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Os postos de gasolina em canteiros e praças.

Um crime ambiental

01/01/2002 às 01:00
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A Capital Federal, patrimônio da humanidade e do Brasil, cidade de todos os brasileiros, oferece ao visitante um bom número de canteiros com obras em andamento, dentro de tapumes, além de se ver algumas já prontas e em pleno funcionamento, tal qual em Campo Grande/MS, onde a Justiça, por ora, paralisou a construção de postos de gasolina sobre canteiros e praças, acatando estudo feito pelo Ministério Público Estadual, de que estas áreas públicas não podem ser descaracterizadas.

A questão jurídica resume-se na seguinte indagação: praças e canteiros públicos podem ser entregues a particulares para tal finalidade ?

Esses espaços públicos estão definidos no Código Civil Brasileiro como "bens de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas e praças" (art. 66, I), não podendo ser confundidos como "bens de uso patrimonial" do Poder Público (União, Estados, Municípios e DF Art. 66, III), acrescentando-se, finalmente, à categoria de bens públicos, os chamados de "uso especial", como os edifícios da esplanada do ministério.

Em seguida, o art. 67, da Lei Substantiva, veda a alienação dos bens públicos, sem contudo distingui-los, ao rezar que "só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever".

Porém, em 1967, adveio uma medida provisória do regime de então, quando editou-se o Decreto-Lei nº 271, em cujo art. 7º foi introduzida a figura da concessão de direito real de uso de terrenos públicos:

"É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social"

Ora, essa remissão a terrenos públicos e particulares refere-se aos BENS DOMINICAIS, jamais a ruas, praças e canteiros, como se propaga por este Brasil afora.

Assim é que, várias Constituintes Locais, como a de Campo Grande/MS, previram essa figura na Lei Orgânica Municipal, ao disciplinar que somente os bens dominicais poderão servir a tal finalidade, e mesmo assim, diga-se de passagem, para empreendimentos com manifesto interesse público e social, "in verbis":

"Art. 105 Na disciplina da ordem econômica e social, o Município, atendendo aos ditames da justiça social, deverá obedecer os seguintes princípios:

I apoio às associações de moradores, clubes de mães e entidades de assistência social, mediante subvenções e concessão de direito real de uso de imóveis municipais, exceto daqueles que estejam sendo utilizados com atividades de caráter contínuo e dinâmico, impossibilitados, a bem do serviço público, de interrupção do fluxo normal de trabalho;

II destinação de áreas municipais, por concessão de direito real de uso a pequenos agricultores, para criação de um cinturão de abastecimento do mercado de hortifrutigranjeiros".

Tanto que esta é a interpretação mais razoável, que a doutrina, sob o magistério respeitoso da festejada Profa. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (cf. Direito Administrativo. 13ª ed. Atlas. São Paulo:2001, pág. 555), que, ao discorrer sobre o Decreto-lei nº 271/67, usado pela Administração para desvirtuar a finalidade desses bens, ensina com clareza mediana:

"CONCESSÃO (é o ) instrumento de utilização de bem público dominical por particular..."

Logo, a primeira conclusão convola-se para a certeza de que os bens de uso comum do povo, como ruas, praças e canteiros, não podem ser utilizados pela Administração como se fossem bens dominicais, ou seja, bens seus particulares, usados de acordo com a conveniência e oportunidade do Poder Público.

Assim feito, passa-se agora a incursionar sobre a natureza jurídica dos chamados "bens de uso comum do povo", em nome de quem existe a República Federativa Brasileira quando menciona que "todo poder emana do povo" (art. 1º, parágrafo único, CFB).

O redator do vetusto Código Civil, prestes a ser sepultado, da lavra do culto e imortal CLÓVIS BEVILÁCQUA, lembrado pelo seu festejado discípulo e Prof. Whashington de Barros Monteiro (cf. Curso de Direito Civil, Saraiva, SP, 1º v., 1975, p. 153), já lecionava no alvorecer do século XX:

"Os primeiros pertencem a todos (bens de uso comum do povo). Podem ser utilizados por qualquer pessoa (res communis omnium). CLÓVIS CHEGA MESMO A AFIRMAR QUE O PROPRIETÁRIO DESSES BENS É A COLETIVIDADE".

