Resumo: Este trabalho apresenta o Direito processual penal em seus aspectos constitucionais, sobretudo com relação ao inquérito policial e os princípios norteadores dessa que é considerada a fase pré processual. Os princípios constitucionais têm como principal função garantir que o acusado tenha um tratamento mais justo, tendo em vista a superioridade estatal. São elementos limitadores do direito de punir do Estado. A fase pré processual é onde são levantados os elementos necessários para a caracterização da materialidade da infração penal e a indicação da autoria para que o titular da ação possa ingressar em juízo. Por este motivo é de extrema importância a presença dos princípios já no inquérito policial, na tentativa de dirimir qualquer possibilidade de que seja cometida uma injustiça que venha a marcar de forma negativa, e para o restante da vida, a figura de um inocente.
Palavras-chave: inquérito, princípios, constituição, processo penal, justiça
SUMÁRIO: 1-INTRODUÇÃO; 2-CONCEITO DE INQUÉRITO; 3-BREVE HISTÓRICO SOBRE O SURGIMENTO DO INQUÉRITO; 4-CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL: 4.1-Oficialidade, 4.2-Oficiosidade, 4.3-Indisponibilidade, 4.4-Inquisitivo, 4.5-Autoritariedade, 4.6-Dispensabilidade; 5-O INQUÉRITO POLICIAL SOB O PRISMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: 5.1-Princípios Constitucionais: 5.1.1-Princípio da Verdade Real, 5.1.2-Princípio da Oficialidade, 5.1.3-Princípio da Indisponibilidade, 5.1.4-Princípio da Publicidade, 5.1.5-Principio da Inexigibilidade de autoincriminação, 5.1.6-Princípio do Contraditório e Principio da Ampla Defesa, 5.1.7-Princípio da Presunção de Inocência; 6-CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1-INTRODUÇÃO
A partir de agora adentraremos ao estudo do direito processual penal com ênfase maior para o instituto do inquérito policial e os princípios e garantias constitucionais que a ele estejam, direta ou indiretamente, atrelados. Conceituaremos o inquérito e estudaremos suas características, passando antes por um breve histórico do seu surgimento aos dias atuais.
2-CONCEITO DE INQUÉRITO
Antes de darmos início ao nosso estudo, mister se faz, para nossa melhor compreensão, conceituarmos o inquérito policial. Conforme preleciona Guilherme de Souza Nucci: “o inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciaria e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria”. Nesse sentido Tourinho Filho, aqui citado por Nestor Távora, diz que o inquérito é “o conjunto de diligencias realizadas pela Polícia Judiciaria para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”. Assim podemos concluir que o inquérito tem o condão de apurar a existência de uma infração penal (materialidade) e apontar o autor deste delito (autoria), viabilizando desta forma o início da ação penal pelo ingresso em juízo do titular dessa ação.
O inquérito é um ato administrativo, preliminar, presidido pela autoridade policial (delegado) e tem o intuito de apontar a materialidade e autoria do crime para o esclarecimento das infrações penais, dando elementos suficientes para que o titular da ação possa promovê-la em juízo, seja o Ministério Público, seja o particular, dependo da situação.
3-BREVE HISTÓRICO SOBRE O SURGIMENTO DO INQUÉRITO
Necessário também é falar do surgimento do inquérito policial no Brasil, que surgiu com essa denominação em 20 de setembro de 1871 com a edição da Lei 2.033 que era regulamentada pelo Decreto-lei 4.824 de 28 de novembro daquele mesmo ano e trazia em seu artigo 42 a seguinte declaração: O inquérito policial consiste em todas as diligencias necessárias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices; e deve ser reduzido a instrumento escrito. Muito embora essa tenha sido a primeira vez que se falou em inquérito policial, com essa nomenclatura, sua função preparatória da ação penal vem de datas muito remotas. Havia, nas Ordenações Filipinas e no Código de Processo de 1832, procedimentos legais que previam a investigação criminal, entretanto, sem denominá-los de inquérito policial.
