Resumo: O ambiente social, em qualquer parte do mundo, gera violência e pessoas estão propensas à prática de infrações de toda natureza. Seja causa ou fim, o comportamento do homem supera as possibilidades dos estudiosos em explicar o surgimento do direito, mas por alguma razão desconhecida ou controlada, algumas pessoas e instituições estão mais predispostas a condutas desviantes. Como a ação humana ainda é um mistério para sociólogos, juristas e doutrinadores, nossa abordagem de estudo sobre a especificidade de uma determinada violência policial é resultado de uma análise crítica construtiva, a partir de uma vivência pessoal e da observação do que se fez, do que faz e do que se propõe para o seu efetivo e eficaz controle por intermédio de órgãos internos, externos e sociais.
Palavras-chave: Polícia, sociedade, violência, estratégia, inovação e controle.
Sumário: 1 Introdução; 2 Os atores e o conceito de controle interno, externo e social da atividade policial; 3 Primeira vertente de controle: participar para intervir na cultura velada da violência institucional; 4 Segunda vertente de controle: desarticular a ação dos cabeças no domínio do fato; 5 Terceira vertente de controle: o registro físico da abordagem policial; Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O objeto deste estudo funda-se na necessidade de se construir padrões eficientes e eficazes de controle da atividade policial, mas para que não haja manifestações de desagravo indevidas sobre o conteúdo crítico valorativo de nossa abordagem teórica, afirmo minha real convicção de que a relevância do tema situa-se principalmente na discrepância entre as consequências das violências sofridas pelos policiais e a ausência da discussão de tais atos na comunidade acadêmica brasileira. Assim como em muitos países ao redor do mundo, o Brasil vive uma crise de civilidade no século XXI e todos nós, que integramos o ambiente social, clamamos pela idoneidade dos agentes políticos e pela sedimentação da paz, onde não seja necessário acionar tanto a polícia, mas por outro lado, não fazemos a nossa parte e atuamos continuamente como agentes causadores de inúmeros conflitos. Continuamente, quando resolvemos desafiar o senso comum,
“(...) de acordo com o qual não vai adiantar em nada prestar queixa à polícia, pois ela é ineficiente e corrupta, e procuramos uma delegacia, não é difícil topar com um delegado que afirma que se não tivesse que se explicar para o pessoal dos direitos humanos o seu trabalho daria muito mais resultados” (COMPARATO, 2005, pg. 7).
Crises à parte, nenhum motivo justifica a violência despropositada vinda de homens detentores do poder discricionário para intervir nas garantias constitucionais de vida, de liberdade e de propriedade de todas as pessoas.
Dentro dessa perspectiva, estabelece o Sistema de Gestão Estratégica da Polícia Militar de Minas Gerais (2012, pg. 19), que a missão dessa corporação é, assim como a de qualquer outra corporação policial brasileira, promover a segurança pública com respeito aos direitos humanos e participação social. E se o respeito ao cidadão é pedra fundamental neste conceito, como esclarece o Doutor em sociologia Ignácio Cano[2] (2013, pg. 5), “os únicos limites que a polícia deve observar em sua disposição de serviço aos cidadãos são a lei e os princípios democráticos contidos na Constituição do país, o que implica que sua atuação não será discriminatória nem abusiva”.
Partindo dessa premissa, durante o primeiro encontro estadual de órgãos de controle da atividade policial, evento realizado na Sede do Ministério Público na cidade de Belo Horizonte, nos dias 15 e 16 de junho de 2013, debateram-se os desafios e perspectivas para efetivação do controle da atividade policial nos âmbitos interno, externo e social. Estiveram presentes no evento, Promotores de Justiça, Magistrados, Ouvidores de Polícia, Militares Federais e Estaduais, Delegados e agentes da Polícia Federal e Civil, pesquisadores de entidades públicas e privadas, doutrinadores, juristas, além de representantes de diversos órgãos públicos e da sociedade civil. Nos dois dias de encontro, tivemos a oportunidade de ouvir especialistas em segurança e sociedade, e o que registramos foram pontos de vista bastante divergentes sobre a metodologia para se estudar o fenômeno da violência policial. Entretanto, em um ponto todas as falas se convergiam, a necessidade de intensificar o acompanhamento da atividade no espaço público e a propositura de mudanças na formação do profissional de segurança.
