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Verdade versus conjectura

17/11/2013 às 06:31
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A alienação vem desumanizando toda civilização e os valores garantidores de sua eternidade.

As bases antropológicas da evolução da teoria do conhecimento podem ser encontradas no ocidente e correspondem à clássica dicotomia entre o essencialismo e retórica, ou mais simplificadamente, à dicotomia verdade versus conjectura.

O paradigma do moderno e do pós-moderno que reside em deixar de ver o ser humano como espécie triunfante que domina a natureza, constrói o seu próprio mundo e representa a coroa gloriosa da criação, é sem dúvida, uma releitura do antropocentrismo, passando-se a interpretá-lo como ser retardado e mal desenvolvido metafórico paradoxal, tendo uma relação com o meio de ambiente de compensação devido a seu distanciamento da natureza circundante.

A alienação vem desumanizando toda civilização e os valores garantidores de sua eternidade.

E, neste particular a alienação se torna peculiar, da terminologia de Gehlen, o homem ser rico e pleno, ora como ser ou ente pobre e carente. Um miserável ser tecnológico que não consegue acesso as coisas simples da vida.

Para os essencialistas, a linguagem é mero instrumento para a descoberta verdade que pode ser tão–somente aparente, ou para alguns, se esconder por trás das aparências e, ainda para outros doutrinadores, com todas as combinações e ecletismos.

Sendo relevante o método dotado de lógica, intuição, emoção e todo seu aparato cognoscitivo devidamente aplicado, tornando possível aos seres humanos atingir à verdade em seu contato com o mundo e a uma conclusão que coagiria todos a aceitá-la.

Para os retóricos de todos os tipos, surge a convicção de que tudo é uma ilusão e a linguagem é o máximo de acordo possível, constituindo um aqüesto comum a todos, com objetividade reduzida e condicionada aos diferentes contextos.

O mais importante de toda a dicotomia é observar o método . As definições de concepções essencialistas e retóricas, entendidas como meros tipos conceituais de caráter ideal e impreciso.

Um filósofo pode ser cético quanto ao conhecimento racional mas crê na verdade intuitiva, emocional, das convicções éticas.

Outros filósofos, no entanto, podem crer na razão científica pura chegando ao extremo de negar a autonomia da ética sendo esta vista como produto de reações químicas cerebrais o que induz o ser humano a inventar uma esfera axiológica.

Podem ainda os filósofos defender uma verdade objetiva independente do contexto (tempo, espaço, cultura), tanto no contexto da razão como da ética.

Outros defendem uma verdade objetiva, mas varia segundo o ambiente cultural em que se insere.

Já os mais céticos negam ou fortemente desconfiam de toda e qualquer verdade.

Mas afinal, existe ou não a verdade?

Um dos mais relevantes busilis da teoria do conhecimento é observar se a linguagem humana descreve as coisas como são ou se reduz-se a mera convenção arbitrária do homem.

Tal arbitrariedade contudo não foge à lógica e, nem significa que cada ser humano determina subjetivamente a relação entre a língua e a realidade, pois o uso correntes dos vocábulos representa uma objetividade unânime social e convencional.

O tridimensionalismo no direito não surgiu por acaso, e sua evolução, que culmina com a tese de Reale, aponta e define as três dimensões inefáveis do direito, a saber: fato valor e norma (grifo meu).

Anteriormente, já consideradas pelas escolas alemães e, por diversas outras que inicialmente com os normativistas apregoaram um exacerbado culto à norma, cuja precursora fora a Escola da Exegese ou Hermenêutica que reduz o direito à lei escrita;

Em reação a tal pejo normativista, surge a Escola do Direito Livre que toma sobretudo o fato social como fonte da realidade jurídica.

E a filosofia axiológica com sua primorosa concepção de cultura, tem o valor como sentido do direito e, exacerba a sua importância em detrimento das outras dimensões.

Não possuem apenas tais Escolas importância teórica mas, sobretudo na aplicação do direito e na administração e apuro da Justiça.

Entre os autores alemães mais eminentes do século XX foram Emil Lask e Gustavo Radbruch e apuraram a distinção dentro da realidade jurídica do fato, valor e norma.

Tais teorias diante do folclórico embate entre jusnaturalistas e positivistas, colocam o mundo da cultura como o locus onde ocorre a fusão dos valores ideais e, o mundo dos fatos constituído pelas aquisições materiais, e espirituais do homem e através dos tempos.

Seguindo a linha kantiana onde há nítido divisor de águas entre o ser e o dever ser, situando o valor no plano do dever ser (juízos normativos), o plano da realidade causal do ser (juízos causais) enquanto a cultura se insere no juízo dos valores.

