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Processo eletrônico (Lei 11.419/2006) e princípios processuais.

Uma releitura da principiologia tradicional

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Resumo:


  • A Lei n. 11.419/2006 regulamenta o processo eletrônico, alterando a dinâmica processual e aproximando o processo da realidade, com impactos nos princípios processuais clássicos.

  • O processo eletrônico promove a celeridade e efetividade processual, com princípios específicos como o da Imaterialidade e da Conexão, e requer uma releitura dos princípios clássicos do direito processual civil.

  • Princípios como o Dispositivo, da Publicidade e da Territorialidade, entre outros, são impactados pelo processo eletrônico, exigindo adaptações e interpretações alinhadas ao novo contexto de tramitação processual em rede.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. Princípios do processo civil: os princípios específicos do processo eletrônico e a releitura de princípios clássicos do processo civil

Como já foi abordado, o processo eletrônico é uma ferramenta que revolucionou o mundo jurídico. Trata-se, pois, de uma quebra de paradigma, considerando que o processo virtual é algo que vai muito além de uma mera desmaterialização dos autos processuais: é a instauração de uma nova cultura – a cultura da rede, da conectividade. A consolidação dessa cultura altera os hábitos dos operadores do Direito, seu cotidiano e leva à conclusão de que o processo virtual demanda uma disciplina própria, específica. Não se pode afirmar que os princípios do Direito Processual Civil, em sua essência original, são plenamente aplicáveis ao processo eletrônico. Portanto, mostra-se necessário que os princípios do processo civil sejam submetidos a uma nova análise, à luz do processo virtual. Considerando que a reconstrução dos princípios processuais sob esta ótica é algo que se dará paulatinamente, mediante a observação e as experiências do cotidiano forense, apenas questões referentes a determinados princípios serão abordadas no presente estudo. Infere-se, pois, a existência de dois princípios específicos do processo eletrônico: o princípio da imaterialidade e o princípio da conexão. Quanto aos demais princípios processuais abordados no presente trabalho, conclui-se que se trata dos mesmos comandos originários do processo civil clássico, porém com uma nova roupagem, com um novo toque a ser dado pela cultura do processo em rede que ora se consolida.

3.1 Princípios específicos do processo eletrônico

3.1.1 Princípio da imaterialidade

Considerando como se dá a exteriorização do procedimento, pode-se afirmar que, na primeira fase do Direito Romano, o processo era essencialmente oral, não havendo materialização física do mesmo. Posteriormente, a partir do Século XIII, essa tradição se alterou. Neste aspecto, cita-se a lição de José Eduardo de Resende Chaves Junior, em sua obra Comentários à Lei do Processo Eletrônico[18]:

[...] O processo romano era essencialmente oral, mas essa tradição foi mudada, como se viu, a partir do século XIII, com a Decretal de 1.216 do papa Inocêncio III, que consagrou o princípio da escritura – quod non est in actis non est in mundo. Na verdade o princípio da escritura no processo, que retratava então o anseio de segurança e estabilidade no processo, significou, com o passar do tempo, muito mais o distanciamento da realidade, a cristalização da dinâmica imanente do mundo, do que outra coisa. Passou-se do sistema lettres passent témoins, em contraposição ao até então dominante temoins passent lettres. [...]

Até há pouco tempo atrás, como referido, vigorava em nosso processo o princípio da escritura. Com o advento do processo eletrônico, essa realidade passou a se modificar. A nova concepção de processo traz a ideia de desmaterialização dos autos. O processo em si, bem como os atos processuais, não são mais consubstanciados em um instrumento físico, mas certificados de uma forma não-material. Falando em outras palavras: a virtualização do processo faz com que o mesmo deixe de fazer parte do mundo dos átomos (matéria) para que adentre o mundo dos bits (imaterial).

