Foi anunciada pelo Presidente dos Estados Unidos Barack Obama, em 31 de agosto de 2013 , a autorização militar para uma intervenção militar à Síria. Cabe destacar a afirmação de que o início das operações não dependeria de apoio ou do relatório das Nações, mas sim da deliberação do Congresso Nacional.
Para Griffin[1], há constitucionalidade na intervenção da Síria, chamando atenção para a questão política desta. Aponta a justificativa constitucional unilateral através do amplo poder discricionário que o presidente norte-americano possui sobre a condução dos assuntos estrangeiros. O Presidente possui ampla autoridade, mas esta pode ser limitada por meio do exercício do Congresso - são determinações constitucionais.
O embasamento jurídico do governo americano evoca o direito humanitário, uma vez que atribui ao governo sírio a morte de 1.429 pessoas, em 21 de agosto de 2013, como consequência de uso de substâncias químicas. A grande questão está centrada em torno das seguintes questões: houve uso de substâncias químicas? Havendo intervenção, esta decisão deverá ser unilateral?
A Síria atravessa um conflito armado não internacional desde junho de 2012. O governo pode ser considerado extremamente instável, visto que, em 10 anos, possuiu 20 governos e quatro constituições com sucessivos golpes de Estado.
A Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), em 03 de agosto de 2012, condenou o governo sírio por unanimidade e pediu a transição política. Determinou ações concretas para livrar aquele país da guerra civil e a oposição ao ditador Bashar Assad. Esta proposta exigiu o fim da violência no país e a aplicação do cessar-fogo. Além disso, o projeto previu também a responsabilização e condenação do regime de Assad pela onda de violência. O então Vice-Secretário da ONU exigiu do Conselho de Segurança encontrar soluções e maior unidade de corpo dos países membros.
A afirmação feita pelo Presidente americano acabou por suscitar a “velha e conhecida” discussão a respeito da proibição da utilização do uso da força. O uso da força pode e deve ser utilizado em situações em que governos nacionais estejam sistematicamente envolvidos em atos de homicídio, estupro e expulsão contra seus próprios cidadãos. Desta forma, não deveriam ser protegidos de intervenção militar[2]. Para aqueles que usam a doutrina de intervenção humanitária unilateral, o Conselho de Segurança da ONU não tem condições de enfrentar estes problemas e que seus países membros – é de certa forma responsável por isso, preconizando um direito de “intervenção humanitária unilateral”, ou seja, um direito de intervir em Estados soberanos sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU.
O Conselho de Segurança da ONU, previsto expressamente na Carta das Nações Unidas, tem como função assegurar pronta e eficaz ação - conferida por parte das Nações Unidas – cabendo-lhe, como principal responsabilidade, a manutenção da paz e da segurança internacional e os membros signatários concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos por esta responsabilidade, o Conselho aja em nome deles. No cumprimento destes deveres, agirá de acordo com os propósitos e princípios das Nações Unidas. Estes podem ser assim classificados:
a. Na solução pacífica de controvérsias, onde as partes ou parte, cujas ações possa constituir uma ameaça à paz e a segurança internacional procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico a sua escolha;
b. Nos acordos regionais, destinados a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que estes sejam compatíveis com os propósitos e princípios da Carta;
c. No sistema internacional de tutela, onde as Nações Unidas estabelecerão sob sua autoridade um sistema para administração e fiscalização dos territórios que possam ser colocados sob tal sistema em consequência de futuros acordos individuais;
d. Na ação relativa à ameaça à paz, ruptura da paz e atos de agressão, onde o Conselho determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura ou atos de agressão e fará recomendações e decidirá que medidas deverão ser tomadas a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Pode neste processo, convidar as partes interessadas a que aceitem as medidas provisórias que lhe parecem necessárias ou aconselháveis, que não prejudicarão os direitos ou pretensões, nem a situação das partes interessadas.
