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Arras

08/12/2013 às 08:10
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Estudo do conceito do instituto jurídico das arras, bem como aclaradas suas principais características e funções, estas que acabam por dividir as arras em duas espécies: confirmatórias e penitenciais.

O presente artigo objetiva analisar de forma ampla o instituto jurídico das arras, expondo sua origem histórica, bem como sua previsão legislativa atual.

Além do mais, o estudo proposto será fundamentado em entendimentos doutrinários contemporâneos e em julgados proferidos pelos Tribunais Superiores, esses que se prestarão a ilustrar a corrente adotada pela jurisprudência majoritária.

Com relação ao aspecto histórico da expressão arras, esta foi introduzida no vocabulário comercial dos gregos através da palavra arrabon e dos romanos por intermédio do termo arrhabo frequentemente utilizado pelos mercadores fenícios, de modo a indicar o penhor que funcionava como sinal de firmeza de um contrato pactuado.

Diante do contexto histórico descrito no parágrafo acima, iremos centralizar nossos esforços na origem romana, até mesmo pelo fato de que nosso ordenamento jurídico possui vasta influência do direito romano.

Ao seguirmos as diretrizes supracitadas, julgamos relevante lecionar que as arras para os romanos consistiam em tudo o que uma das partes contratantes fornecia à outra como forma de sinal de perfeição do que fora convencionado, tendo por escopo assegurar de forma indireta o adimplemento obrigacional derivado do contrato.

Portanto, diante do aspecto histórico narrado, é possível constatar que as arras podiam ser fornecidas em dinheiro, bem como em qualquer outra espécie de bem dotado de valor econômico, pressupondo sempre a existência de uma obrigação principal, da qual eram caracterizadas as arras como acessório, podendo ser civil, natural, pura e simples, condicional ou a termo.

Superado o contexto histórico acerca do instituto jurídico das arras, passaremos a abordar o tema de acordo com o ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, nos moldes do que fora declarado no início do presente trabalho, iremos nos pautar não apenas na legislação em vigor, mas também nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais majoritários.

Atualmente, de acordo com os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, as arras se prestam a demonstrar que os contratantes possuem propósitos sérios a respeito do contrato, com a real intenção de contratar e manter o negócio jurídico entabulado.

Cumpre esclarecer que as arras também podem ser denominadas de sinal, de acordo com o que demonstra Maria Helena Diniz, em sua obra Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, ocasião em que leciona:

“As arras ou sinal vêm a ser a quantia em dinheiro, ou outra coisa móvel, em regra, fungível, dada por um dos contraentes ao outro, a fim de concluir o contrato, e, excepcionalmente, assegurar o pontual cumprimento da obrigação.”

Vale ressaltar que as arras não podem ser equivalentes à integralidade do pagamento, possuindo diversas finalidades na relação contratual, pois servem como garantia para demonstrar seriedade ao ato, valendo ainda como princípio de pagamento, e de indenização na hipótese de ser configurado o arrependimento de qualquer dos contratantes, quando estiver devidamente expressa no instrumento contratual.

Assim, as arras caracterizam-se como pacto acessório, que insere uma condição resolutiva ao negócio jurídico pactuado caso venha a ocorrer a possibilidade de arrependimento.

Insta salientar que as arras podem estar presentes em todos os contratos nos quais restam pendentes obrigações, podendo ser inseridas nos negócios jurídicos bilaterais e unilaterais, como na hipótese do mútuo oneroso citada na obra de Sílvio de Salvo Venosa.

Cumpre esclarecer ainda que não é possível que terceiro estranho à relação contratual ofereça as arras, pois estaria descaracterizado o negócio, já que o instituto jurídico das arras é exclusivo das partes contratantes.