A passagem do processo do meio físico para o mundo lógico não pode parecer, em um primeiro momento, algo simples. Entretanto, traz muito mais consequências do que se pode imaginar. Revoluciona-se a própria cultura processual. Ao passo que o papel é algo neutro, desprovido de qualquer alteridade, o meio virtual não o é. O meio em que se insere o processo eletrônico nada tem de neutro, de isento – munido de uma gama infindável de informações, o meio eletrônico tem uma alteridade própria, que acaba por influir no próprio trâmite processual e na participação dos sujeitos processuais, desde as partes até o juiz.

Portanto, não se trata simplesmente de “digitalizar” um processo físico. A imaterialidade, que pode ser erigida à condição de princípio privativo do processo eletrônico, enseja muito mais que isso. É uma ruptura de paradigma, no momento em que esse princípio exorta ao sujeito processual e ao operador do direito a um mergulho no meio no qual o processo se insere, visando à obtenção de uma solução mais célere e justa para a demanda, contentando-se cada vez menos com juízos com base em preclusões e verdades meramente formais. Tal assertiva tem direta ligação com a nova acepção do princípio dispositivo no âmbito do processo eletrônico, como após se verá.

3.1.2 Princípio da conexão

O processo virtual, reitere-se, é uma quebra de paradigma – e o é por alterar profundamente a relação entre os autos e o mundo real. Até então, vigorava a cultura do princípio da escritura: o que não está nos autos, não está no mundo. Com isso, multiplicavam-se os julgamentos com base em presunções, preclusões. O processo em autos físicos é, por excelência, a consubstanciação do princípio da escritura. No processo eletrônico, ocorre justamente o contrário: aproximam-se os autos e o mundo real, o que se dá pela ideia da conexão.

O processo eletrônico é um processo em rede, possibilitando a interação entre sistemas, informações e pessoas. Portanto, pode-se dizer que a conectividade do processo eletrônico tem acepções tecnológicas e sociais. Esta é a acepção da palavra rede, ou processo em rede, que acaba por aproximar universos que antes eram tão estanques e inatingíveis. A conexão existente entre as partes, ou entre elas e o juiz, é, na acepção original de relação processual, estanque, engessada, rígida. O processo em rede flexibiliza e amplia essa conectividade, levando-a distâncias inimagináveis sob o prisma tradicional.

A inserção do processo em um sistema de rede traz consequências muito maiores do que se imagina: acaba por alterar a própria estrutura da relação jurídica processual, conforme adiante se verá.

Na concepção clássica, a relação jurídica de direito material tem uma estrutura linear, vinculando o sujeito ativo do direito ao sujeito passivo. Por outro lado, a relação jurídica processual possui um aspecto angular, com formação gradual. Ou seja: o autor ingressa com a demanda, já havendo uma ligação entre ele e o Estado-Juiz. Após a citação do réu, tal relação se angulariza. As partes, no caso, estão ligadas através do Estado, não entre si próprias.

O processo em rede altera completamente esta concepção clássica. A conexão do processo com a rede não é linear, nem mesmo meramente angular. Trata-se de uma conexão qualificada, muito mais intensa, muito mais penetrante. As informações estão disponíveis na rede, aproximando os sujeitos do processo da realidade dos fatos. Há uma maior interação das partes, do juiz e outros sujeitos, o que autoriza a afirmar que a estrutura da relação processual à luz do processo eletrônico não mais é angular, mas reticular. A relação processual não se restringe à mera atuação das partes, mas pode se valor da colaboração imediata de outros entes, responsáveis por disponibilizar elementos importantes para a aferição de um juízo de valor. Chaves Júnior, no já referido estudo[19], leciona:

[...] Reticular, como se sabe, é um adjetivo com que se designa tudo aquilo a que se imprime forma de rede. Com o adjetivo reticular, o que se deseja significar e enfatizar é que não se trata apenas de mera de conexão, de uma conexão linear, mas de uma conexão qualificada, em rede. Uma conexão linear é apenas uma aproximação entre duas adjacências. Já uma conexão reticular pressupõe uma mudança de escala, de patamar, de lógica. De uma conexão linear decorre um fluxo previsível e estável, da conexão em rede, o fluxo é complexo, instável. Não há linearidade rígida na sequência do fluxo processual eletrônico conectado. Não há, nos autos virtuais nem mesmo folhas numeradas, mas eventos em fluxo [...]