Embora o controle passe necessariamente pela vigilância, estranhamente, a forma como realizamos esse trabalho nos parece um tanto quanto ineficiente e ineficaz. Parte-se sempre da perspectiva de se estimular o cidadão a denunciar a agressão sofrida e, a partir da notícia, investigar os fatos para ao final estabelecer uma linha de ação que importe na absolvição ou aplicação de um “castigo” ao autor da infração. Trabalhando a mais de duas décadas como policial, sendo dez na atividade operacional, seis na atividade acadêmica e nove na Corregedoria de Polícia Militar de Minas Gerais, pude constatar e posso assegurar que, enquanto órgão de controle interno, assim como os demais organismos de controle externo e social, falhamos e somos improdutivos porque atuamos na maioria das vezes quando o evento violento já ocorreu. Na prática, aparecemos sempre de forma reativa e, a bem da verdade, com pouquíssima atividade ativa e preventiva. No Brasil como em qualquer lugar do mundo, o policial vive e respira violência na sua rotina de trabalho, e como é de se esperar, agir com excesso ou arbitrariedade faz parte de seu cotidiano, principalmente se atua em um meio social onde a qualidade de vida é precária e inúmeras são as tentações.
Alguns estudiosos apontam os militares estaduais como os principais responsáveis pelo fenômeno da violência policial, fundamentando suas pesquisas na necessidade de desmilitarização dessas forças públicas. Ora, convenhamos, esse discurso não convence mais e, diga-se de passagem, está bastante desgastado, pois qualquer cidadão um pouco mais esclarecido sabe que a violência não depende do caráter militar ou civil da força pública, mas da forma como atua no contato com a sociedade. Violência policial existe no mundo todo, mesmo em polícias de natureza civil. Em nosso país, transcende com maior intensidade na Polícia Militar, simplesmente porque atuamos com mais frequência e diretamente com o cidadão, mas existe igualmente no interior das Polícias Civis, Federal, Guardas Civis Metropolitanas e Municipais.
Conforme dados estatísticos registrados somente pela Ouvidoria Geral de Polícia de Minas Gerais, referente ao segundo semestre de 2012 (2013, pg. 35), dos 1818 registros recebidos, 57,15% se referiram à Polícia Militar, 39,27% à Polícia Civil e 3,58% ao Corpo de Bombeiros Militar. Entretanto, os principais problemas com as polícias não encontra foco na violência, mas principalmente na “má qualidade da prestação de serviços e na solicitação sobre falta de policiamento”, com 16,50% e 9,19%, respectivamente. Condutas relacionadas a violência aparecem, na sequência, com: violência arbitrária (4,18%), constrangimento ilegal (3,63%), tratamento desrespeitoso (1,76%) e ameaça (1,71%).
Guardadas as devidas proporções, restam evidentes no trabalho de muitos pesquisadores, defensores de um ambiente democrático protegido por polícias exclusivamente de natureza civil, um incômodo desconhecimento sobre a estrutura de funcionamento desses corpos de segurança. Veja, por exemplo, o estudo elaborado pelo professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco, Jorge Zaverucha (2001, pg. 81), pesquisador do CNPQ, ao discorrer sobre o “Poder Militar entre o autoritarismo e a democracia”, ao afirmar que a transição do autoritarismo para a democracia no Brasil deveria procurar minimizar o poder militar. Data venia, devo apenas concordar de que a ideologia militar que orienta para ver o adversário como “inimigo” esteja, em certos casos, a influenciar negativamente e subliminarmente as forças policiais. Talvez aqui uma das fontes da violência e um grande obstáculo para a humanização dos homens da lei. Neste aspecto, abordaremos mais à frente quando discorrermos sobre a formação cultural do policial.