Na Antiga Grécia, os atenienses mantinham a prática de investigação para apuração da honestidade dos indivíduos que eram eleitos magistrados, assim como de suas famílias. Já entre os romanos, conhecidos como "inquisitio", o magistrado dava uma serie de poderes à vítima ou familiares para que investigassem o crime e localizassem o criminoso, que acabavam se transformando em acusadores. Algum tempo depois houve uma evolução e os acusados passaram a ter o direito de investigar os crimes, com isso tendo a possibilidade de formular o contraditório.
Com o passar dos tempos o Estado quis trazer pra si o direito de investigação dos delitos, passando para os agentes públicos esta tarefa. Com o surgimento de um fato criminosos surgi para o Estado o dever de apurá-lo identificando a autoria e criando subsídios para um julgamento imparcial e para exercer o direito de punir o indivíduo que cometeu o ilícito. Quando do cometimento de um ilícito penal o Estado faz-se valer do seu poder de polícia, colhendo provas que possam atestar a materialidade e autoria de um crime, e que, provavelmente, não resistiriam até a instrução em juízo.
Não existem dúvidas sobre a grande importância do inquérito policial ao longo dos anos, haja vista ter servido como base para o início da maioria das ações penais e para a resolução de inúmeros delitos cometidos. Essa importância pode ser traduzida quando se verifica quão poucas alterações legislativas sofreu com o passar dos tempos.
O inquérito policial, inicialmente, tem a finalidade de investigar o crime na tentativa de descobrir seu autor, com o intuito de fornecer elementos para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, seja esse titular o Ministério Público, seja o particular, como já vimos em nosso estudo em momento anterior. No entanto, essa fase pré processual, quando faz todo esse trabalho investigativo para o apontamento do autor do delito, tem como papel de suma importância a preservação da pessoa do acusado e da própria ação penal, pois ao fazer toda essa instrução prévia reúne provas suficientes para apontar com maior clareza a autoria delitiva, evitando com que inocentes sejam levados ao banco dos réus de forma leviana.
4-CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
Como vimos antes, o inquérito é um procedimento administrativos e assim sendo esta nutrido de características próprias que passaremos a explicar agora de forma bem superficial. Foram enumeradas por Nestor távora e Rosmar Rodrigues Alencar em sua obra “Curso de Direito Processual Penal” as seguintes:
4.1-Oficialidade
Os órgãos oficiais são os únicos que podem realizar o inquérito policial, mesmo que se trate de ação penal privado, cabendo ao delegado, que preside as investigações, a efetuação dos procedimentos necessários.
4.2-Oficiosidade
Nos crimes de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial deve agir de ofício instaurando o inquérito e apurando os fatos assim que tomar conhecimento do delito penal, haja vista que essa atuação está prevista no artigo 5º , I, CPP:
"Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
Quando se tratar de ação penal pública condicionada ou ação penal priva, que dependem de representação da vítima, a autoridade policial precisa de autorização daquela para poder agir, previsão do artigo 5º, §§ 4º e 5º:
“Art. 5º […]
§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação,não poderá sem ela ser iniciado.
§ 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
4.3-Indisponibilidade
A autoridade policial não pode dispor do inquérito, uma vez iniciado deve levá-lo até o fim. Todavia, se ele estiver diante de um diante de um fato no qual fica claro que não houve delito não devera sequer dar inicio ao inquérito policial. O delegado não pode arquiva o inquérito, tudo previsto pelo artigo 17 do CPP.
4.4-Inquisitivo
no inquérito policial as atividades ficam a cargo de uma única autoridade que é o delegado de polícia. Nessa fase não existem a possibilidade do contraditório e tampouco da ampla defesa, isso para dar maior agilidade nas investigações e possibilidade de uma melhor atuação por parte da autoridade. Também por esse motivo que o magistrado não pode se valer única e exclusivamente do inquérito policial na fase processual para condenar o acusado, do contrário incorreria em violação à Constituição.
