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A tese de Hans Kelsen, a norma fundamental e o conceito de justiça

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07/11/2013 às 11:12
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O texto esboça de forma didática e genérica as principais contribuições de Hans Kelsen sobre os conceitos de norma fundamental e justiça.

Palavras-chave: Norma jurídica. Kelsen. Justiça. Teoria Geral do Direito. Teoria Pura do Direito.


Hans Kelsen[1] é reconhecidamente um dos maiores teóricos do Direito do século XX sendo uma referência imprescindível para a reflexão sobre a adequação e profundidade das normas jurídicas e do fenômeno jurídico.

Além do interesse no estudo da história das ideias é o fato de que a sua obra continua mesmo até hoje a ser muito importante para as cruciais questões da teoria do Direito. Permanecendo como fonte quase inesgotável de polêmicas, controvérsias e de desafios. Os diversos matizes filosóficos da doutrina jurídica reconhecem que Kelsen buscou um conceito universalmente aceito do Direito e independente da conjuntura em fosse aplicado. E, tal objetivo foi em grande parte alcançado.

A Teoria Pura do Direito deitou suas raízes na filosofia de Immanuel Kant e não em princípios metafísicos da doutrina jurídica, sendo focada na Crítica da Razão Pura e, mais, precisamente, na lógica transcendental. Suas origens kantianas estão reconhecidamente confessas no capítulo III que se refere à categoria do dever, considerado como categoria da lógica transcendental.

Nesse particular, estabeleceu um paralelo entre a imputação e a causalidade, sendo essa, uma categoria transcendental, um princípio gnosiológico que permite compreender a realidade virtual.

Kelsen rejeitando a inspiração kantiana da doutrina do direito natural, afirmou que a Teoria Pura do Direito refere-se ao direito positivo[2], vendo no “dever”, de Solen, uma categoria lógica das ciências normativas.

Na edição de 1960 de sua obra, Kelsen se dirigiu à aplicação da teoria do conhecimento de Kant, concebendo a norma fundamental como condição lógico-transcendental de validade da ordem jurídica.

Estão presentes as influências do neokantismo[3] havendo Renato Treves afirmado que tal influência teria terminado em torno de 1940. Ao reelaborar a Teoria Pura do Direito em sua derradeira versão, veio Kelsen incorporar as construções de Teoria Geral do Direito e do Estado tendo conservado os princípios da lógica transcendental principalmente quando determinou o objeto de estudo ou conhecimento e ainda afirmou o fundamento de validade da norma jurídica.

Suas contribuições[4] foram de amplo espectro, e pretendeu fundar a verdadeira ciência do Direito, procurando atender aos questionamentos: “o que é” e “como é o Direito”. Buscou estabelecer a teoria do conhecimento jurídico traçando-a bem delimitada pelo direito positivo que é o direito posto.

O objeto da Ciência do Direito[5] positivo é conceituado como sistema de normas e para tanto recorreu ao postulado metodológico da pureza. Tal método de pureza utilizado por Kelsen fora criticado, tendo sido acusado de tentar indevidamente purificar o Direito, isolando-o dos fatos morais, políticos e sociais.

No entanto, Kelsen reconheceu que o Direito tem relações estreitas com outras ciências. Mas a Teoria Pura do Direito não tratou de fenômenos prévios ao estabelecimento da norma jurídica e a fixação de seu conteúdo, ocupa-se da norma posta (positiva).

Não pretendeu purificar o Direito, e nem mesmo supôs que a ciência jurídica seja uma ciência matemática posto que como ciência social aplicada, não seja definitivamente uma ciência exata. O próprio Kelsen tratou das aproximações e distinções entre o Direito e Moral, registrou também a relação entre a justiça e o direito.

Apontou a equivocada identificação que se faz entre a ciência e o seu objeto. E, ainda a equivocada sinonímia de Direito e ciência jurídica[6].

Na Teoria Pura do Direito, o objeto do conhecimento[7] jurídico é o Direito que representa um sistema de normas que regem a conduta humana. As normas jurídicas adquirem sentido objetivo de “dever ser”, o que põe em relevo seu caráter de imperativo, tanto de imposição como  proibição apesar de existir também, outras funções deônticas.