Partindo desse contexto, estamos convencidos de que o controle da atividade policial deve estar focado na atuação ativa e preventiva por parte dos organismos fiscalizadores internos, externos e sociais. Esse controle, se bem formulado, pode ter a capacidade real de inibir a conduta violenta, incomodando pelo acompanhamento contínuo de toda a estrutura hierárquica institucional. Mais do que elaborar documentos instrutivos ou aguardar o recebimento de denúncias para se proceder a investigações, aqueles que supervisionam e fiscalizam necessitam inverter a lógica da estratégia, passando a atuar em três vertentes de grande impacto: na formação profissional, no domínio do fato e no registro físico da atuação policial.
2 Os atores e o conceito de controle interno, externo e social da atividade policial
No âmbito interno, utilizando-me do conceito geral formulado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo[3], compete especialmente às Corregedorias de Polícia dos Estados assegurarem a disciplina e a apuração das infrações penais nas respectivas corporações, fornecendo poderes para a consecução do objetivo maior de oferecer à população um serviço de segurança de excelente qualidade. Ainda, são mantidas as investigações para a apuração de casos em que o policial é vítima, para a satisfação dos anseios de justiça da corporação e da família daquele que tomba em serviço ou em razão dele. Esses organismos, por estarem subordinados e/ou vinculados hierarquicamente e disciplinarmente à estrutura da respectiva força policial, evidentemente, atuam corporativamente e com grandes restrições de poder investigativo, principalmente, quando se trata de apurar a conduta de profissionais ocupantes de posições mais elevadas na estrutura organizacional, a que chamaremos de “cabeças” no desenrolar deste estudo.
No âmbito externo, evidencia a atuação do Ministério Público e das Ouvidorias de Polícia. O primeiro produziu o Manual Nacional do controle externo da atividade policial (2012, pg. 16), e esclarece que a atividade policial é essencial à promoção da segurança pública e à efetivação dos direitos fundamentais, pelo que deve se pautar na eficiência e no respeito aos cidadãos. Como sempre existe a probabilidade de ocorrência de excessos e abusos praticados pelos integrantes das corporações elencadas no art. 144 da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público atua para “(...) repressão aos eventuais desvios de conduta dos policiais, combate à impunidade e bloqueio das interferências na atividade correcional”.
Na mesma vertente da promotoria e de acordo com estudo elaborado pelo pesquisador e sociólogo Bruno Konder Comparato (2005, pg. 10/11), a instituição das ouvidorias é um fenômeno recente, posterior à redemocratização do país, e diferente da “criação de apenas um ombudsman, ouvidor-geral ou representante do povo ligado ao legislativo”, determinou o surgimento de “uma grande quantidade de ouvidorias para assuntos específicos em todos os níveis da administração, e de preferência ligados ao poder executivo”. Para além do pensamento alienado de alguns críticos ao trabalho das ouvidorias de polícia, “já se foi o tempo em que os direitos humanos constituíam um tema tabu para o governo”, sendo desnecessário esclarecer que a ação desses organismos nunca representou e não representa “ingerência em assuntos internos” (COMPARATO, 2005, pg. 14).
Por último, no âmbito social, o controle é elaborado, conforme explicam os professores Rafael dos Santos[4] e Luiz Carlos Guimarães Serafim[5] (2012, pg. 6), “pelo conceito de accountability, prestação de contas, que está presente tanto na gestão empresarial como, sobretudo na Nova Administração Pública, que nos oferece elementos para entendermos a importância de um controle social efetivo como parte integrante das políticas públicas”. Por esse mecanismo, a sociedade passa a ter direito de conhecer publicamente os resultados quantitativos e qualitativos das políticas públicas. Assim, transparência e publicidade são conceitos que regem todos os níveis de poder, inclusive os da segurança.