Atualmente, veja-se o ensinamento do Prof. CELSO FIORILLO, da PUC/SP (cf. Manual De Direito Ambiental e Legislação Aplicável, Max Limonad, SP, 1997, págs. 94/9):

"Existe no nosso ordenamento jurídico positivado, uma categoria de bem, que é difuso, cuja titularidade difere daquela própria do bem público. E, tanto isso é verdade que o legislador constituinte demonstrou a sua existência, quando aludiu a bem de natureza difusa (art. 225 da CFB), de uso comum do povo, cuja defesa incumbe ao Poder Público quanto à coletividade.

Enfim vale lembrarmos que o patrimônio ambiental, bem ao contrário do que dizem os juristas e algumas leis, não é res nullius, mas res omnium coisa de todos. Portanto, vislumbramos no nosso ordenamento jurídico a existência de três distintas categorias de bens: público, privado e difuso".

Não poderia, portanto, ser outro o entendimento, ante aos ensinamentos balizados, ora trazidos à baila, mormente sob a batuta categórica e taxativa do municipalista PETRÔNIO BRAZ, (cf. Direito Municipal na Constituição, SP, ed. de Direito, 4ª ed., 2001, pág. 88), "in verbis":

"A concessão sempre dependerá de lei autorizativa NÃO PODERÁ OCORRER COM OS BENS DE USO COMUM e se realizará mediante contrato, precedido de licitação".

Tanto é verdade que o projeto do NOVO CÓDIGO CIVIL altera o art. 67, quando este faz referência genérica de que os bens públicos são inalienáveis, só perdendo este perfil nos casos e forma que a lei determinar, dando a entender que tanto os bens de uso comum do povo, os de uso especial e os dominicais poderão ser desafetados e serem inseridos no comércio jurídico de direito privado, nas várias modalidades de contrato.

O novo art. 67, renomeado como Art. 100, então, passará a ter a seguinte redação, como evolução da jurisprudência:

"OS BENS PÚBLICOS DE USO COMUM DO POVO E OS DE USO ESPECIAL SÃO INALIENÁVEIS, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar".

"Lege ferenda", então, o legislador separou os dominicais dos bens de uso comum e os de uso especial, dizendo, doravante, como vem sendo interpretado pelos Tribunais e juristas de escol, que somente os bens dominicais poderão entrar no comércio jurídico, independentemente de lei autorizativa.

Demais, a qualificação dos bens públicos de uso comum do povo foi recepcionada pelo art. 225, da CFB, como bens difusos e coletivos, como frisa o Prof. FIORILLO, de modo QUE SÃO INSUSCETÍVEIS DE "SER OBJETO DE POSSE, NEM SOBRE (OS MESMOS) FAZER QUAISQUER CONTRATOS" (cf. MARCELO CAETANTO, cit. por Maria Silvia Z. Di Pietro, obra cit. pág. 542), porque se destinam à finalidade ambiental, estética e urbanística de uma pólis, em razão da prevalência do interesse de todos ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, alçado a direito subjetivo individual e coletivo pela Carta Coragem de 1988, sobre eventual direito de se exercer-se atividade econômica, assim talhado, magistralmente pelo Constituinte:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Por essas e outras, repete-se para o enfrentamento correto da questão, é que o legislador de 1988 alçou os bens de uso comum do povo à categoria de bens difusos e coletivos (art. 225), numa evolução doutrinária e jurisprudencial acolhida até mesmo no novo Código Civil, conforme supra salientado.

