretamente a uma religião não recebe a isenção. Não será considerada uma religião uma instituição qualquer que inicia seus trabalhos com uma oração, é preciso mostrar uma série de características para ser considerada uma religião, entre elas, uma doutrina, prática de ritos, no culto, cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidade aos hábitos, tradições. A simples adoração de um Deus não é considerada uma religião, esta é uma simples contemplação de um ente sagrado(SILVA, 2010).

A educação religiosa está prevista no artigo 210, §1º e artigo 213, caput, II da CRFB/88.  O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei, como mostra o artigo 226, §2º, também da Constituição de 1988.

Durante o processo de redemocratização do Brasil para origem da CRFB/88, o então deputado federal José Genoino do Partido dos Trabalhadores, apresentou emenda para retirada da expressão "sob a proteção de Deus" do preâmbulo, mas Roberto Freire, do partido comunista e Daso Coimbra, da bancada evangélica, manifestaram-se contra a emenda, citando que ela iria contra a unidade deísta da sociedade brasileira. A emenda não foi aceita(ZYLBERSZTAJN, 2012).

A justificativa da recusa não foi aceita por alguns juristas, neste sentido:

reforçou-se uma identidade religiosa monoteísta do sujeito constitucional, excluindo-se, pois, inúmeras expressões de religiosidade existentes no país, o que demonstra que a postura do Estado em relação à pluralidade em questões de fé não é tão inclusiva como se imagina (PINHEIRO, 2008, p. 101).

O Código Civil de 2002, em seu artigo 44, §1º afirma que o poder público não pode negar reconhecimento de uma organização religiosa ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. No entanto, a mesma deve ser criada estritamente para fins religiosos, não podendo ser criada por um grupo de pessoas buscando benefício próprio em proveito da credulidade alheia.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Pedro Victor Souza. A laicidade do Estado e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3739, 26 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25405. Acesso em: 16 nov. 2024.

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