Feita as devidas considerações e tomando como referência o conteúdo do Manual Nacional do controle externo da atividade policial elaborado pelo Ministério Público, não restam dúvidas de que a metodologia utilizada por todos os órgãos de controle se restringe em trabalhos de investigação sobre as condutas negativas praticadas pelos policiais. Como nossa visão atual é da existência de atividades de controle com estratégias de trabalho pouco eficientes e eficazes, passaremos a delimitar algumas propostas de atuação profissional e de indicadores, que julgamos de recomendada importância para a melhoria da qualidade dos corpos policiais.
3 Primeira vertente de controle: participar para intervir na cultura velada da violência
Vasta literatura anglo-saxônica revela que ter uma polícia com características violentas não é demérito exclusivo dos brasileiros e a observação em países latinoamericanos destaca as condutas desviadas como um dos focos mais problemáticos da prática policial. Com frequência, segundo estudos elaborados pelo professor e antropólogo da Universidad de Chile, Patricio Tudela Pobletede[6] (pg. 129), “(...) la violência y la corrupción policial – por ejemplo – obedecen a una cultura policial dominante y que el problema radica en la conducta desviada (código del silencio) y el abuso de poder, como se há destacado en relación a casos de algunas de las policías de Argentina,Brasil o México”.
Sendo a polícia uma profissão de regulamentação recente em nosso país, importa dizer que em decorrência da sua falta de maturidade, apresenta uma carência de padrões de competência e de responsabilidade se comparados aos estabelecidos pelas profissões mais tradicionais. Em consequência, de acordo com estudos do Professor Paulo Mesquita Neto[7] (1999, pg. 135), ao discorrer sobre o controle da violência policial:
(...) o comportamento dos policiais tende a ser mais regulado por padrões definidos segundo critérios não profissionais ou antiprofissionais, por profissionais que não são policiais - juristas, acadêmicos, políticos, militares e, mais recentemente, até jornalistas. Neste contexto, o conceito de violência policial tende a ser formulado de acordo com critérios estabelecidos fora das organizações policiais e incorporados, livremente ou à força, pelas organizações policiais e pelos policiais.
A boa educação é, em certa medida, um bom passo para a construção de instituições policiais e profissionais ideologicamente menos propensos a sentir “prazer” pela violência. Digo prazer porque, enquanto no círculo privado dos homens da lei, ainda for mérito o debate em torno de ações voltadas para a prática de abusos de autoridade, tortura e homicídios, qualquer outra medida de contenção da força se torna irrelevante. Em uma pesquisa financiada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, coordenada pelos professores Arthur Trindade[8] e Maria Stela Grossi Porto[9] (2011, pg. 341), verificou-se que o conteúdo dos códigos de deontologia policial em uso na Polícia Militar do Distrito Federal (Brasil) e Ottava Police Service (Canadá), “sem normas administrativas de conduta mais claras, não assegura o controle adequado das atividades” desenvolvidas por esses profissionais. Constatou-se, ainda, “a necessidade de assimilação destes códigos e normas administrativas pelos sistemas de treinamento e avaliação das polícias”.
O estudo levado a efeito é importante e deve ser considerado pelas corporações policiais, pois identifica sintomas de instituições carentes de uma filosofia comprometida com os assuntos que digam respeito à dignidade da pessoa humana. Os profissionais de segurança, em regra, não sabem identificar e desconhecem os limites da legalidade e da ilegalidade. Aprendem o que devem fazer e não fazer, mas não sabem exatamente como fazer. Como nos ensina um dos maiores especialistas em segurança pública, o americano David Bayle (apud TRINDADE E PORTO, 2011, pg. 343), “as instituições policiais são organizações destinadas ao controle social com autorização para utilizar a força, caso necessário”.