4.5-Autoritariedade
Essa característica diz respeito a autoridade pública que seria a competente para conduzir o inquérito policial. Essa autoridade é o delegado de policial conforme estabelecido pelo § 4º do artigo 144 da Constituição Federal de 1988, a seguir:
Art. 144 - […]
§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
4.6-Dispensabilidade
Como já dito anteriormente, o inquérito policial tem como função colher provas para afirmar a materialidade e apontar a autoria do ilícito penal, criando elementos suficientes para que o titular da ação possa promovê-la em juízo. Todavia o inquérito não é o único meio para a propositura da ação penal, bastando para tanto que os elementos que compõem a inicial acusatória tenham sido colhidos de outras formas, dispensando assim o inquérito. Contudo se o inquérito for a base para o ingresso da ação deverá acompanhar a inicial acusatória. Por esse movimento que em alguns casos o inquérito policial poderá perfeitamente ser dispensando.
5-O INQUÉRITO POLICIAL SOB O PRISMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
alguns doutrinadores dizem que o inquérito policial não se desenvolve com base nos princípios basilares do direito por considerá-lo um simples procedimento inquisitivo. Nessa fase, que chamamos de pré processual, o indiciado não tem, por exemplo, o direito ao contraditório e a ampla defesa, pois não existe acusação durante as investigações policiais.
5.1-Princípios Constitucionais
5.1.1-Princípio da Verdade Real
No direito penal o que ocorre é a busca pela verdade real dos fatos, ou seja, como aconteceram realmente. O processo penal não se satisfaz com deduções fictícias ou que não traduzam a realidade. O juiz devera se pautar na reconstrução verdadeira dos acontecimentos para poder se aproximar ao máximo do ideal da justiça quando da sua decisão.
Mesmo nessa fase pré processual a verdade real mantém sua extrema importância. A autoridade policial tem a obrigação de no momento da busca pelas provas usar da imparcialidade para apurar os fatos como eles aconteceram realmente e não só ir na procura de elementos que incriminem o indiciado, pois o inquérito não é uma peça meramente acusatória, mas deve servir para ambas as partes.
5.1.2-Princípio da Oficialidade
Como o Estado trouxe para si a responsabilidade pelo inquérito, assim como pelos atos processuais, ele é quem tem autoridade para praticá-los, afastando a possibilidade das partes de cometerem o exercício arbitrário das próprias razões, conforme disposição do artigo 435 do CPP, a seguir:
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Portanto os órgãos responsáveis pela persecução criminal são, por excelência, oficiais como dispõe a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 129 inciso I e artigo 144 § 4º.
5.1.3-Princípio da Indisponibilidade
Com base neste princípio a autoridade policial não dispõe de discricionariedade quanto a continuação de inquérito policial, desde que tenha tomado conhecimento da infração, quando se tratar de ação penal pública incondicionada ou nas condicionadas à representação da vítima quando essa der permissão expressa para a investigação de determinado ilícito penal. Também não poderá a Autoridade Policial determinar o arquivamento, ou mesmo a suspensão das investigações, como prevê o artigo 17 do Código de Processo Penal.
Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
Esse princípio esta atrelado ao princípio da Obrigatoriedade, quando iniciado o inquérito a Autoridade dele não pode dispor, assim como o representante do MP não pode desistir da ação interposta, conforme expresso pelo artigo 42 do CPP. Todavia não podemos esquecer que nos casos da ação penal privado a vítima pode desistir da ação através do perdão ao autor ou pela perempção, nesses casos o que se apresenta é a disponibilidade.
5.1.4-Princípio da Publicidade
Regra geral, esse princípio é o que garante a todos os cidadãos o acesso a todos os atos praticados no decorrer do processo, conforme preceitua o artigo 5°,LX, da CF, este mesmo artigo em seu inciso LX admite o sigilo quando a intimidade ou o interesse social assim exigirem. Já o artigo 792 do CPP em seu § 1º diz que o sigilo é admissível se da publicidade do ato puder ocorrer escândalo, inconveniência grave ou perigo de perturbação da ordem.
Não há dúvida que os atos de investigação que são conduzidos pela Autoridade policial merecem um caráter sigiloso, pois a publicidade de tais atos poderia levar a investigações a resultados não condizentes com a realidade fática. Como vimos anteriormente na parte que fala das características do inquérito uma delas fala a respeito do seu caráter sigiloso, disciplinado pelo artigo 20 do CPP. Esse sigilo não se estende ao Magistrado nem ao membro do Ministério Público, o Advogado do indiciado também pode consultar os autos, segundo previsão legal do Estatuto da OAB.