A norma como “dever ser” provém da influência da teoria dos imperativos de Kant  presente na sua obra “Fundamentos da Metafísica dos Costumes”. O “dever ser” mostra uma relação de uma lei objetiva da razão com a vontade.

Na doutrina kantiana, os imperativos categóricos impõe “dever ser” incondicional simbolizando a conduta devida, independentemente de qualquer condição, enquanto que os imperativos hipotéticos impõe um imperativo condicional dependente de uma hipótese previamente concebida, exemplificando na proposição: “se A é, deve ser B”. “Na qual A é a condição de cuja realização depende da exigência do “dever” simbolizado por B”.

Desta forma, Kelsen ao conceber a norma como um “dever ser” que tem sua origem em um ato de vontade remonta às bases kantianas. Mas o sentido do “dever ser” não tem sentido axiológico, não se vincula a qualquer pretensão de ordenar a ação de ser racional movido pela representação do dever, e não envolve a ideia abstrata e transcendente do dever. É somente um significado lógico[8].

“Ser” e “dever ser” são dois conceitos puramente formais, duas formas que podem tomar todo e qualquer conteúdo, mas precisam de certo conteúdo para ter portadores de sentido.

Entre o “ser” e o “dever” há o irredutível dualismo que explicita que um “dever ser” não pode se reduzir a um “ser”, assim como um ser não pode se reduzir a um “dever ser”.

De um “ser” não se deduz um “dever ser”, assim como do “dever ser” não se deduz um “ser’. Enfim, o “ser” não se converte em “dever ser” e nem este em “ser”. Tal dualismo exposto por Kant fixou as fronteiras bem demarcadas entre o mundo da natureza e o mundo da razão, onde impera a causalidade e da liberdade[9], onde os seres racionais podem agir pela representação do dever.

Apesar de “ser” e “dever ser” sejam formas distintas e irredutíveis, na doutrina de Kelsen, as relações entre estes aparecem na gênese das normas que integram o sistema jurídico, nas relações existentes entre a natureza e o Direito, entre o ato e o significado, entre a vontade e a norma.

Os atos que adentram ao domínio do Direito e adquirem qualidade de jurídicos, neles existem elementos da natureza (do mundo do ser) que podem ser captados pelo sensorial e outros elementos que não podem ser captados.

O que confere o sentido jurídico aos atos e fatos não é o seu ser natural, é uma norma jurídica, que os qualifica e que funciona como esquema de interpretação com relação a eles. A norma jurídica que empresta sentido jurídico aos fatos de natureza, dentre os quais os atos humanos, é também, por sua vez, o sentido de um ato externalizado no reino do “ser”, no mundo da natureza. Reconhece-se que o fato do reino do ser representa o suporte para o significado, para o reino do dever ser.

O ato propulsor da norma é ato de vontade intencionalmente dirigido à conduta de outrem, devendo haver o sentido objetivo e subjetivo. Mas a norma não é fruto do ato de vontade, embora esta seja imprescindível para sua criação e positivação.

Lembremos que o ato de vontade está no plano do “ser”, sendo fático no mundo da natureza. Kelsen refutava as críticas que lhe fizeram quando apontaram que a norma, em sua teoria, é a vontade do Estado, salientando que é errôneo encarar a norma como “vontade” ou “comando” do legislador ou do Estado[10].

A norma não pode ser caracterizada como vontade nem psíquica e nem despsicologizada, posto que não esteja no plano do “ser”, mas é sentido de um ato de vontade que se interpreta como dever ser.

Kelsen definiu in litteris: “Norma é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou, especialmente facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém.”.

Tal concepção ainda dá destaque a norma que é o sentido do ato, e não o próprio ato agrega à função da norma jurídica de prescrição que engloba a imposição e a proibição de funções de permissão, de autorização e, ainda, a derrogação que implica na abolição de validade de uma norma por outra norma.

São funções deônticas que se compreendem como “dever ser” e não se refere ao futuro, não é temporal. A gênese da norma pela correlação entre o ato de vontade e o sentido objetivo do “dever  ser” que lhe é conferida por uma norma válida do sistema se processa em diversas instâncias competentes para criar as normas gerais e as normas individuais.