O dogma policial a ser internalizado nos bancos acadêmicos como verdadeiro código de honra, deve ser o do uso da força como consequência e não como razão de ser, como meio alternativo e não como fim específico, como exceção e não como regra. Aparentemente, embora se inclua nas grades curriculares de todas as instituições de ensino policial, conteúdo programático voltado ao dever de respeito, as mensagens subliminares passadas por vários integrantes do corpo docente e da administração acadêmica sedimentam uma deontologia justamente oposta ao desejado. De acordo com Marcos Rolim (2007, pg. 35), as forças policiais agem assim porque,
(...) o arcabouço ideológico da subcultura institucional a que estão vinculados afirma que o saber científico é abstrato ou ‘teórico demais’, guardando pouca relação com os ‘desafios práticos’ vividos na linha de frente. Ali, ‘o melhor apoio’ é aquele oferecido pela pistola, enquanto a teoria aprendida na academia será sempre um obstáculo a ser superado.
Por mais que muitos neguem, a ideia que viceja veladamente dentro dessas Unidades é mais ou menos a seguinte, nós te ensinamos o certo aqui dentro, mas nas ruas a regra é um pouco diferente, vai depender de cada caso, todavia, um policial jamais leva desaforo para casa, ninguém te xinga, ninguém te afronta. Esse é um apelo muito forte, uma verdadeira regra de ouro e aqueles que delas se afastam, por vezes, mais cedo ou mais tarde, são excluídos do grupo e também das ruas.
Atentos ao problema, o professor José Vicente Tavares dos Santos, de Porto Alegre, juntamente com os sociólogos Dani Rudniki e Carina Füsternau, no ano de 2003, elaboraram um artigo sobre a possibilidade de uma polícia diferente em uma sociedade democrática. Partiram de alguns eixos, dos quais destacaram mudanças nas políticas de qualificação profissional, programa de modernização e processo de mudanças estruturais e culturais. Na oportunidade, entrevistaram oficiais superiores da ativa e reserva da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, sendo revelado que historicamente a atividade policial sempre foi vista como não especializada, onde se exigia somente vigor físico e coragem inconsequente para pegar pessoas a unha e servir como um “robozinho”, destinado a separar o bem do mal. Concluíram o estudo destacando:
O grande desafio colocado no processo de democratização dos países da América Latina, hoje, quanto às organizações policiais, é a questão da função da polícia, do conceito de polícia. Esta definição é manifestada pela transposição da polícia tradicional, voltada exclusivamente a uma ordem pública predeterminada e estabelecida pelo poder dominante, para uma polícia cidadã, direcionada para efetivação e garantias dos direitos humanos fundamentais de todos os cidadãos.
Os policiais em formação e em treinamento, do princípio ao fim da carreira, além do contato com a cultura ideológica institucional, necessitam se convencer de que não estão alijados da sociedade civil, não são um corpo à parte e dela também participam ativamente. Como pressupõe os estudos do professor e sociólogo Ignacio Cano (2013, pg. 36/37), também penso que, além do conteúdo profissional, as organizações devem incluir nas grades curriculares foros acadêmicos apropriados e regulares com Conselhos Comunitários ou Estatais de Segurança, para que tenham contato com os cidadãos, possam ouvir suas demandas e suas queixas e apresentar resultados. Ao mesmo tempo, como conclui o professor Ignacio, “(,,,) seria oportunizado aos civis saber que o poder da polícia para resolver os problemas que lhes são atribuídos é menor do que muitos imaginam”.