O processo eletrônico, reitere-se, acaba por modificar o próprio conceito clássico de relação jurídica processual.

3.2 Releitura de alguns princípios clássicos do processo civil à luz do processo eletrônico

3.2.1 Princípio Dispositivo

De acordo com o princípio dispositivo, o juiz deve julgar o processo com base nos fatos que foram objeto de alegação e prova pelas partes. Ou seja, é vedado ao magistrado buscar a verdade real, mediante o conhecimento de fatos que não foram suscitados pelas partes ou determinando provas que não foram expressamente requeridas. O princípio dispositivo admite um juízo calcado na verdade formal, pela presunção de que somente existe aquilo que foi trazido a juízo pelas partes. Tal princípio está diretamente relacionado com a concepção da imparcialidade do juiz. Ou seja, se o juiz é o sujeito imparcial da relação processual, não poderia ele tomar medidas de ofício, visando a determinar a produção de provas ou buscando fatos que não foram objeto de alegação por parte dos demais sujeitos processuais. Tem direta relação com o princípio clássico da escritura, acima referido (quod non est in actis non est in mundo), que nada mais é que um comando normativo de racionalização e organização da prova.

Faz contraponto com o princípio dispositivo o denominado princípio inquisitório. Com base nesse princípio, o juiz tem um papel muito mais ativo na condução da relação processual, tendo por escopo a busca da verdade real. Outorga, em virtude disso, amplo poder de iniciativa probatória.

As concepções acima referidas (princípios dispositivo e inquisitório) são duas figuras opostas, sendo que nenhum ordenamento jurídico processual adota um outro em sua forma plena. É corriqueiro que os sistemas processuais se valham de ambos, dando, naturalmente, prevalência para um deles. Além disso, também é natural que, em demandas que versem sobre determinados direitos, o princípio inquisitório tenha uma dimensão maior. Por exemplo, em demandas em que se discutem direitos indisponíveis, é comum que se outorgue uma maior iniciativa probatória ao juiz – é o caso das ações de investigação de paternidade, de ações previdenciárias, de ações envolvendo direito de família, direito do consumidor, entre outros.

Pode-se afirmar que nosso Código de Processo Civil adota o princípio dispositivo como regra básica, havendo, entretanto, algumas limitações de natureza claramente inquisitória, citando-se, por exemplo, as regras dos artigos 130[20] e 418[21] do aludido compêndio processual. Tal princípio possui maior alcance em litígios de natureza privada, onde as partes ocupam posições de equivalência (não podendo se afirmar que exista alguma em situação de hipossuficiência), a fim de garantir a imparcialidade do juiz.

Entretanto, o advento do processo eletrônico acaba por alterar tal situação. O princípio da conexão acaba por tornar o processo mais inquisitivo. Como se afirmou anteriormente, o processo deve ser compreendido como algo pertencente a um novo meio, a um meio de rede, meio esse que não é neutro. Ao passo que se pode afirmar que o papel é um meio neutro, a rede não o é – ela possui alteridade própria. Diante de tal assertiva, não se pode sustentar que ainda plenamente vigora, em sede do processo eletrônico, o princípio dispositivo. A virtualidade da conexão acaba por ampliar consideravelmente os limites da busca da prova, uma vez que um universo de informações está disponível na rede. Não se está aqui a afirmar que com isso o juiz acaba por centralizar a atividade probatória, dispensando o ônus da prova das partes. O que se afirma é que o processo em rede acaba por compartilhar, por dividir o ônus da prova entre os sujeitos do processo, dentre os quais o juiz, que ganha um maior poder investigativo dentro da relação processual.