5.1.5-Principio da Inexigibilidade de autoincriminação
Esse princípio garante aos acusados e indiciados o direito de permanecerem calados durante toda a investigação, está ligado com direito ao silencio que é assegurado pela Constituição. Tem como função impedir que as pessoas sejam coagidas a contribuir ou produzir provas contra si mesmos. É uma forma de proteger a parte mais fraca da relação processual, ou pré processual, qual seja, o indiciado ou acusado, em desvantagem frente a força de punir do Estado.
5.1.6-Princípio do Contraditório e Principio da Ampla Defesa
O princípio do contraditório, também chamado de Princípio da bilateralidade da audiência ou da paridade de tratamento. Tem como garantia o direito ao demandado de tomar conhecimento sobre as questões que são levantadas na ação proposta em juízo, podendo, deste modo, se defender das acusações que foram suscitadas contra sua pessoa. Dessa maneira está sendo dado às partes a condição de influir no convencimento do magistrado.
Já a ampla defesa pode ser dividida em defesa técnica e autodefesa, a primeira realizada por profissional devidamente habilitado, a segunda pelo próprio acusado, tendo garantido o efetivo direito de participar da defesa em todas as fases do processo. No tocante a defesa técnica o artigo 261 do CPP que:
Art. 261 - Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.
O princípio da ampla defesa garante a defesa da forma mais abrangente possível, não permitindo o cerceamento da defesa. Nos casos de verificada ineficiência do defensor o processo corre o risco de ser anulado.
Ressalte-se que não há que se falar em contraditório ou ampla defesa no inquérito policial, por se tratar de procedimento administrativo, como já visto anteriormente. Sobre tal assunto Eugênio Pacelli de Oliveira diz: “Embora a instauração de investigação criminal, por si só, já implique uma afetação no âmbito do espaço de cidadania plena do investigado, não podemos nela identificar um gravame que, sob a perspectiva do Direito positivo, possa ser equiparado a uma sanção. Fosse assim, uma aplicação de sanção regularmente prevista em Lei, não hesitaríamos em exigir o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa já nessa fase”.
5.1.7-Princípio da Presunção de Inocência
Ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória que assim o considere, é o que disciplina o inciso LVII do artigo 5º da CF/88:
Art. 5º […]
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Todos são presumivelmente inocentes até que o contrário seja provado e cabe a acusação o ônus probatório, não podendo ser exigido do acusado a produção de provas que possam o incriminar (princípio da inexigibilidade de autoincriminação).
Esse princípio tem como escopo a proteção dos indiciados, que podem ter suas imagens maculadas de maneira incalculável, sem que sejam culpados pela prática de um delito, tendo suas vidas exposta, por exemplo, pela falta de moderação nas medidas adotadas pela autoridade policial no decorrer das investigações de uma infração penal.
6-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esse estudo foi possível analisarmos o direito processual penal constitucional, em especial os princípios constitucionais que de algum modo estão interligados com o inquérito policial. Esses princípios funcionam como limitadores do poder punitivo estatal, servindo de garantia que não serão vítimas das arbitrariedades do Estado.
Os princípios constitucionais no processo penal são, evidentemente, de fundamental importância. Contudo não se pode deixar que eles passem despercebidos na fase pré processual, afinal é nessa etapa que se constrói os elementos necessários para o ingresso em juízo pelo detentor do direito da ação penal, da mesma forma que servirá de base para a construção do convencimento do magistrado.
Nosso singelo estudo tenta mostrar de forma clara e compreensível essa extrema importância constitucional no direito processual penal, principalmente no inquérito policial. Os princípios que foram aqui estudados servem de estrutura basilar para a garantia do desenvolvimento processual de forma a se aproximar ao máximo do que seria o ideal de justiça.
Referências bibliográficas
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues.Curso de Direito Processual Penal. 7ª edição. Revista, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodivm, 2012.
DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª edição, revista e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.