Na dinâmica do Direito sempre em constante formação, todo processo de criação da norma é, simultaneamente um processo de aplicação de normas. Todo processo de aplicação da norma é simultaneamente a criação da norma[11].

Exceto em dois casos extremos, o da pressuposição da norma fundamental e o da execução do ato do ato coercitivo. Fora desses casos, todo ato jurídico é, simultaneamente, aplicação de uma norma superior e produção de uma norma inferior, regulada por aquela.

O Direito, segundo Kelsen é uma ordem normativa da conduta humana, um sistema de normas que regulam o comportamento humano.

As normas jurídicas que compõem essa ordem não surgem de fontes e de instâncias estranhas[12] ao próprio sistema jurídico, mas se formam mediante o processo por ele mesmo regulado. Assim, o Direito é a sua própria fonte, enquanto regula o seu permanente processo de autoprodução.

A norma jurídica[13] só existe no sistema e a identificação feita por Kelsen entre a validade e a existência da norma jurídica se explica exatamente porque só adquire sentido dentro do sistema que a regula.

Existiram várias propostas doutrinárias preocupadas em distinguir as normas religiosas das normas morais, das normas convencionais e baseadas em critérios que se tornaram clássicos, firmados em dualismos antinômicos[14] como os da autonomia e heteronomia, da interioridade e exterioridade da unilateralidade e bilateralidade, da faculdade e coercibilidade.

E com fulcro em tais critérios buscava as classificações que nenhuma proposta se revelava satisfatória. Norberto Bobbio[15] destacou que ao contrário da doutrina tradicional que caracterizava a ordem jurídica como o sistema normativo composto de normas jurídicas, definindo o ordenamento pela natureza das normas, a perspectiva consagrou que as normas são jurídicas porque fazem parte do ordenamento jurídico.

Bobbio ainda sustentou que o estudo do ordenamento jurídico como objeto autônomo de estudo é recente e, em sua metáfora apontou que se realçava mais o estudo das normas (consideravam-se as árvores, mas não a floresta).

A partir do momento em que a norma jurídica passou a ser considerada parte de um todo mais vasto e, que o ordenamento jurídico passou a ser tratado de forma autônoma, alguns impasses se dissiparam, tais como os conflitos entre normas, da norma entre e princípio, da norma sem sanção, das lacunas, da aplicação analógica, da própria criação de normas, sejam gerais e individuais, mediante aplicação de outras normas.

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O isolamento dos problemas do ordenamento jurídico e dos da norma jurídica propiciado principalmente pela Teoria Geral do Direito de Hans Kelsen. Revela que tinha consciência dos problemas conexos com a existência do ordenamento jurídico e, por isso, dedicou-lhe especial atenção.

Através da contribuição de Kelsen a Teoria Geral do Direito é construída sobre o cimento da análise estrutural da proposição jurídica. E o tratamento do Direito como uma ordem normativa, um sistema de normas, permitiu equacionar e buscar a resposta para as questões que antes não foram solucionadas em face do isolamento da norma, sem sua devida inserção no sistema normativo.

A diferenciação do Direito das demais ordens normativas[16] não se dá em razão da existência de sanções punitivas ou premiais, mas porque se apresenta como ordem coativa, no sentido que aplica à inobservância da conduta prescrita uma pena que deve ser aplicada, e no caso de resistência, com recurso à força física.

A mera pluralidade de normas não basta para se definir o Direito como sistema. Pois é preciso que haja fundamento comum a essas normas para que a ordem jurídica forme um todo unitário. O fundamento de validade comum confere unidade ao sistema normativo, ao mesmo tempo em que confere validade para todas as normas que possam a este ser referidas.·.

Concebeu Kelsen o ordenamento jurídico como um sistema do tipo dinâmico, em que, diferentemente dos sistemas do tipo estático, o fundamento de validade de uma norma não é referido ao seu conteúdo, mas à sua forma de criação.

A representação geométrica do ordenamento jurídico como uma pirâmide espacial trazida por Kelsen colhida pelos membros da Escola de Viena, e por Adolf Merkl onde as normas são organizadas em degraus inferiores e superiores, em uma relação supra-infra-ordenação.