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Importante salientar que o novo processo traz uma alteração na concepção de “fato público e notório”, conforme bem salientado por José Eduardo de Resende Chaves Júnior[22]:

[...] A teoria da prova lançou mão do conceito aberto de “fato público e notório” para lidar processualmente com os fatos públicos. No mundo da internet, a escala do que seja fato de conhecimento público aumenta em proporções gigantescas, já que o decisivo não é o conhecimento do fato, mas a possibilidade de acesso a ele, da conexão. É certo que doutrina, jurisprudência e legislação vão, sob pena de infundir o caos no fluxo processual, mas essa regulação só indica que de fato o processo reticular coloca os autores do processo em outro mundo, em outra lógica probatória.

O que se tem de ter em mente, contudo, é que essa possibilidade abre perspectivas interessantes quanto à busca da tão almejada verdade real – rectius: verdade virtual – e além disso, transforma enormemente o jogo do cálculo processual dos litigantes quanto ao ônus da prova. Essa possibilidade vai, inclusive, confluir no sentido de tornar o processo um instrumental mais ético, pois o aumento da possibilidade da busca da verdade real-virtual será proporcional à redução da alegação e negação dos fatos virtualmente verificáveis.

Em sede do processo eletrônico, melhor se falar em fato “público e notório”, será, portanto, operar com a ideia de fato comum e conectável. Aqui “comum” entendido também como substantivo, fato extraestatal, não governamental, com acesso aberto pela rede mundial de computadores. Será a possibilidade de conexão por parte do juiz – conexão inquisitiva – o critério decisivo para a inserção da informação na esfera probatória do processo em rede. [...]

Como se pode perceber, o processo eletrônico enseja uma nova leitura do princípio dispositivo. Com a facilidade de acesso às informações, o juiz pode buscar, na internet, redes sociais, informações relevantes para a formação de sua convicção, sem que com isso possa comprometer sua imparcialidade. Dentro da relação processual, em se tratando de processo de rede, o juiz deixa de ter uma atitude passiva para ser mais investigativo, mais atuante.

3.2.2 Princípio da Publicidade

A doutrina tradicional entende que a publicidade dos atos processuais é relacionada à natureza pública da demanda em que desenvolvida a solução de determinado feito. Inerente ao Estado Democrático de Direito presente em nosso Ordenamento Jurídico, aliado estaria a necessidade de dar conhecimento amplo e irrestrito as questões desenvolvidas na lide, visando a uma solução adequada do conflito.[23]

Tanto no plano constitucional, como no plano legal, existem regras próprias determinando que os atos processuais ocorridos ao longo da marcha necessária para a solução do conflito sejam de conhecimento amplo e irrestrito, salvo situações específicas que envolvam a proteção de direitos fundamentais à intimidade, vida privada, honra e imagem. Neste sentido, merecem destaque o disposto no art. 93 da Constituição Federal[24] e o art. 155 do Código de Processo Civil.[25]

Como é possível se verificar, nosso ordenamento jurídico-processual apresenta uma forma de publicidade que pode ser considerada de natureza restrita. Isso porque existe prevalência do direito das partes a terem conhecimento amplo e geral do processo, o que não é alcançado para terceiros, que possuem limitações pontuais naquelas situações em que existe o segredo de justiça protegendo as partes litigantes, bem como o interesse público determine que não devam ser objeto de ampla divulgação.[26]

Com o advento da Lei n 11.419/2006, e a possibilidade crescente de informatização dos processos judiciais, é inquestionável que a discussão acerca da revisão de abrangência do princípio da publicidade e sua necessária mitigação ou limitação adequadas se mostra extremamente oportuna. Ora, com a possibilidade de ajuizamento e tramitação integral de determinado processo pela rede mundial de computadores, é nítido que o acesso a dados pessoais de relevo das pessoas pode ser facilitado pelos avanços tecnológicos na seara da informática, com a utilização de programas específicos de busca e monitoramento por nomes e assuntos, o que pode implicar em lesão ao direito à intimidade dos litigantes.

