A prisão de pessoas ligadas ao Mensalão, no dia de hoje, permite uma série enorme de debates e de questionamentos de todo tipo. Um desses pontos, por exemplo, permite-nos pensar que o Estado de Direito deve ser uma ferramenta para a Justiça. Entretanto, para que isto ocorra, direito e ética devem ter um prisma comum. Esta relação também se chama de Justiça Política.
Quando se observa o direito no interior da sociedade capitalista, nota-se – especialmente na leitura longitudinal da história – que a produção do direito, assim como de todos os setores fundamentais da vida civil, deve-se a um processo contraditório. Nesta espécie de Hermenêutica Política, pode-se afirmar inicialmente que o direito nasce do conflito (a exemplo da necessidade de se fixar a tripartição dos poderes, depois, a fixação do Estado de Direito).
Há uma teleologia política inerente e que deve superar a mera subsunção ou exegese da lei, tendo-se por base que o direito nasce do conflito. Desse modo, se fosse possível resumir o núcleo comum da normatização, dir-se-ia que o objetivo do direito é garantir a diversidade na adversidade. O cerne da relação entre direito e sociedade, portanto, está no fato de que o conflito é o cerne da luta pelo direito. A questão, neste caso, seria pensar nos mecanismos que levassem a um mínimo equilíbrio do sistema político e jurídico.
De todo modo, independentemente de a sociedade estar em crise ou não, o fato social é gerador do direito – com força coercitiva e generalizante – mesmo porque no grupo social (ou na sociedade complexa) não poderia ser diferente, sobretudo se temos a interação social por princípio e objetivo da convivialidade. Ubi societas, ibi ius – se considerarmos o direito como fato social, senão, não.
O que nos diferencia, no bojo das sociedades complexas, como sociedades de risco e contraditórias, diante das análises funcionalistas, é o entendimento de que o fato social só se converte em direito (para além dos costumes) quando o núcleo de convivência não desbasta o conflito. Longe de ser uma relação social homogênea, a série de conflitos não solucionados impõe a necessidade de organização heterônoma da norma jurídica.
Por outro lado, quando os conflitos são assimilados, os costumes e as regras sociais conseguem garantir equilíbrio social e regularidade ao Estado de Direito. Portanto, a principal função do Estado de Direito, especialmente no pós-2ª Guerra Mundial, é atuar no processo civilizatório. Neste caso, a função precípua do direito, por um lado, é subsumir a violência natural, presente nos conflitos políticos e sociais; por outro, tem o direito a prerrogativa teleológica. Não deixa de ser uma forma ontológica, histórica de se visualizar a luta pelo direito desde o embate também contraditório, mas complementar, entre a liberdade negativa e positiva como freios ao Poder Político.
Todavia, restam indagações:
- Seria possível equacionar, no interior de um Estado de Justiça Política (que não fosse o Estado Ético, de Hegel), uma necessária hermenêutica política combinada com a teleologia jurídica?
- No mundo globalizado, os Parlamentos estão aptos para congregar, expressar esta coletivização dos conflitos que vemos no fenômeno social da Multidão?
- Faz sentido falar hoje em dia de uma judicialização da luta de classes?
- O Judiciário brasileiro estaria preparado para enfrentar os desafios do pluralismo jurídico?
- Em meio ao Estado Democrático de Direito Social, ainda se pode ver como Carl Schmitt no seu realismo jurídico que “o soberano é quem detém os meios de exceção”?
Como processo civilizatório, que não deixa de reconhecer a força da contradição, o direito acena ao futuro como recurso, médium, de obtenção e de validação da luta pela Unidade na Diversidade da Humanidade. Sem debater os procedimentos formais do processo, para o Brasil republicano, o julgamento do Mensalão, muito mais do simbólico, é reparador da injustiça sistêmica de uma sociedade feita pela relação amigo-inimigo.