Mesmo nos ditos ordenamentos organizados de forma linear existirá uma coordenação entre a norma de grau superior e outra de grau inferior, pelo menos no que concerne às relações entre as normas constitucionais e ordinárias (legisladas e consuetudinárias) e, de modo geral, as normas individuais.

Seja a estrutura piramidal dotada de vários escalões ou de um número reduzido de degraus, o fundamento de validade será buscado em norma superior do sistema. A atribuição de competência é uma função deôntica, e, assim, depende de seu estabelecimento pela norma.

A teoria da norma fundamental[17], conforme advertiu Kelsen, não é uma teoria do reconhecimento, mas uma teoria do conhecimento jurídico.

Esta não exerce qualquer função ético-política ou ideológica, mas, tão somente uma função teorético-gnosiológica. A norma fundamental (grundnorm) não é uma norma positiva, não é uma norma posta. Trata-se de norma pressuposta é uma hipótese teorético-gnosiológica bem peculiar da Ciência do Direito.

E tem dupla função: constitui unidade da pluralidade de normas, enquanto representa o fundamento de validade de todas as normas pertencentes à ordem normativa. A norma fundamental[18] não tem caráter axiológico, pretende ser uma resposta teorética para a validade das normas do sistema jurídico positivo, unificando a pluralidade de normas em um fundamento comum.

A respeito da norma fundamental baseada na Teoria da Ficção de H. Vaiginger (efetivamente publicada em 1964), a norma fundamental tida como ficção afirmando que, contra a suposição de uma norma não estabelecida por um ato real de vontade, mas, somente pressuposta no pensamento jurídico, é possível argumentar que a norma pode somente constituir o sentido de um ato de vontade, não o sentido de um ato do pensamento, porquanto existe correlação essencial entre “dever” (Sollen) e “querer” (Wollen).

Ao formular o conceito de regra de reconhecimento, Hart oferecia o que, a seu ver, trata-se de uma evolução da norma fundamental. De caráter secundário consiste na regra suprema do sistema jurídico, que estabelece quais as que devem ser reconhecidas como juridicamente válidas, ou seja, identificam quais regras diretas, regras primárias de obrigação, devem pertencer ao sistema normativo.

Tanto a norma fundamental como a regra reconhecimento consideradas por diversos doutrinadores são regras superiores do ordenamento jurídico, no entanto, a noção de validade não é aplicável para a regra de reconhecimento. Enquanto a norma fundamental de Kelsen possui uma existência metafísica em que a noção de validade é central para sua doutrina.

A regra de reconhecimento não depende de coerção para a validade. Sua existência é uma questão de fato. Sua função é fornecer um critério de reconhecimento para a identificação de regras. Pode incluir critérios de validade. Fornece validade às regras dentro de um ordenamento jurídico ao permitir que aplicadores do Direito reconheçam outras normas secundárias e primárias. Fornece unidade ao ordenamento jurídico. Sua validade (que não possui qualquer importância em sua teoria) não pode ser demonstrada; esta simplesmente existe. Não há conexão necessária entre a validade e a eficácia de uma regra (salvo se a regra de reconhecimento contiver essa previsão).

Já a norma fundamental é baseada na coerção, é ficcionalmente pressuposta, sua função é validar todas as normas de um sistema, só existe uma norma fundamental, fornece validade a todo ordenamento jurídico, e também é fonte de todas as outras normas, permite que o aplicador do Direito interprete a validade das normas em um campo de significação não-contraditório. É pressuposta em termos de eficácia, dessa forma, precisa ser válida e a sua escolha não é arbitrária e depende necessariamente da eficácia.

Tal objeção somente pode ser enfrentada reconhecendo-se que, junto à norma fundamental pensada uma autoridade imaginária cujo ato de vontade fingido.

Através dessa ficção, declara a suposição de uma norma fundamental entra em contradição com a suposição de que a Constituição seja validade está fundada na norma fundamental (sendo o ato de vontade da autoridade máxima acima da qual não pode haver nenhuma outra).

