1. INTRODUÇÃO
O garantismo penal surgiu a partir dos estudos e reflexões do jurista italiano Luigi Ferrajoli, o qual, a partir da adoção de dez axiomas consagrados como garantias clássicas do cidadão, construiu a ideia de direito penal como um limitador ao poder punitivo, distanciando-se, portanto, do antigo entendimento segundo o qual o direito penal era, na verdade, a regulamentação do referido poder estatal.
Assim, os dez axiomas nos quais se assenta o garantismo penal são: 1) Nulla poena sine crimine; 2) Nullum crimen sine lege; 3) Nulla lex poenalis sine necessitate; 4) Nulla necessitas sine iniuria; 5) Nulla iniuria sine actione; 6) Nulla actio sine culpa; 7) Nulla culpa sine iudicio; 8) Nullum indicium sine accusatione; 9) Nulla accusatio sine probatione; 10) Nulla probatio sine defensione[1]
Segundo o pensamento garantista, o direito penal não deve servir apenas à pessoa ofendida pela conduta delituosa, mas também ao infrator, sendo que este deve ser protegido em face das reações advindas de seu ato, sejam estas reações informais, públicas ou privadas[2]. Com efeito, por essa ótica pode-se dizer que um sistema penal garantista não serve apenas para prevenir os injustos delitos, mas também os castigos injustos.
Destarte, no sentir de Ferrajoli a lei penal representa a “lei do mais débil (ou mais fraco)”, haja vista encontra-se em situação de debilidade o ofendido no momento em que é vitimizado pelo delinquente, passando a ser este o mais fraco no momento que se inicia contra si a persecução penal. Daí se extrai que o garantismo se amolda a um modelo de direito penal mínimo, o qual corresponde a um meio termo entre o direito penal máximo e o abolicionismo penal, significando dizer que o direito penal deve se limitar às situações de absoluta necessidade, cuja pena também será a mínima necessária.
2. LOCALIZAÇÃO DO GARANTISMO PENAL
Trata-se, portanto, o garantismo penal, de um modelo universal destinado a contribuir com a moderna crise que assola os sistemas penais, desde o nascedouro da lei até o final do cumprimento da sanção penal, atingindo, até mesmo, particularidades inerentes ao acusado depois da execução penal[3]. Por essa razão, compreende diversas fases de aplicação, incidindo, portanto, desde a criação da lei penal e processual penal, ditando a escolha dos princípios a serem adotados e dos bens jurídicos a serem protegidos, até o início da persecução penal, seja na fase investigativa ou na jurisdicional.
Segundo Luiz Regis Prado, o garantismo pode ser enfocado sob três aspectos conexos entre si, a saber: a) o garantismo como um modelo normativo de direito, em que se considera como garantista o sistema jurídico compatível com as exigências do Estado de Direito; b) o garantismo como uma teoria jurídica crítica, cuja proposta é a distinção entre a normatividade e a realidade, ou seja, a contraposição entre o ser e o dever se, revelando-se, portanto, como uma oposição ao positivismo dogmático; e c) o garantismo como filosofia política, preconizando a justificação externa do Direito e do Estado no reconhecimento e proteção dos direitos que constituem sua finalidade[4].
Segundo ainda o eminente jurista acima mencionado, o garantismo constitui também uma corrente da filosofia jurídica cujos postulados apresentam importantes e inovadoras diretrizes para legitimação do ordenamento jurídico como um todo, caracterizando-se, essencialmente, pela instrumentalização do Direito e do Estado para que se efetivem direitos e bens fundamentais ao indivíduo[5].
Nesse diapasão, se infere que o garantismo, ante seu caráter universal, não se insere apenas no estudo do direito penal, embora seu surgimento tenha se dado com a ideia de “garantismo penal”. Desse modo, não se pode negar que Ferrajoli formulou uma verdadeira teoria jurídica, ou seja, uma ciência do direito estendível a todos os ramos deste, e albergada, sobretudo, no constitucionalismo[6], ou conforme doutrina mais atual, no neoconstitucionalismo,
3. CONCLUSÕES
Em conformidade com tudo o que foi dito acima, percebe-se que o garantismo pode ser estudado seja como uma ciência do Direito, seja como uma ideia filosófica, ou mesmo como um assunto de direito processual penal. No tocante a este último, o garantismo se evidencia, principalmente, em relação às diretrizes de proteção ao indivíduo diante do arbítrio estatal, mediante a configuração de garantias como a do juiz natural, da estrita observância ao contraditório e à ampla defesa (esta em todas as suas acepções), além das regras de aplicação e execução da pena, como a substituição desta por medidas alternativas, a suspensão condicional da pena e do processo, a transação penal, detração e remição da pena etc.
Assim, o garantismo penal, sendo um modelo universal, transforma-se em um objetivo o qual deve ser seguido por todos os operadores do Direito, independentemente de sua área de atuação. Tal objetivo, por sua vez, será mais fácil de ser alcançado quando houver a integração entre os seus ramos de estudo, ou seja, quando o conhecimento obtido pela via das reflexões abstratas próprias do pensamento filosófico puder ser aplicado ao plano normativo, cuja concretização dependerá sempre das regras de processo, as quais, se não estiverem em sintonia com o garantismo fadará este sempre ao insucesso.
4. REFERÊNCIAS
MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral, 4ª ed. São Paulo, Método, 2011.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, 11ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal, 3ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008.
Notas
[1] QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal, 3ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 71.
[2] QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal, 3ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 67
[3] MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral, 4ª ed. São Paulo, Método, 2011, p. 81.
[4] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, 11ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 129.
[5] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, 11ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 130.
[6] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, 11ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 129.