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A validade e a legitimidade do critério etário como instrumento definidor do ingresso de estudante no ensino fundamental

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17/10/2013 às 08:08
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2.4. DA LEGIMITIDADE DA RESOLUÇÃO DO CNE/MEC À LUZ DA IDEOLOGIA DE HABERMAS

O art. 211, §2º e § 3º, da Carta da República e o art. 17 e o art. 18 da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, textualizam claramente que compete aos estados e aos municípios atuarem prioritariamente no ensino fundamental, tanto no que se refere à função normativa como na manutenção de instituições estaduais de ensino.

Ademais, vale consignar que o art. 211 da Constituição Federal e o art. 9º da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, estabelecem que a União, em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá as diretrizes para o ensino fundamental.

Diante desse contexto normativo, é possível verificar que a Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, foi editada em consonância e com fundamento na Constituição da República e na Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, sendo certo a sua validade no sistema jurídico pátrio.

Em relação à legitimidade da referida Resolução do CNE/MEC, cumpre traçar um paralelo com a ideologia de Jurgen Habermas, cujo pensamento filosófico tem como peculiaridade a legitimidade do processo discursivo advinda da observância da comunicação, da participação e da intersubjetividade.

 Como é cediço, o pensamento habermasiano destaca a relevância do viés linguístico no processo intersubjetivo de ações comunicativas destinadas a conferir validade (legitimidade) ao sistema político e jurídico.

O professor da Universidade Estadual Oeste do Paraná, Paulo Roberto de Azevedo, assim disserta sobre a teoria habermasiana[8]:

Tem-se, assim, o modelo político habermasiano orientado pelos princípios da teoria da ação comunicativa. Fundamentalmente sua característica é centrar a racionalidade nos processos intercomunicativos. Segundo o autor, essa guinada comunicativa não só opera uma transformação na ideia de Estado (e de sua correlação conceitual com o direito), mas representa também uma via democratizadora. Isso porque que desloca sua fundamentação política de uma metafísica da subjetividade para processos argumentativos orientados para o acordo consensual.

 Sendo assim, tem-se que a teoria habermasiana é fundamentada na livre interação comunicativa entre os indivíduos (intersubjetividade), que é norteada pela busca do consenso na argumentação produzida, sendo essa a tradução racional da opinião e da vontade.

A partir da compreensão de Habermas a respeito da legitimidade, tem-se que a efetiva participação de diversos atores sociais, relacionados ao assunto educacional, como secretarias estaduais e municipais de educação, assim como pelos conselhos estaduais e municipais de educação, na edição da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, confere-lhe legitimidade singular.

Apenas para demonstrar que a referida Resolução foi elaborada nos moldes de intensa interação entre as entidades públicas e privadas responsáveis pela educação, no sentido de buscar a edição de norma consensual para mitigar qualquer irresignação sobre o seu conteúdo, cumpre transcrever o seguinte excerto da manifestação técnica, elaborada pelo Conselho Nacional de Educação – CNE[9], in verbis:

[...]

Entretanto, considerando que o inciso IV do art. 9º da LDB define que a União “incumbir-se-á de estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”, as Diretrizes Curriculares Nacionais foram definidas pela Câmara de Educação Básica após muito estudo e debate com os órgãos técnicos do Ministério da Educação e as instâncias normativas dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, representados pelo Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação e pela União Nacional de Conselhos Municipais de Educação, bem como, também, com a representação direta dos próprios Conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com a participação de representantes do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação.

Nesse sentido, tanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, definidas pela Resolução CNE/CEB nº 5/2009, com base no Parecer CNE/CEB nº 20/2009, quanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos, definidas pela Resolução CNE/CEB nº 7/2010, com base no Parecer CNE/CEB nº 11/2010, foram precedidas de inúmeras audiências públicas nacionais, as quais contaram com ampla participação dos Conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com significativa representação de professores e dirigentes de ensino e representações de secretários estaduais e dirigentes municipais de educação.

Dessa forma, afigura-se a legitimidade da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, haja vista que a mesma foi editada à luz da efetiva participação de diversos atores sociais que tratam do ensino fundamental, sendo fundamentada em diversas manifestações técnicas e no direito comparado, assim como se encontrada em consonância com a legislação ordinária, que foi elaborada por meio de processo legislativo democrático.


2.5. DA CONCLUSÃO

Face aos argumentos acima articulados, é forçosa a conclusão que, apesar da relevante função do Ministério Público Federal de salvaguardar o interesse da coletividade, a constante e desarrazoada judicialização sobre matéria, decorrente de várias ações civis públicas propostas, em que são proferidas algumas determinações judiciais no sentido de suspender os efeitos da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, resulta em manifesta instabilidade para o sistema educacional, notadamente no início do ano letivo, na medida em que inexiste ou mesmo são estabelecidos critérios diversos (e não uniformes) para definir a forma de ingresso dos estudantes no ensino fundamental.