Conclui-se, então, que, doravante, o art. 7º, do Decreto-Lei nº 271/67, além de eventual legislação neste sentido (face ao princípio da hierarquia das normas jurídicas, em vista do contido no art. 225, da Carta Magna), que criou o instituto de concessão de direito real de uso entre nós, ao dispor sobre esta figura jurídica, está fazendo remissão aos BENS DOMINICAIS, quando usa a expressão "terreno público", jamais sobre ruas, praças e canteiros, como interpreta a Administração Pública para revestir de uma suposta legalidade a depredação do espaço urbanístico e estético das belas cidades brasileiras, ora em velocidade de cruzeiro.

Porém, a história seria outra, se se cuidasse de obras sociais e se essas concessões de uso fossem sobre bens particulares da Administração, e desde que gerassem atividades de cunho essencialmente público e social, como um posto de saúde, um posto de assistência jurídica, uma creche e tantas outras atividades voltadas para o interesse social, MAS NUNCA, com licença pelo destaque, UM POSTO PARA VENDER DERIVADOS DE PETRÓLEO, ainda que recaísse sobre qualquer espécie de bem público.

Aliás, os Tribunais vem enfrentando a questão com muita sapiência, tutelando adequadamente os bens de uso comum do povo, desvinculada da interpretação individualista reinante no direito privado, motivo pelo qual sobressaem-se os ensinamentos do novo ramo da ciência jurídica, que é o Direito Ambiental, que possui regras e princípios próprios, constituindo-se, portanto, em disciplina jurídica autônoma e de grande valia nos dias atuais.

Veja-se o que já se decidiu, reiteradamente:

"MEDIDA CAUTELAR. LOTEAMENTO URBANO. FAIXA RESERVADA À UTILIZAÇÃO PÚBLICA. DESTINAÇÃO DIVERSA PELO MUNICÍPIO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

Nos loteamentos urbanos, o destino a ser dado à faixa de terreno reservada à utilização pública, subordina-se obrigatoriamente, ao que estabelecem os arts. 4º e 5º da Lei 6.766, de 19.12.1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo. Assim, não pode o Município, no que concerne a essas áreas que foram afetadas ao seu patrimônio por força de norma legal e com a finalidade de implantação de equipamentos públicos urbanos, de sistemas de circulação e para espaços livres, destinar parte das mesmas, mediante permissão de uso de terceiros, para construção de habitações, ainda que visando instalar programa de moradias para a população carente, sobretudo porque tais áreas nos termos do diploma legal antes referido, integram a parcela do loteamento non aedificandi" (ApCiv 4.028/98 3ª CC TJRJ j. 01.09.1998. In: Revista de Direito Ambiental. Janeiro/2000, pág. 307)

Por conseguinte, eventual lei que disponha sobre a utilização indevida desses espaços coletivos, deverá ser provocada sua invalidação via meios próprios e adequados, segundo iterativa jurisprudência:

"INCONSTITUCIONALIDADE Lei municipal Desafetação de ruas e vias públicas de loteamentos Inadmissibilidade Áreas Institucionais Ofensa ao art. 180, inciso VII, da Constituição Estadual Cerceamento do uso comum de bens públicos Inconstitucionalidade reconhecida Ação direta procedente.

É da jurisprudência que, com relação aos bens de uso comum, as áreas previamente reservadas não podem, em qualquer hipótese, ter alterada sua destinação, sob pena de violação ao estabelecido no art. 180, inciso VII, da Constituição Estadual."

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(ADIN nº 52.027-0, TJSP, Rel. Fonseca Tavares 23.08.00 Cit. Jornal "Tribuna do Direito", Caderno Jurisprudência, ed. setembro/2001, SP, pág. 308).

Em relação a postos de combustíveis, mais de uma vez já restou decidido:

"AÇÃO POPULAR LIMINAR DEFERIDA, AD CAUTELAM PARA SUSTAR POR ORA OS EFEITOS DA CESSÃO DE USO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM POSTO DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS EM PARTE DE UMA PRAÇA DE USO COMUM DO POVO A CONCESSÃO DA LIMINAR, EMBORA NÃO SERVINDO PARA A PRESERVAÇÃO DE VEGETAÇÃO QUE EXISTIA NO LOCAL, OBJETIVA SUSTAR POR ENQUANTO A CONSTRUÇÃO DO REFERIDO COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS EM LOGRADOURO PÚBLICO, ATÉ MELHOR EXAME DA SITUAÇÃO JURÍDICA RECURSO IMPROVIDO.