Outra relevante pesquisa elaborada pelo Oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Paulo Augusto Souza Teixeira (2009, pg. 17), coordenador de Conselhos Comunitários de Segurança da capital, destacou:
Nas entrevistas realizadas com policiais que trabalham na atividade operacional, verificou-se que a maior parte deles lida cotidianamente com questões que não são crimes, havendo uma necessidade de maior entendimento de técnicas de mediação de conflitos e do desenvolvimento de sistemas de apoio, com informações seguras que possam ser dadas aos policiais nas ruas. Esse talvez seja um dos maiores impactos dessa pesquisa, ou seja, possibilitar que as organizações policiais militares associem ao rol de competências hoje treinadas pelos policiais (legislação, abordagens e tiro) um conjunto de conhecimentos necessários para mediar os conflitos com os quais eles se deparam diariamente em quase todas as ruas do país.
O estudo levado a efeito pelo policial carioca identificou carência de uma visão institucional integrada entre as áreas de ensino ou de formação (voltada para a ascensão funcional) e a de treinamento (voltada para o desenvolvimento de habilidades e capacidades necessárias para a realização de suas tarefas cotidianas), tendo indicado as polícias militares de Minas Gerais e São Paulo, entre as quatro da região sudeste estudadas, como referências na atividade.
Na prática, o que se verifica, é que mesmo as corporações de referência não podem se omitir da necessidade de mudanças estratégicas educacionais, haja vista que, não raras às vezes, ocupam os meios de comunicação e são alvos de inúmeras pesquisas de opinião pública e de estudos científicos, reveladores de um incômodo e elevado percentual de más condutas praticadas por seus integrantes. Reforça nosso posicionamento o trabalho apresentado pela Professora e Doutora em Ciência Política, Maria Celina D’Araujo[10] (2002, pg. 14), ao observar em seus estudos o fato de que “(...) dois estados no Brasil, Rio de Janeiro e Minas Gerais têm formado policiais com um currículo cujo conteúdo praticamente não inclui temas afeitos à doutrina militar sem que isso tenha produzido uma polícia menos violenta”.
Tudo isso nos faz refletir de que o controle de uma instituição sobre outra passa, necessariamente, pelo conhecimento que elas possuem entre si, por isso é imprescindível que os órgãos de fiscalização externos e sociais mantenham contatos frequentes e formais com Unidades policiais onde acontecem cursos de formação e de treinamento, oportunizando: a) conhecer as suas dependências físicas, a fim de aferir a qualidade e a quantidade do material ofertado aos alunos; b) identificar o perfil profissional e intelectual dos dirigentes e docentes, procurando certificar de que a filosofia e a ideologia de trabalho a ser disseminada aos discentes seja compatível com o estado democrático de direito, que privilegia o respeito aos direitos humanos e a supremacia civil sobre as forças de segurança; c) fiscalizar e participar da formulação das grades curriculares, garantindo a inclusão textual de uma deontologia com forte apelo normativo e que possibilite aos policiais conhecer o que se pode, o que se deve e como fazer; d) conhecer o teor dos estatutos, códigos disciplinares, manuais e outros documentos administrativos, a fim de se evitar a perpetuação de terminologias subliminares negativas que estejam a prejudicar a relação polícia e sociedade; e) readequar o processo de seleção de candidatos a carreiras policiais, permitindo que o processo de investigação social seja elaborado antes do início do curso de formação, como uma das etapas do processo, filtrando melhor o acesso de profissionais, com o objetivo de se evitar aqueles com características e comportamentos inidôneos e/ou violentos. O psicólogo americano, Philip Zimbardo, um dos maiores especialistas em comportamento humano e autor do desafiador e extremamente pertinente livro, “O Efeito Lúcifer” (2012, pg. 15), ensina que:
Mudar e evitar comportamentos indesejáveis em indivíduos e grupos exige o conhecimento das forças, virtudes e vulnerabilidades que eles carregam em uma determinada situação. Em seguida, precisamos reconhecer mais inteiramente o complexo das forças circunstanciais que operam em determinados cenários comportamentais. Modificá-los, ou aprender a evitá-los, pode ter um impacto maior na redução de reações individuais indesejáveis do que reforçar ações voltadas apenas a mudar as pessoas durante determinada situação.