Os doutrinadores alemães falaciosos apregoam pela concepção do direito embasada de modo absoluto sobre qualquer desses planos de validade, concluindo pelo valor relativo.

Na Itália onde o tridimensionalismo se apresente em linha contínua, no pensamento de doutrinadores famosos como Icilio Vanni até Giorgio Del Vecchio e Norberto Bobbio a própria divisão didática do direito em gnosiologia (referindo-se ao normativo): ao deontologia referindo-se ao valor) e fenomenologia(concernente ao fato) denota claramente uma perspectiva tridimensionalista.

Legaz e Lacambra e Garcia Maynez realizando uma justaposição de idéias de Kelsen com a filosofia dos valores e a ética de Max Scheler e Nicolai Hartmann. Destes, Max Scheler é o mais se aproxima da concepção unitária, enquanto Hartmann separa totalmente os campos de pesquisa.

O doutrinador argentino Cosio mostra uma tridimensionalidade implícita ao situar o conhecimento do direito como um conceito(norma) a incidir sobre um fato eivado de valorações.

O lusitano Cabral de Moncada parte da teoria de Radbruch e, coloca o problema da tridimensionalidade nas fontes do direito e, muito bem situa o costume como revelação do fato, a lei sendo a revelação da norma e, finalmente a, jurisprudência como revelação da valoração.

Nem mesmo os juristas da common law não restaram indefesos e inexpugnáveis ao tridimensionalismo apesar de calcarem-se sobre outras bases filosóficas.

Austin como sua jurisprudência analítica e jurisprudência histórica fundamentada em Maitland e Summer Maine e as teorias da justiça de tradição jusnaturalista todos trazem a baila a convergência de fato, valor e norma no direito.

Roscoe Pond concluiu que a realidade jurídica que as demais concepções anteriores observaram elementos distintos do agregado direito.

Apontando mesmo criticamente as falhas da separação radical, Pond não atinge a tridimensionalidade específica, por entender que tais três elementos foram objetos de considerações sistemáticas distintas; revelando-se sua tridimensionalidade como transistemática. Na verdade, cada elemento corresponde a um sistema.

Julius Mone afirma que os três campos são objetos do direito, porém não enxerga o direito como sendo tridimensional.

A avalanche e crescente tendência a uma integração dos três elementos destacados pelos juristas anteriores, aparece já presente em alguns doutrinadores cujas teses apesar de distintas, já denotam uma unidade que autoriza classifica-los sob a égide do tridimensionalismo específico ou concreto.

Dino Pasini por exemplo ao enunciar os três momentos (situacional, estrutural e teleológico) são apresentados como único fenômenos e nos permite considera-lo como tridimensionalista, bem ao lado de Luigi Bagolini.

Não trabalha unicamente sobre a realidade jurídica, procurando uma fórmula social mais abrangente partindo do tridimensionalismo.

Peculiar entendimento possui Wilhelm Sauer, por ter sido, juntamente com Reale, o primeiro a fixar as bases do tridimensionalismo específico em oposição ao genérico reinante.

Tal doutrinador alemão, partindo da síntese de Leibniz e da concepção de cultura de Fichte, se inspira ainda principalmente em Hegel. Onde a dialética é essencial para se compreender a síntese dos três elementos fundamentais, tais como a tríade sagrada da ciência jurídica.

O valor é a essência das coisas, é a menor unidade de valor perceptível. A reunião axiológica torna-se o objeto da filosofia, e seu conjunto harmonioso constitui a cultura.

Nenhum desses autores Sauer, Hall, Reale e Siches entre seus ensinamentos confere a juridicidade a alguma das três dimensões em separado e, nem defende qualquer predominância.. Daí, serem considerados tridimensionalistas específicos.

Na ótica de Reale, Sauer ressalta o fator axiológico enquanto que Hall o fato sociológico e, ambos deixam in albis o problema de como resolver ou configurar a correlação existente entre as três dimensões.

A influência kantiana é crassa e mesmo confessada no pensamento de Reale, sobretudo, no rigor metodológico e, na busca da unidade concreta pura para sua interpretação de fatos, valores e normas.

O método visto na função de condição de possibilidade para compreensão do fenômeno jurídico. Daí, a relevância dos pressupostos metodológicos adotados por Reale, um desses, é a intransponibilidade kantiana entre as esferas do ser e do dever ser.

Afasta-se Reale do criticismo transcendental puro na medida que admite uma estrutura puramente lógica-formal no ato de conhecer, mitigando o elemento estimativo ou axiológico, apesar de ser responsável pela dinâmica do conhecimento enquanto historicidade e processo.