Não subsite dúvida que matéria em análise – fixação de critério etário para o ingresso no ensino fundamental – constitui matéria de caráter técnico-educacional e que o Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação, tem competência normativa para disciplinar assunto dessa natureza, inclusive relacionado à fixação de diretriz operacional para a matrícula de estudante no ensino fundamental e na educação infantil.

Além disso, o estabelecimento da idade cronológica mínima de 06 (seis) anos completos, até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, como pressuposto de ingresso no ensino fundamental, encontra-se em consonância com o ordenamento jurídico pátrio, máxime com a Constituição Federal, haja vista que o critério etário é utilizado como marco definidor de inúmeras situações jurídicas.

Acrescente-se, também, que a definição da idade mínima de 06 (seis) anos constitui, assim como a duração de 09 (nove) anos do ensino fundamental, constituem elementos da hodierna política educacional adota, conforme se depreenda singela leitura da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996.

Assim, é manifesta a validade formal e material da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, elaborada pelo Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação.

Em razão do processo de elaboração da referida Resolução ter sido objeto de ampla discussão, inclusive com a participação de diversas das secretarias estaduais e municipais de educação, assim como dos conselhos estaduais e municipais de educação, dentre outras entidades públicas e privadas, tem-se que é clarividente a sua legitimidade, que é corroborada pela aplicabilidade do pensamento filosófico de Jurgen Habermas.

Dessa forma, ao invés da prematura propositura de demandas judiciais, seria recomendável que o Ministério Público Federal, com fundamento no art. 26, inciso I, alínea “b”, da Lei Nº 8.625, de 12 de Fevereiro de 1993, solicitasse informações técnicas ao Ministério da Educação para a melhor compreensão da matéria, obstando, assim, prejuízo para milhares de estudantes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Fábio de Almeida. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.


Notas

[1]Brasil. Resolução CNE nº 6, de 20 de outubro de 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14906&Itemid=866. Acesso em: 13 jun 2013.

[2] BRASIL. Lei n. 9.131, de 24 de novembro de 1995. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9131.htm>. Acesso em: 13 jun. 2013.

[3] BRASIL. Lei n. 9.394, de  20 de Dezembro de 1996. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 13 jun. 2013.

[4] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Remessa Ex Offício em Ação Cível - REO. Conselho Nacional de Educação. Poder Normativo.  REO n° 200751010024583, Relator Des. Theophilo Miguel, Sétima Turma, DJ 28/11/2007.

[5]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário - RE. Validade. Critério etário. Acessibilidade. Cargos públicos. RE n° 136237 / DF, Relator Min. Paulo Brossard, Segunda Turma, DJ 08/04/1994.

[6]  DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Fábio de Almeida. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar. 6ª edição. pág.55.

[7] Art. 2º Para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, a criança deverá ter 6 (seis) anos de idade completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

Art. 3º Para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, a criança deverá ter idade de 6 (seis) anos completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

[8] AZEVEDO, Paulo Roberto. A Democracia Comunicativa: uma exposição da ideia de democracia em Jürgen Habermas a partir da análise dos volumes da obra “Direito e Democracia, entre facticidade e a validade. Disponível em: < http://e-revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia/article/view/1569/1280> Acesso em: 13 jun. 2013.

[9]Brasil. Nota Técnica do CNE. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13556&Itemid=956. Acesso em: 13 jun 2013


ABSTRACT

The present study concerns the validity and legitimacy of Resolution No. 6, of October 20, 2010, prepared by the Ministry of Education, through the National Board of Education - CNE / MEC. Initially, we present a brief statement about why the theme of the scientific and instability arising for the educational system due to the steady legalization by federal prosecutors of the Resolution. Development, is addressed to legislative competence of the NEC. Also, it is demonstrated the validity of the adoption of the criterion of chronological age as a form of requirement for entry into elementary school, as well as educational policy option. It demonstrated the legitimacy of Resolution CNE / MEC, according to the ideology of Jurgen Habermas. In conclusion, it is deduced arguments about the validity and legitimacy of Resolution CNE / MEC and hence its line with the legal system.

Keywords: CNE / MEC. Fixing the age criterion. Elementary school. Validity and Legitimacy. Jurgen Habermas.

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Sobre o autor
João Paulo Santos Borba

Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Civil e em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogado da União.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBA, João Paulo Santos. A validade e a legitimidade do critério etário como instrumento definidor do ingresso de estudante no ensino fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3760, 17 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25528. Acesso em: 19 abr. 2024.

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