Não se olvida que a utilização da rede mundial de computadores para fins de ajuizamento e tramitação de processos judiciais é um caminho sem volta, dado às facilidades e utilidade de tal plataforma para fins de conferir maior efetividade à prestação jurisdicional, conforme já acima delineado. Não obstante isso, imperativa a preservação das garantias e direitos fundamentais já secularmente assegurados para os cidadãos sejam preservados, inclusive com a adoção de uma nova estruturação, para fins de que sejam concretamente atendidos, o que implica em dizer que hoje o princípio da publicidade deve ser relacionado com a efetivação de restrições à forma de busca processual por meio de informações pessoais, bem como ao monitoramento e registro de acesso a dados por aqueles legitimados para tanto, na forma da Constituição e da Lei processual.

Neste sentido é que merece destaque o disposto nos artigos 11, § 6º, e 12, § 1º, da Lei nº 11.419/2006,[27] que tratam, justamente, deste novo enfoque que deve ser conferido ao princípio da publicidade.

É de se salientar que para a atenção ao princípio da publicidade em matéria de processo eletrônico sobressaem-se agora previsões específicas de restrição de acesso aos documentos anexados aos autos para as partes processuais envolvidas na demanda, bem como que sistemas de segurança devem garantir o armazenamento e a limitação de acesso ao feito eletrônico.[28] São situações de relevo que caracterizam a nova leitura que o princípio da publicidade merece após a adoção da informatização dos processos judiciais em nosso país e que, necessariamente, carecem da devida apreciação, de modo a que os princípios fundamentais que regulam nosso sistema processual mantenham seu foco no respeito das garantias e direitos fundamentais das partes litigantes.

Não é por outro motivo que o Conselho Nacional de Justiça possui regulamentação específica acerca da divulgação de dados processuais eletrônicos na rede mundial de computadores, através da Resolução nº 121/2010. Merece destaque que apenas os dados básicos dos processos foram facultados de forma ampla através da internet (art. 1º), restando limitados os demais conteúdos para as partes processuais e seus representantes (art. 3º). Frise-se, ainda, que nas consultas gerais a decisões judiciais, restou prevista, ainda, a vedação a exposição dos nomes das partes envolvidas na demanda, de modo a sua preservação (art. 5º).[29]

Desta forma, o que se visualiza é uma releitura do princípio da publicidade dos atos processuais, quando se tratar de processo judicial em tramitação eletrônico, dada a facilidade de busca e acesso a dados pessoais das partes, acaso não realizada qualquer forma de controle efetivo e constante na rede mundial de computadores. Saliente-se que as inovações tecnológicas são crescentes na área de programação de computadores, o que implica em dizer que o controle tradicional apenas com base em normas de regulação de acesso aos dados de determinado processo não é suficiente para a efetiva preservação da intimidade das partes, quando assim for necessário, dado que a facilidade de publicização de uma demanda eletrônico é muito mais ágil e veloz.

Nesta nova leitura do princípio da publicidade, a amplitude da publicidade dos atos processuais merece maior ressalva, com o efetivo controle das informações passível de acesso irrestrito através da rede mundial de computados, de forma atual, para fins de que se evite que ocorram prejuízos a imagem das partes litigante, com acesso à informações de cunho pessoal, afeitas a vida privada e econômica daquele cidadão que buscou o Poder Judiciário para solver determinado conflito, sem intenção de exposição pública demasiada.[30]

3.2.3 Princípio da territorialidade

O processo eletrônico e todas as consequências daí advindas trazem a reflexão acerca das regras de competência territorial. Ou seja: havendo a possibilidade de o juiz acessar virtualmente o processo em rede de onde quer que esteja, indaga-se, se, no futuro, as regras de competência territorial permanecerão tais como originariamente estabelecidas em nosso ordenamento jurídico processual.

A jurisdição, em sua essência, é una e indivisível. Entretanto, a fim de melhor organizar a prestação de serviços jurisdicionais, sobrevieram as regras de competência, limitando a atuação de determinados juízes com base na matéria, no valor da causa e no espaço físico. A competência, pois, é a especificidade da jurisdição. E é importante, ainda consignar que a competência não pertence ao juiz na qualidade de agente político, mas ao respectivo órgão jurisdicional.