Com esse esquema, a norma básica se torna uma genuína ficção no sentido da Filosofia. A norma fundamental é uma norma fictícia que dá significação de um ato de vontade não real, ou seja, fictício. É ficção[19] caracterizada pelo fato de que ela não somente contradiz a realidade mas é também contraditória em si.

Hermann Cohen[20] fundador da Escola neokantiana de Marburgo em sua obra “Lógica do conhecimento puro” substituiu o princípio kantiano novo, o da fecundidade do pensamento puro, que é essencialmente produção autônoma, sem contato com a sensação e a representação.

A doutrina kantiana previa o conhecimento transcendental não se fundava em fato da realidade, e ocupava-se não tanto dos objetos, mas do modo de conhecê-los, enquanto deva ser a priori[21].

Reafirmou desta forma, a filosofia como metodologia da ciência atribuindo-lhe o papel de indagar sobre os elementos a priori do conhecimento científico.

A justiça sempre representou um sonhou irrenunciável da humanidade e no apêndice da segunda edição da Teoria Pura do Direito, Kelsen fez constar o título “A Justiça e o Direito Natural” mas não acompanhou a edição das traduções francesa e portuguesa.

Kelsen não tratou da justiça dentro da Teoria Pura do Direito, até por se referir ao Direito positivo. Mas, ressaltou a importância daquele problema para uma política jurídica, à qual caberia decidir sobre a valoração da conduta humana como conteúdo das normas jurídicas.

Sustentou Kelsen que a justiça é valor constituído por uma norma jurídica que serve como esquema de interpretação de conduta: é justa a conduta que corresponde a essa norma, e será injusta a que a contrariar.

Num tratamento científico da justiça teria como tarefa verificar as normas de justiça e buscar elementos que elas tenham em comum, para se lograr elaborar um conceito geral de justiça.

A justiça é ideal irracional posto que não possa ser apreendida com a razão e nem evidenciada de forma absoluta. A justiça reside na intersubjetividade, é um acalentado sonho da humanidade e não está confinada nos foros de criação e aplicação do Direito, é questão que envolve, em todos os planos, o relacionamento humano e a vida.

Muitas e diversas concepções de justiça foram desenvolvidas ao longo do curso da história mostram que há a permanente tentativa de vencer as insuficiências e as imperfeições das fórmulas que tentaram em vão condensá-la.

A questão de valoração da conduta humana e como deve ingressar no domínio do Direito, com conteúdo das normas, é questão dos valores da sociedade quer proteger e cuja efetivação almeja assegurar.

Sobre o conceito de justiça Hilton Japiassú e Danilo Marcondes na sua obra o “Dicionário Básico de Filosofia” esclarecem é "princípio moral que estabelece o direito como ideal e exige sua aplicabilidade e seu acatamento. Por extensão, virtude moral que consiste no reconhecimento que devemos dar ao direito ao outro”. A justiça prevalecerá somente quando existir a igualdade entre as pessoas e a liberdade de expressão.

O papel das partes interessadas busca relacionar o dano causado pelo delito às necessidades específicas de cada interessado (vítima e transgressor), bem como inventariar um conjunto de possibilidades restaurativas capazes de atender a tais necessidades. O objetivo principal é o de mostrar que a reparação de danos aos sentimentos e as relações, passa pelo fortalecimento dos interessados principais, afetados de forma mais direta.

Cumpre recordar que todos aqueles que possuem uma relação emocional significativa com a vítima ou com o transgressor, são considerados diretamente afetados pelo delito, portanto, fazem parte também do processo restaurativo e participam através de debates.

John Rawls[22] filósofo norte-americano que defende uma teoria da justiça centrada no social e na justiça distributiva. Ao negar o utilitarismo e o individualismo, busca reelaborar a teoria do contrato social. Em sua concepção de sociedade justa, todos devem possuir as mesmas oportunidades, mas os menos favorecidos (minorias) devem ser os primeiros a receber os benefícios da sociedade. Cabe aos mais favorecidos facilitar este processo de redistribuição.