Com o intuito de tornar didático o presente artigo jurídico, julgamos interessante expor o conceito, bem como a utilização das arras através de um exemplo prático, hábil a ilustrar o tema proposto. Para tanto, iremos nos valer novamente dos ensinamentos da jurista Maria Helena Diniz, que ilustra a matéria da seguinte maneira:

“Assim, se A pretende efetivar um contrato de compra e venda, poderá entregar a B, que é o vendedor, uma quantia em dinheiro, como prova da conclusão do contrato e como garantia de seu adimplemento. O sinal funciona, pois, não só como um reforço nos contratos bilaterais ou comutativos, indicando a realização definitiva do concurso de vontades, ao firmar a presunção de acordo final, devendo, em caso de execução, ser restituído ou computado na prestação devida, se do mesmo gênero da principal (CC, art. 417), mas também como uma garantia ao pontual cumprimento da obrigação avençada, visto que se pode convencionar a possibilidade do desfazimento do contrato por qualquer das partes, hipótese em que terá função indenizatória. Assim, aquele que deu o perderá para outro e o que recebeu o devolverá mais o equivalente, não havendo, em qualquer caso, direito à indenização suplementar (CC, art. 420), assegurando-se, assim, às partes o direito de arrependimento.”

Dessa maneira, observamos que os ensinamentos transcritos da obra de autoria da renomada jurista se prestam a fundamentar as informações expostas no curso do presente trabalho.

Quanto ao momento de formação das arras, é possível declarar que elas podem estar presentes tanto nos contratos definitivos, bem como nos preliminares, devendo ser pactuadas no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, mas desde que seja estabelecida antes do adimplemento das prestações obrigacionais.

Ainda no tocante à formação, nos contratos solenes, as arras atuam com a função de prevenir possível arrependimento, vez que prefixa as perdas e danos, nos moldes do que fora ventilado inclusive na transcrição doutrinária realizada.

Cumpre esclarecer que a declaração supracitada é inclusive a mais comum de ser observada em nosso cotidiano, principalmente em contratos de promessa de compra e venda de bem imóvel, ocasião em que o promitente comprador entrega certa quantia em favor do promitente vendedor a título de arras, valor este que se prestará a prevenir possível desistência no curso das tratativas comerciais, sendo que na hipótese de ser caracterizada referida desistência a quantia depositada como sinal será entregue ao promitente vendedor a título indenizatório pelas perdas e danos sofridos.   

Por outro lado, as arras estabelecidas em contratos não solenes se prestam para fornecer ênfase à vontade de contratar, indicando a realização definitiva do negócio.

No tocante à codificação atual, as arras encontram-se previstas entre os artigos 417 e 420, todos do Código Civil de 2002.

“Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.”

“Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.”

“Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.”

“Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.”

Os dispositivos legais acima arrolados acabam por indiretamente separar o instituto jurídico das arras em duas funções, sendo elas: arras confirmatórias (artigos 417 a 419 do Código Civil) e arras penitenciais (artigo 420 do Código Civil).

No tocante às arras confirmatórias, estas consistem na entrega de uma coisa por um dos contratantes em favor do outro, com o intuito de comprovar sua intenção na realização do negócio jurídico, bem como garantir que esse será cumprido, de modo a impedir o arrependimento por uma das partes.

Logo, o artigo 417 do Código Civil Brasileiro transmite justamente a função das arras relacionadas ao início de pagamento ou confirmação do negócio jurídico, ressaltando a questão do sinal em dinheiro, modalidade habitual, levando-se em consideração que o valor das arras deve ser computado no pagamento do preço total.

Por sua vez o artigo 418 da mesma codificação acaba por estabelecer o procedimento a ser adotado caso o contratante que prestou as arras não vier a cumprir com suas obrigações contratuais, restando incontroverso que diante dessa hipótese o contraente prejudicado poderá vir a reter a quantia entregue a título de sinal dando o negócio jurídico entabulado como desfeito.

Vale ressaltar inclusive que se a inexecução do contrato se der por quem recebeu as arras, aquele que as prestou também poderá considerar o negócio jurídico desfeito exigindo a devolução da quantia adimplida atualizada monetariamente e acrescida de juros de mora e honorários advocatícios.

Ainda no tocante às arras confirmatórias, destacamos a previsão expressa pelo caput do artigo 419 do Código Civil, que estabelece que a parte que vier a ser prejudicada pela desistência do negócio jurídico poderá vir a pleitear perante o contratante inadimplente além das hipóteses arroladas acima (artigo 418 do CC) o pagamento de indenização suplementar.

