Artigo Destaque dos editores

Pessoa jurídica na lei ambiental-efetividade e (in) eficácia da lei penal face ao bem jurídico tutelado

Exibindo página 2 de 2
13/12/2013 às 10:30
Leia nesta página:

5.  CRIMES AMBIENTAIS

O raciocínio desenvolvido por Norberto Bobbio e trazido no presente trabalho se justifica, haja vista que o delito ambiental no que tange a sua aplicabilidade e conseqüente eficácia, deve ser entendido sob o aspecto de legislação penal infraconstitucional especial, que é; logo, se revela oportuno uma breve introdução a sistemática adotada pelo direito criminal, haja vista que por uma questão de entendimento acerca do tema em estudo, devemos relembrar que o Código Penal vigente, tutela de forma geral toda conduta criminosa, sendo entendida esta como um direito penal geral, enquanto que a lei de crimes ambientais, trata-se de lei especial.

Entretanto, a primeira não impossibilita a aplicabilidade subsidiária da segunda, sendo certo que as duas compartilham da mesma finalidade, seguindo fielmente as regras estabelecidas pelo sistema normativo, sendo oportuno ressaltar que tal raciocínio se relaciona com a pretensão punitiva prevista expressamente no texto constitucional, conforme já discorremos.


6. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

Vitor Eduardo Rios Gonçalves,esclarece que:

“De acordo com esse princípio, em havendo duas normas aplicáveis ao caso concreto, se uma delas puder ser considerada subsidiária em relação à outra, aplica-se a norma principal, denominada “primária”, em detrimento da norma subsidiária.

Aplica-se o brocardo lex primaria derrogat subsidiariae.

A subsidiariedade de uma norma não pode ser avaliada abstratamente.  O intérprete deve analisar o caso concreto e verificar se, em relação a ele, a norma é ou não subsidiária.  Aqui existe uma relação de conteúdo e continente, pois a norma subsidiária é menos ampla que a norma primária.  Dessa forma, primeiro se deve tentar encaixar o fato na norma primária e, não sendo possível, encaixá-la na norma subsidiária”(GONÇALVES, 2002, p. 18).6.

O mesmo autor esclarece ainda:

“Neste sentido, o artigo 12 estabelece que as regras da Parte Geral do Código Penal “aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”.Esse dispositivo consagra a aplicação subsidiária das normas gerais do direito penal à legislação especial, desde que esta não trate o tema de forma diferente. Ex.: o artigo 14, II, do Código Penal, que trata do instituto da tentativa, aplica-se aos crimes previstos em lei especial, mas é vedado nas contravenções penais, uma vez que o art. 4º. da Lei das Contravenções Penais declara que não é punível a tentativa de contravenção.”7.

Entretanto, é importante ressaltar que o raciocínio acima  desenvolvido foi baseado na teoria geral do crime voltada  para a conduta da pessoa humana; portanto, em virtude da inovação trazida pela lei 9605/98, algumas situações juridicamente previstas restarão inaplicáveis a pessoa jurídica.

Isso não significa que tais condutas (pessoa física e pessoa jurídica), não estejam relacionadas, uma vez que a conduta da(s) pessoa (s) física (s) , na figura de ente coletivo é que dá a base de sustentação para a responsabilização da pessoa jurídica.

Ao analisar a lei 9605/98, em seu artigo 3º.parágrafo único: “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”, vislumbramos que ocorre uma inovação no sentido de se admitir no ordenamento jurídico a denominada responsabilidade penal cumulativa.


7.  RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA

A maior inovação contida na Lei 9.605/98, e que tem seu fundamento na Constituição Federal, é a responsabilidade penal da pessoa jurídica pelos atos de degradação ambiental cometidos por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (artigo 3º.), sem excluir, evidentemente, a responsabilidade individual das pessoas físicas autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Trata-se de verdadeira revolução no Direito Penal pátrio, tradicionalmente edificado em torno da responsabilidade individual e no princípio da intranscendência da pena.

O Texto legal peca ao deixar de estabelecer regras processuais mais claras e definidas quanto ao rito e procedimentos processuais nos crimes atribuídos à pessoa jurídica, o que exigirá, além do natural emprego das normas processuais penais, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Sérgio Salomão Shecaira, afirma:

“As penas aplicáveis à pessoa jurídica, por óbvio, não serão as privativas de liberdade, mas as de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade (artigos 22 e 23), com possibilidade, inclusive, de liquidação forçada, na hipótese extrema de se constatar a constituição ou utilização da pessoa jurídica com  o fim preponderante de praticar crimes ambientais (artigo 24).  É a “pena de morte da pessoa jurídica”. 8.

A responsabilidade penal, surge com a ocorrência de condutas tipificadas em lei que causam danos ao meio ambiente e deriva do jus puniendi (direito de punir) do Estado.

É um recurso externo – “última ratio” – utilizado para tutelar os bens mais relevantes para a sociedade, tais, como a vida, o patrimônio e o meio ambiente.

A responsabilidade penal existe quando se comete um crime ou uma contravenção, ou seja, quando o agente pratica uma ação ou omissão prevista em um tipo penal, ficando sujeito as penas correspondentes à sua conduta.

A responsabilidade penal, ao contrário da civil tem caráter eminentemente punitivo, visando à prevenção especial (para que não haja reincidência por parte do causador do dano) e geral (para que a punição sirva de exemplo para toda a sociedade).