Jüngen Habermas filósofo alemão que critica o excessivo valor dado à razão técnica em detrimento das questões ligadas aos valores humanos. Aponta que a ciência priorizou a técnica a serviço da dominação dirimindo, assim, a autonomia do ser humano. Propõe a retomada dos princípios morais e a consagração de uma sociedade justa e que passa pelo resgate da ação comunicativa entre os seres humanos e, por consequência, pelo estabelecimento de diretrizes morais e éticas capazes de superar as contradições existentes no mundo globalizado.

A justiça restaurativa é conceito baseado na colaboração entre as partes interessadas principais, das pessoas envolvidas diretamente por um delito, com vistas a determinar a melhor maneira de reparar o dano causado. Paul McCold e Ted Wachtel afirmam que a justiça restaurativa busca reduzir ao mínimo o dano causado às vítimas de algum delito.

A justiça restaurativa é composta de três estruturas conceituais diferentes, mas relacionadas, a saber: a janela de disciplina social, o papel das partes interessadas e a tipologia das práticas restaurativas.

A janela de disciplina social busca evitar as práticas puramente punitivas ou retributivas que somente estigmatizam as pessoas de forma negativa, ou práticas permissivas que apenas protegem as pessoas das consequências de suas ações erradas. Seu objetivo é explicar como o conflito pode se transformar em cooperação.

A tipologia das práticas restaurativas através do chamamento ao consenso das partes interessadas (direta e indiretamente) a buscar conjuntamente uma solução efetiva para o conflito, de modo a preencher suas necessidades emocionais. Todos devem ter participação ativa no processo de conciliação. Seu principal objetivo é explicar porque a participação da vítima, do transgressor e das comunidades se faz necessária à reparação dos danos causados pelo delito perpetrado.

Há três tipos de justiça restaurativa: a parcial (que tem a participação de um dos grupos de partes interessadas principais); maior parte restaurativa (tem a participação da vítima e do transgressor através de processo de mediação sem as comunidades); total tem a participação da vítima, do transgressor e das comunidades.

Em síntese, a justiça restaurativa é alcançada através do processo cooperativo das partes envolvidas a fim de encontrar a melhor forma de reparação do dano causado pelo delito. (In: WACHTEL e MCCOLD. Social Discipline Window. 2000).

Gustav Radbruch[23] é lembrado por ter provocado mudanças no Direito positivo e por inspirar as Declarações dos Direitos Humanos. E a construção dos Direitos Humanos têm sido principalmente uma via para a luta contra a violência e a edificação da cidadania.

A transformação na ordem jurídica se fará pela comunidade social, através de seus atos e de seu querer, com os respectivos significados normativos.

De fato pesa sobre os ombros humanos a responsabilidade pelas transformações e inovações do Direito. E esbarra nos limites dos seres humanos em ser capaz de criar utopias e construir realidades.

Ao formular a norma fundamental, a Teoria Pura do Direito não objetivou inaugurar um novo método para a ciência do direito. Apenas propõe elevar o nível de consciência a respeito do que todos juristas fazem (na maior parte das vezes inconscientemente) quando, ao conceituar seu objeto de investigação, rejeitam o direito natural como fundamento de validade do direito positivo, mas, não obstante, entendem o direito positivo como um sistema válido, isto é, como norma, e não como meras contingências factuais de motivação.

Com a doutrina da norma fundamental, a Teoria Pura do Direito analisa o atual processo do duradouro método de conhecimento do direito positivo, com objetivo simplesmente de revelar as condições lógico-transcendentais desse método.

Podemos entender que a função explicativa da norma fundamental encontra-se incorporada na função de fundamentação (ou embasamento), o que torna, portanto, parte dessa função.

Mas, o intérprete não é compelido a entender a função explicativa desse modo. Pode também ser lida como uma função independente, que se refere à postura do jurista, enquanto este, nas palavras de Kelsen, “rejeita o direito natural como o fundamento de validade do direito positivo”, mas, não obstante, entende o direito positivo como um sistema válido[24], isto é, como norma.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária por mais de duas décadas. Mestre em Direito, mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Articulista das revistas e sites jurídicos renomados. Consultora do IPAE.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. A tese de Hans Kelsen, a norma fundamental e o conceito de justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3781, 7 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25714. Acesso em: 29 mar. 2024.

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