O valor seria então meramente transcendente,mas sim, imanente à estrutura mesmo do ato gnosiológico. O que torna patente ser a verdade jurídica é sumariamente fruto de um corte epistemológico até por não suportar profundas incursões sobre sua origem e realidade.

Tanto Hartmann como Reale acreditam que sujeito e objeto, ocupam um mesmo plano ontológico, face a única realidade cognoscitiva.

Um dos pomos da discórdia é a idealização ou platonização dos valores que para Hartmann devem ser entendidos pela histórica que é a representação do próprio homem e de sua autoconsciência espiritual.

Contrariando Hartmann e também Scheler, Miguel Reale a enxerga que os valores referem-se ontologicamente ao plano de existência, assim como o dever ser, e o homem se constitui num ente único(ser uno) onde funde-se a ontologia e a axiologia, uma vez que o homem é, enquanto deve ser.

A conduta humana assume para Reale e sua fenomenologia da ação, cinco modalidades diferentes, religiosa, moral, autônoma, convencional e econômica.

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A diferença entre o direito e a moral é o centro de pesquisa de tantos juristas está segundo Reale, no fato de que a bilateralidade jurídica estabelece relações entre as pessoas em razão de algo que atribui a elas determinados comportamentos.

A energia espiritual da conduta humana tende a normatizar-se. O direito seria assim uma vinculação bilateral-atributiva da conduta humana para realização ordenada dos valores de convivência.

Conceituar a conjectura não é tarefa fácil, até porque não existe uma nítida diferença entre os objetos cognoscíveis e os incognoscíveis, mas também quantitativa.

Pois os objetos conhecidos permanecem como pano de fundo onde só o pensamento conjetural consegue penetrar.

Reale ainda ressalta que conjectura não se confunde com palpite por resultar, criticamente com palpite por resultar criticamente de razões de plausibilidade ou verossimilhança.

Conjecturar é sempre uma tentativa de pensar além do conceitualmente verificável que também não se confunde com a analogia, com a probabilidade, coma intuição e com a fé nem com a linguagem metafórica dos mitos.

A conjectura é mais ampla que a analogia, mais desvinculada à experiência direta e, nem está adstrita à similute e às estatísticas.

Através de conjectura se ventila suposições plausíveis fundadas em experiência e jamais em contradição com ela...

A conjectura é o modo de pensar que transcende o evidente e o empiricamente comprovável.

Reale parece adotar a perspectiva ontológica que enxerga o ser humano como um carente de conhecimento puro, embora recuse expressamente a posição retórica.

Seu conceito de ciência exemplifica bem como as pretensões a uma ontologização objetiva da realidade, apesar da ênfase sobre a conjectura como metafísica legítima.

Só parcialmente procede a redução da ciência à sua linguagem, pois qualquer domínio científico possui atitude direcional do espírito à face do real, tal atitude enredada na trama de sinais e signos cuja validade significativa depende da ciência.

Ressalta Reale o paradoxo ao afirmar que o pensamento conjetural não deixa de atender às exigências do pensamento científico, embora não se confundam.

Hartmann defende adiante a noção do meta-racional e em certo sentido localizamos em todos conhecimento sua base conjectural e se apóia desde de Sócrates que se proclamava “ser a linguagem, o nosso logos” e, o lugar de nossa verdade.

Mais que uma verdade intradiscursiva, a conjectura abre caminho para um conhecimento mais sólido do que uma certeza peculiar às ciências.

A hierarquia de Reale não é axiológica e nem boba é mais sistêmica do que residual como era a de Platão; não há qualquer preconceito místico contra a realidade ou contra a autenticidade da percepção como ato de conhecimento.

Citando uma frase que atesta a isenção de Reale ao abordar em “Verdade e conjetura”, in verbis:

“ De reste, muitas asserções que andam por aí como “verdades” assentes no campo da sociologia ou da economia; e até mesmo no mesmo no das ciências tidas como exatas, não passam de conjecturas inevitáveis, que seria melhor recebe-las como tais” (...) e são elas que compõem a maioria de nossas convicções e atitudes...

A verdade então quer na hermenêutica, quer na ciência exata, quer na ciências humanas fica a depender da precisão gnosiológica capaz de transpor o tempo e da história das tentativas.

A relação entre a verdade e a conjectura é de destino e caminho apesar de que nem todo caminho leva ao destino que se quer chegar.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. Verdade versus conjectura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3791, 17 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25648. Acesso em: 17 abr. 2024.

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