Hoje em dia, nas varas onde já se adota o processo eletrônico, as citações e intimações via mandado judicial estão cada vez mais em desuso. O mesmo se pode afirmar em se tratando de cartas precatórias. A publicação dos atos torna-se instantânea, automática. Isso, por si, já pode ser considerado como uma mitigação ao princípio da territorialidade em âmbito do direito processual civil.

Entretanto, após isso, questiona-se da possibilidade de os magistrados e servidores, poderem trabalhar a distância, considerando a possibilidade de acesso aos autos e ao sistema onde quer que estejam. Indaga-se: não seria necessária somente a presença, nas comarcas e subseções, de funcionários para o cumprimento das decisões, facultando ao juiz (ou sua assessoria) que trabalhe a distância?

A resposta desta indagação ainda se mostra prematura. O processo eletrônico veicula, inquestionavelmente, uma mudança de cultura no mundo jurídico. Mas essa mudança de cultura dar-se-á de forma paulatina, sem excessos, mediante cautelosa observância por parte daqueles que, diariamente, constroem o direito. Portanto, não há como se afirmar que, em um futuro próximo, haverá uma ruptura com as regras da territorialidade. Embora uma atenuação deste princípio tenha já se dado, o mesmo ainda continua vigente, mesmo em âmbito do processo em rede.

3.2.4 Princípio da Lealdade processual

Tradicionalmente, o princípio da lealdade processual possui relação com a noção de que as partes devem pautar sua atuação no curso da lide de forma a não faltar com a verdade, litigar de boa-fé e não buscar a procrastinação do feito através da pretensão de produção probatória inútil ou desnecessária. Valores relacionados com a necessidade de atenção à verdade dos fatos e a vedação a condutas antiéticas e fraudulentas estão intrinsecamente relacionados com tal princípio, sendo que a litigância de má-fé é expressamente coibida por nosso Código de Processo Civil.[31]

A parte processual que litiga com lealdade, frente ao Ordenamento Jurídico atual, é aquela que atende aos deveres de probidade presentes no art. 14 do Código de Processo Civil.[32] Na falta de atenção a tais deveres, está sujeita a penalidade, como forma de prevenir que a lide proposta pela parte como forma de solucionar determinado conflito acabe por resultar em outro conflito paralelo e em evidente desvio de finalidade de seu inicial ajuizamento, que seria a pacificação social, conforme se extrai dos artigos 16 e 17 do mesmo diploma processual.[33]

Inegável é que, com a informatização dos processos judiciais, tal princípio processual merece ser devidamente ampliado e aplicado de forma efetiva e premente naqueles casos em que identificada uma conduta lesiva ao escopo maior de solução da lide. Isso porque as constantes inovações tecnológicas que nossa sociedade alcança diuturnamente se por um lado resultam em melhorias e facilidade, inclusive quanto ao acesso à justiça através do processo eletrônico, por outro lado, acabam por resultar, ainda de que forma tímida, na possibilidade de fraudes na forma de peticionamento eletrônico e adulteração de documentos digitalizados.

Ora, a facilidade de acesso ao sistema de processo eletrônico por meio de login, senha e assinatura eletrônica, bem como a necessidade de digitalização dos documentos passíveis de conhecimento pelo juízo da causa dão ensejo a que existam situações onde possam ocorrer manobras fraudulentas pelas partes, como forma de obtenção de um provimento jurisdicional favorável. Neste rumo, identificada tal situação em prejuízo da prestação jurisdicional cabível na espécie, é premente a adoção das penalidades rigorosamente previstas em lei, como forma de dar legitimidade e longevidade ao sistema de processo eletrônico.[34]

Note-se que a atenção e preservação do princípio da lealdade processual ganha importância e merece ser devidamente utilizado nos casos em que se fizer necessário, para fins de que a informatização dos processos judiciais ganhe forma e abrangência integral em nosso sistema processual. Devidamente aplicado o princípio e coibidas pontuais fraudes e inconsistências na instrução processual decorrentes de conduta dolosa das partes confere-se ao jurisdicionado a garantia de que existe acesso à justiça de forma a que preservados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. O resultado, assim, de sua aplicação, é a própria efetividade da prestação jurisdicional e tempestividade da tutela reclamada na forma de processamento eletrônico de demanda.