Insta salientar que a indenização suplementar supracitada poderá vir a ser exigida desde que o contratante prejudicado comprove que os danos suportados são muito superiores à quantia eleita a título de arras.

Por fim, no tocante às previsões expressas pelo artigo 419 do Código Civil, devemos lecionar que além da indenização suplementar a parte lesada poderá exigir o cumprimento do contrato entabulado, sem prejuízo da reparação pelos prejuízos suportados, neste caso servindo as arras como a indenização mínima a ser aplicada.

Diante desses fatos podemos observar o triplo objetivo das arras confirmatórias, finalidades estas amplamente debatidas pela jurista Maria Helena Diniz, que ao abordar o tema discorre:

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“a) confirmar o contrato, tornando-o obrigatório, fazendo-o lei entre as partes, não sendo mais lícito a qualquer contraente rescindir o negócio unilateralmente, pois firmaram a presunção de que o contrato se formou;

b) antecipar o pagamento do preço, de sorte que o seu quantum será imputado no preço convencionado. A importância entregue como sinal será tida como adiantamento do preço. A esse respeito estatui o Código Civil, no art. 417, in fine, que as arras, quando o contrato concluído for executado, deverão ser computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal, ou restituídas, se não o forem. As arras em dinheiro constituem princípio de pagamento, mas a recíproca não é verdadeira, visto que nem todo o princípio de pagamento deve ser havido como arras (RT, 190:876);

c) determinar, previamente, as perdas e danos pelo não cumprimento das obrigações a que tem direito contraente que não deu causa ao inadimplemento. As arras confirmatórias não são incompatíveis com a indenização do dano (...). Essa indenização de perdas e danos por inadimplemento contratual (RT, 516:228; CC, art. 389) será apurada tendo por base o valor atual do desfalque patrimonial sofrido pela parte inocente. Com isso, percebe-se que as arras confirmatórias não são consideradas como estimativa da totalidade das perdas e danos.” 

Portanto, diante do conteúdo exposto restou pacificado o conceito, bem como as características que envolvem as arras confirmatórias, estas que possuem previsão nos artigos 417, 418 e 419, todos do Código Civil Brasileiro.

Por sua vez, no tocante à segunda função do instituto jurídico das arras, essa diz respeito às arras penitenciais, estas que possuem amparo legislativo pela redação do artigo 420 do Código Civil, dispositivo este anteriormente transcrito.

Com relação às arras penitenciais, estas servem de limite no caso de possível indenização por força de inadimplemento, ou seja, nessa hipótese as arras adotarão a função de permitir o arrependimento por parte dos contratantes, substituindo a presença de uma cláusula penal, antes do adimplemento obrigacional.

Dessa maneira, na hipótese do contrato entabulado entre as partes possuir cláusula que estipule o direito de arrependimento para qualquer um dos contraentes, aplicar-se-á a previsão do artigo 420 do Código Civil, ocasião em que as arras possuirão função meramente indenizatória/penitencial.

Logo, caso ocorra a previsão supracitada, o contratante que forneceu as arras as perderá em favor da outra parte. Por sua vez, aquele que recebeu o sinal no início da relação jurídica, deverá devolver a quantia recebida, mais o equivalente.

Por fim, resta indispensável salientar que em ambas as hipóteses arroladas para aplicação das arras penitenciais, não existirá para ambos os contratantes direito a indenização suplementar, podendo o inocente, que não foi o responsável por dar origem à resolução contratual discutir apenas possível atualização monetária da importância envolvida, sem prejuízo de juros de mora, honorários advocatícios e despesas processuais (artigos 389 e 395 ambos do Código Civil).