(Ag. Inst. Nº 1999.002.13560, de 20/06/2000, 12ª VARA CÍVEL RJ Rel. TJRJ - Des. Gamaliel Q. de Souza).

No Estado do Pantanal sul-matogrossense, a Excelsa Corte já se pronunciou (Agravo Regimental em Agravo nº. 2001.005242-6/0002-00 Campo Grande. Rel. Des. Jorge Eustácio da Silva Frias. DJMS, 05.09.01, pág. 08).

"AGRAVO REGIMENTAL CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO ATIVO A AGRAVO DE INSTRUMENTO CAUTELAR INOMIMADA PARALISAÇÃO DAS OBRAS DE CONSTRUÇÃO DE POSTOS DE COMBUSTÍVEL NOS CANTEIROS CENTRAIS DO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL APARENTE NECESSIDADE DE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NÃO PROVIMENTO.

Mostrando-se plausível a necessidade de oitiva dos poderes públicos estadual e federal para autorização de obras que, aparentemente, agridem o meio-ambiente, a licença concedida apenas pelo Município, ainda que atendendo integralmente sua legislação, não é bastante para dar autorização a seu início.

A possibilidade concreta de as obras agredirem o meio-ambiente recomenda sua paralisação, até porque os prejuízos econômicos que alguns poucos podem experimentar não justificam os enormes danos ambientais, de dificílima recuperação, que pode sofrer toda uma coletividade".

Assim, a possibilidade de haver concessão, permissão, autorização, ou seja lá qual for o instrumento jurídico usado pela Administração, para dispor sobre o uso de praças e canteiros para fins particulares, como construções de empreendimentos privados, merece ser respondida negativamente, ante aos fundamentos acima delineados, merecendo a mais pronta ação da Justiça, que deve ser provocada pelo Ministério Público, guardião-mor dos interesses sociais e indisponíveis, segundo a Carta Política, além de outras pessoa legitimadas, obviamente.

Por outro lado, vislumbra-se a ocorrência de crime ambiental contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural, segundo promana o art. 62, da Lei da Natureza (lei nº 9.605/98), quando diz que "destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei" acarreta a reclusão de um a três anos, além de pagamento de multa.

Porém, como na nossa cultura, existem leis demais para ações de menos, seria oportuna a iniciativa de ONGs, do próprio Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB, além do CREA, para impedir o avanço da desmedida e insana indústria de postos de combustíveis sobre canteiros e praças, como se não houvesse outros locais para fincar este tipo de empreendimento, aliás protegido constitucionalmente, todavia, é para ser exercitado segundo os diplomas ambientais e urbanísticamente aplicáveis em cada caso, como expressão do direito de todos à sadia qualidade de vida ambientalmente equilibrada e que não ofenda ao cartão postal das belas urbes das terras de Jorge Amado e Manoel de Barros.

Por fim, lembrando que o homem é um ser gregário por natureza, de modo que as cidades sempre existirão, devendo-se, portanto, amá-las como extensão do lar, em que não é permitido o caos, pois só assim restará assegurado o direito de se viver de forma sustentável e com sadia qualidade de vida, como já dizia o nacionalista poeta OLAVA BILAC: "nunca vi glória mais alta, do que a glória de quem ama", ou seja, feliz de quem ama a cidade que lhe acolhe e a liberta dos ataques que lhe diminua o prazer em vê-la bela e esteticamente inalterada, diariamente, bem como no futuro, para deleite das atuais e vindouras gerações.

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Sobre o autor
Haroldo José de Lima

promotor de Justiça em Campo Grande (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Haroldo José. Os postos de gasolina em canteiros e praças.: Um crime ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2569. Acesso em: 27 dez. 2024.

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