Neste sentido é que o princípio da lealdade processual ganha maior importância na relação processual havida por meio eletrônico, constituindo-se em verdadeiro pilar fundamental de um sistema que se vê cada vez mais ampliado em nosso país. Ainda que reste nítido que a questão demanda melhor e maior regulamentação legal, dado que a Lei nº 11.419/2006 não trouxe acréscimo em relação à forma de controle e manejo em tais situações limítrofes que podem se perfectibilizar no dia a dia de utilização dos processos eletrônicos, a correta leitura do princípio da lealdade processual, na forma aqui proposta, com os comandos legais já previstos em nosso Ordenamento resulta em solução razoável para a questão.

3.2.5 Contraditório

Outro clássico princípio processual é o princípio do contraditório. Corolário do direito de defesa, está previsto como garantia constitucional, no artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Não se trata de direito que somente atende aos interesses do réu, mas de ambas as partes. O contraditório tem por escopo evitar um tratamento díspar entre os litigantes, mediante a garantia de que, havendo produção de documentos ou inserção de dados no processo, por uma das partes, a outra parte pode se manifestar acerca dos mesmos. Ou seja: de cada ato processual praticado por uma das partes, dá-se vista a parte contrária; dos atos cuja atribuição são do juiz, dá-se ciência a ambas as partes, para que tomem as providências que entenderem necessárias.

No entanto, o cotidiano forense tem demonstrado que a interpretação dada pelos operadores do direito ao contraditório tem servido muito mais como meio de procrastinação processual do que como meio de defesa outorgado às partes. Pode-se dizer que, na maioria das vezes, um princípio previsto originariamente para salvaguardar direitos acaba por aniquilá-los. Ou seja, torna a prestação jurisdicional menos efetiva. Tanto o é que todas as técnicas de sumarização processual passam por uma mitigação do princípio do contraditório.

Diante desse quadro, é preciso que o princípio do contraditório seja reavaliado, para não dizer atualizado. E, no processo eletrônico, tem-se, através do meio virtual em que se insere, oportunidade ideal para realização dessa releitura.

O meio eletrônico possibilita um aprimoramento do princípio do contraditório, tornando-o mais imediato, mais instantâneo, e, nas palavras de José Eduardo de Resende Chaves Júnior, mais interativo[35].

Ao passo que, no processo em autos físicos, em que se tem um contraditório mais engessado, os sujeitos processuais muitas vezes viram escravos dos prazos, no processo eletrônico tem-se um novo cenário. No meio virtual, concebe-se um contraditório mais dinâmico, mais imediato, onde o conteúdo dos atos se torna mais instantâneo e verossímil. Assim, a participação no processo é muito mais efetiva, assim como o próprio direito de defesa.

Portanto, a semelhança do que já foi consignado acima, o contraditório torna-se interativo, possibilitando uma participação ativa, efetiva e instantânea de todas os sujeitos processuais, o que acaba por alterar a própria estrutura da relação processual, que deixa de ser angular para ser reticular, consoante já afirmado. Quebram-se pois, os paradigmas do ônus da prova (o que, aliás, frise-se, já vem consolidado no novo projeto de Código de Processo Civil, onde já há a previsão do denominado ônus compartilhado da prova).

Também não se pode olvidar o compromisso deste novo contraditório com um processo baseado na verdade real, o que agrega um componente de natureza substancial a este princípio.

Assim, o contraditório no processo eletrônico tem por escopo a busca de um processo mais democrático, onde os sujeitos processuais possam interagir entre si, de forma imediata, compartilhando informações e, inclusive, o ônus da prova.