Cumpre esclarecer que os ensinamentos expostos acerca das arras penitenciais são comprovados através da doutrina contemporânea, nos moldes do que leciona Maria Helena Diniz:

“As arras têm ainda, uma função secundária, na hipótese de se permitir o arrependimento, isto é, se os contraentes se reservam o direito de arrepender-se, pois prescreve o Código Civil, no art. 420 (...) Nesse caso configurar-se-ão as arras penitenciais, em que os contraentes, na entrega do sinal, estipulam, expressamente, o direito de arrependimento (RT, 470:270, 792:370), tornando, assim, resolúvel o contrato, atenuando-lhe a força obrigatória (AJ, 80:370), mas à custa da perda do sinal dado ou de sua restituição mais o equivalente (RF, 92:697, 99:91; RT, 474:183, 156:633, 544:236, 191:810). As arras seriam, portanto, uma indenização das perdas e danos pré-fixada, logo, se quem as deu desistir do negócio, perdê-las-á, e, se quem as recebeu for o desistente, deverá devolvê-las em dobro. As arras penitenciais excluem a indenização suplementar. (...) O direito de arrependimento deverá ser exercido dentro do prazo que se estabelecer, e, se não houver tal prazo, até o início da execução do contrato (RT, 493:149).

Se não se estabelecer o direito de arrependimento, verificando-se este, as arras deverão ser devolvidas singelamente, e não juntamente com o equivalente (RT, 44:168), pela parte que as recebeu e que se retratou.

O arrependimento é, portanto, o direito do contratante de não executar a obrigação ou de interromper sua execução, pagando certa soma. As arras penitenciais seriam, assim, um meio de arrependimento.”

Diante do exposto restou demonstrado o conceito do instituto jurídico das arras, bem como aclaradas suas principais características e funções, estas que acabam por dividir as arras em duas espécies: confirmatórias e penitenciais.

Sendo as arras confirmatórias (artigos 417 a 419 do Código Civil) se prestam basicamente a confirmar o contrato entabulado entre as partes; antecipar o pagamento do preço ajustado; e determinar previamente a reparação pelas perdas e danos. Enquanto que as arras penitenciais (artigo 420 do Código Civil) consistem naquelas aplicadas na hipótese de resolução do contrato, estipulando-se o respectivo direito de arrependimento através da perda do valor entregue a título de arras, ou ainda, da devolução da referida importância mais o equivalente.

Cumpre esclarecer que os entendimentos supracitados fundamentam-se também pela jurisprudência pátria, nos moldes do que comprova o julgado abaixo transcrito:

“Ementa: Sentença que declarou a resolução do contrato de compromisso de compra e venda com a determinação para restituição de arras de forma simples. Recurso da autora que busca a reforma da sentença para que a restituição das arras pagas como sinal e princípio de pagamento seja feita em dobro. Resolução do contrato por inadimplemento dos vendedores em razão de constar da existência de restrições em seus nomes. Recurso adesivo que pretende a retenção das arras sob alegação que houve desistência do negócio pela compradora. Não houve desistência, mas resolução por reconhecimento do inadimplemento dos vendedores. Arras confirmatórias e não penitenciais As arras penitenciais não se presumem, devem ser expressas Cláusula no contrato de venda e compra que previa a devolução do sinal, acrescido de juros e correção monetária em caso das certidões apresentarem restrições. Não é caso de restituição em dobro por se cuidar de arras confirmatórias. A sentença deve ser mantida. Apelo e recurso adesivo desprovidos (Voto 7)”

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 0101611-75.2009.8.26.0100. Relator: Silvério da Silva. Comarca: São Paulo. Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 02/10/2013. Data de registro: 04/10/2013).

Portanto, ao efetuarmos a leitura do julgado acima transcrito restam devidamente fundamentados todos os ensinamentos transmitidos através do presente trabalho, que buscou englobar os principais pontos a serem abordados para o devido estudo das arras.

Sendo assim, por intermédio do presente artigo jurídico restaram ventilados todos os pontos de maior relevância acerca do instituto jurídico das arras, levando-se em consideração a previsão legislativa, bem como os aspectos doutrinários e jurisprudenciais adotados contemporaneamente pela corrente majoritária.


Bibliografia utilizada:

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 29. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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Sobre o autor
Rodrigo Alves Zaparoli

Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito pela Faculdade de Direito Mackenzie. Pós graduado em Direito civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAPAROLI, Rodrigo Alves. Arras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3812, 8 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26060. Acesso em: 17 nov. 2024.

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