Havendo decisão, esta poderá se dar com ou sem o emprego de forças armadas: se não envolver o emprego da força, estas deverão ser tomadas para e poderão ser convidados os Membros a aplicarem tais medidas. Poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos ou de qualquer outra espécie, e o rompimento das relações diplomáticas.
Havendo o emprego do uso da força, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer à paz e a segurança internacionais. Tais ações podem compreender demonstrações, bloqueios e outras operações militares por parte dos membros das Nações Unidas.
O objetivo de tais medidas é preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas. E para que tais fins se concretizem, deverão os povos das Nações Unidas praticar a tolerância e viver em paz, unir as forças para manter a paz e a segurança internacionais. Garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum.
E quais as obrigações dos Estados Membros? Dentre eles, destaca-se: cumprir de boa-fé as obrigações assumidas com a Carta; resolução das controvérsias por meios pacíficos; evitar o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado. Havendo, esta é uma decisão colegiada, coletiva.
A doutrina “de intervenção humanitária unilateral” foi confirmada pela declaração do Ministro das Relações Exteriores e da Comunidade Britânica, quando do envio de suas tropas ao norte do Iraque:
Consideramos que a intervenção internacional sem convite do país envolvido se justifica em casos de extrema necessidade humanitária. Por isso decidimos mobilizar tropas britânicas na Operação Zona de Segurança, montada pela coalização para atender à crise de refugiados envolvendo curdos iraquianos.
Esta proposta doutrinária teria como premissas e limites:1) verifica-se uma situação premente e urgente de extremo sofrimento humanitário; 2) o Estado visado pela intervenção não é capaz de agir ou não se dispões a fazê-lo; 3) não existe uma alternativa concreta; e 4) a intervenção é limitada em seu alcance e duração[3].
O princípio ainda é o da não intervenção, face a soberania dos Estados, na lei e na política internacional. Mas as possibilidades de intervir deram ao Conselho de Segurança a oportunidade de ativar o mecanismo da segurança coletiva, pretendido pela carta das Nações Unidas[4] e que não pode ser obstruído pelas superpotências.
Evocar uma doutrina de intervenção unilateral, percebendo sua fundamentação de prática de Estado e opinio juris em favor deste direito, para o direito internacional, na opinião de Byers[5], poderia manter-se inalterado. As cláusulas bem estabelecidas em tratados prevalecem sobre o direito consuetudinário internacional e seriam insuficientes para sobrepor-se ao artigo 2º da Carta das Nações Unidas.
À luz deste artigo, qualquer direito que envolva este tipo de intervenção só teria efeito se preenchesse a condição de jus cogens, norma de natureza imperativa que se sobrepõe a cláusulas conflitantes de tratados.
Por estes motivos, para Byers[6], o significado das preocupações humanitárias para o direito internacional, no que diz respeito ao recurso à força, permanece no nível da vontade política – e da justificação moral e política, o que abrange aquilo que hoje se identifica como “responsabilidade de proteger”.
Deve-se ativar o mecanismo de segurança coletiva - este é o propósito da Carta das Nações Unidas e esta não pode se tornar uma “Carta de Fachada”. Caso contrário, sempre haverá uma justificação: evocar-se a “responsabilidade de proteger”. Me pergunto, e agora?
Notas
[1] Balkinization. GRIFFIN, Stephen. The Constitutionality of the Syrian Intervention (Or: Why I am not a war powers hardliner). Disponível em < http://balkin.blogspot.com.br/2013/08/the-constitutionality-of-syrian.html>. Acesso em 30 de ago de 2013.
[2] BYERS, Michael. A Lei da Guerra: direito internacional e conflito armado. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 117.
[3] BYERS, Michael. A Lei da Guerra: direito internacional e conflito armado. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 125.
[4] Hippel, Karin Von. Democracia pela força: intervenção militar dos EUA no mundo pós guerra fria. Trad. Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2003, p. 224.
[5] BYERS, Michael. A Lei da Guerra: direito internacional e conflito armado. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 125.
[6] BYERS, Michael. A Lei da Guerra: direito internacional e conflito armado. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 129.