3.2.6 Princípios da oralidade, intermidialidade e da hiper-realidade

Tradicionalmente, o processo pautava-se pela ideia de que haveria um instrumento apartado, onde tudo estava contido e reduzido a termo. Até mesmo a prova oral, quando produzida no seu corpo submetia-se a redução a termo, bem como eventuais gravações de voz ou vídeos submetidos à perícia judicial para comprovação da veracidade ou não das afirmações passavam por tal procedimento. Vige neste sistemática a velha máxima de que é possível levar em conta no lide apenas aquilo que nela consta, sendo que o que não se encontra no mundo dos autos de nada serve para a solução do litígio (o já citado princípio da escritura).

Com o advento do processo eletrônico, a questão passa por uma releitura relevante, no momento em que todas as mídias podem ser encartadas neste novo processo, a própria realidade que se busca caracterização para fins de exercício da jurisdição. Não é mais necessária a redução a termo da prova oral produzida, ou mesmo a apuração de conteúdo de vícios ou áudios que dêem sustento a causa, dado que os mesmos estão disponíveis no seu interior de forma integral.

Com o conceito de intermidialidade, é possível verificar-se um processo de conjunção, interação e contaminação recíproca entre várias mídias, na lição de José Eduardo de Resenha Chaves Júnior. É a transposição do processo materialmente registrado em papel para um processo despido de tal característica, passando a ser fluído e desmaterializado.

Neste sentido a doutrina do referido autor:

À primeira vista, o processo eletrônico importaria apenas a passagem de um meio de comunicação – papel – a outro, o meio eletrônico. Mas da imaterialidade do processo eletrônico decorre que o meio eletrônico não se estabiliza num meio unívoco, numa forma única de comunicação e informação, já que o milagre científico da informática permite que os registros nos autos virtuais transcendam a linguagem escrita, agregando sons, imagens e até imagens-sons em movimento.[36]

Vale referir que tal transposição não é apenas de uma mídia para outra, papel para processo disponível em meio eletrônico. Ora, é oportuno mencionar que a modificação de plataforma de trabalho implica em modificação da forma de conhecimento dos fatos, com vistas à depuração de uma solução razoável para o litígio. Neste sentido é que ocorre um movimento no sentido de tornar o processo menos formal e mais direto e efetivo, em função do jurisdicionado.

O novo processo, seja ele de que espécie for, civil, trabalhista ou penal, passa por uma visualização de forma diversa e, pode-se dizer, complexa, dado que os registros agora se apuram de diversas formas e matizes, o que merece um maior aperfeiçoamento do aplicador do direito tradicional, para que tenha uma maior efetividade em prol da prestação jurisdicional.

Aqui, paralelo à intermidialidade, é possível visualizar o princípio da hiper-realidade, que a este está intrinsecamente ligado, no momento em que a oralidade ganha um reforço na consecução da pacificação social através do processo. Ora, apesar de presente em determinados ritos de forma mais premente, como, por exemplo, no rito dos juizados especiais federais, a oralidade não possui um papel central no processo tradicional de solução de conflitos, que possui a cultura da redução a termo de todos os atos processuais, como forma de documentação dos mesmos.

Agora, depoimentos pessoais e testemunhais ganham contornos mais importantes no corpo do processo eletrônico, no momento em que existe a possibilidade de preservação integral de seu conteúdo através das mídias originais em que eles foram elaborados. Neste sentido é a lição de José Eduardo de Resende Chaves Júnior:

Mas a oralidade tradicional sempre foi muito mitigada, pois, ao fim e ao cabo, desafiava sempre grau de escrituração. Já no processo eletrônico, a oralidade pode ser totalmente preservada – e até radicalizada – pois as audiências podem ser certificadas nos autos em sua pura verbalização sonora, por meio de arquivos eletrônicos de voz. [37]

Assim, é possível verificar-se uma modificação neste tradicional princípio do processo civil, que ganha novos contornos e importância no novo processo que nasce com a aplicação da Lei do Processo Eletrônico.

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Sobre os autores
Fabiano Haselof Valcanover

Procurador Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALCANOVER, Fabiano Haselof ; RIBEIRO, Rodrigo Koehler. Processo eletrônico (Lei 11.419/2006) e princípios processuais.: Uma releitura da principiologia tradicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3792, 18 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25872. Acesso em: 22 dez. 2024.

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