8. TEORIAS DA FICÇÃO E DA REALIDADE EM CONFRONTO

A controvérsia sobre a possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas, tem origem doutrinária sobre a natureza dessas entidades.

A questão central é saber se as atividades desenvolvidas, em nome da pessoa jurídica, devem ser atribuídas a elas ou às pessoas físicas que as representam.

As teorias que se propuseram à solução do problema são agrupadas em dois grandes grupos principais: a Teoria da Ficção e a Teoria da Realidade.

6.1 Teoria da Ficção

A Teria da Ficção foi defendida por Savigny e prevaleceuna França e na Alemanha durante o século XVIII.

Para a Teoria da Ficção a pessoa jurídica é uma criação da lei e, como tal, não pode ser responsabilizada criminalmente.

Segundo, Fausto Martin Sanctis:

“A concepção geral da ficção estabelecida por Savigny e seus sucessores considera que cada direito supõe essencialmente um ser ao qual lhe pertence.  Segundo eles, é o homem somente que por sua natureza possui aptidão de ser sujeito de direitos.  O legislador, por isso, aceira a criação, ao lado do homem, que é o único sujeito, de uma outra pessoa jurídica, que se constitui em um grupamento de pessoas e bens”.

A Teoria da Ficção firma o seu fundamento no fato de que o direito regula as relações entre os homens pressupondo sempre um agir.

Só o homem é capaz de agir de acordo com o seu discernimento, de deliberar uma conduta positiva ou negativa.

A capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações é inerente ao ser humano e a atribuição de direitos e obrigações a outras pessoas, que não o homem, trata-se de uma criação legal, uma ficção visando regulamentar as relações entre esses entes com outras pessoas de direito.

Savigny exclui por todo um século o problema da responsabilização penal da pessoa jurídica ao alegar a incapacidade de delinqüir dos entes coletivos, por carecerem de vontade e capacidade de ação e ao impor a concepção romanista.

Para a maioria dos autores da época, o Direito Romano não conhecia a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a ausência dessa responsabilidade vem expressa na conhecida locução societas delinquere non potest, um dos alicerces do Direito Penal Clássico.

6.2 Teoria da Realidade

A Teoria da Realidade também conhecida como realidade objetiva ou orgânica, nasceu na Alemanha, cujos defensores mais conhecidos são Otto Gierke e Zitelman, baseia-se em pressupostos contrários a teoria da ficção.

Para a Teoria da Realidade a pessoa jurídica é um ser real, um organismo dotado de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais.

Os atos praticados por seus integrantes é distinto daqueles exercidos pela pessoa jurídica.

O ente corporativo é uma realidade social.

Por ser sujeito de direitos e obrigações tem existência própria, distinta dos seus criadores.

O fundamento dessa teoria se deu pelo fato de que os indivíduos necessitam se unir aos outros porque não conseguem realizar todas as atividades individualmente.

Assim, o direito deve reconhecer e proteger os interesses desse grupo.

Esse grupo tem interesse distinto dos seus componentes, capaz de expressar sua vontade por essa razão, o direito deve fornecer-lhes mecanismo, que possibilite o exercício de seus interesse.

Para justificar no plano jurídico, a existência real da pessoa jurídica, conceberam-se cinco razões, as quais foram destacadas por Fausto Martins de Sanctis.

Elas são: biológica, fisiológica, sociológica, institucional e técnica.

Para a concepção biológica a coletividade possui um conjunto de órgãos como uma pessoa física.

Cada órgão exerce uma função distinta.

Um desses órgãos são representados pelas pessoas físicas que a compõem, por essa razão, dizem que a pessoa jurídica é um ser com inteligência e vontade própria.

Mas essa comparação não foi suficiente para justificar o fenômeno da pessoa jurídica, uma vez que, possuem vida distinta, socialmente reconhecida.

A teoria fisiológica considera que os indivíduos ao se associarem criam um novo ser real e ativo formando uma única vontade.

Contudo, essa teoria não explica como se agrupam as vontades até ela se tornar uma.

Os defensores da teoria sociológica justificam a existência real da pessoa jurídica porque esta é objetiva, visto que, a base do agrupamento está nas suas origens e, com isso, se revela capaz de ter direitos e contrair obrigações.

A teoria da instituição argumente que a personalidade jurídica é um atributo conferido pela ordem jurídica estatal aos entes que o merecem.

Essa teoria faz da vontade geral a base da personalidade jurídica.

Por fim, a concepção da realidade técnica coloca a vontade comum no plano jurídico e não filosófico.

Os atos, em realidade, são de vontade dos indivíduos, mas juridicamente são os atos de vontade da coletividade.

Esses fundamentos explicam a teoria da realidade demonstrando uma vontade superior da pessoa jurídica, expressa através dos seus órgãos, mas possui existência independente dos membros que a compõem.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

9. CONCLUSÃO

Não obstante respeitáveis opiniões em contrário, devemos ter em mente que nossa Constituição Federal, consagrou expressamente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas no plano ambiental.

Entretanto, somente recentemente veio à lume os reflexos jurídicos do diploma normativo que instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito infraconstitucional, ou seja, a lei 9605/98 se consolidou em nosso ordenamento positivo.

Parece óbvio que a empresa por si mesma, não comete atos delituosos, ela os faz através de alguém, objetivamente uma pessoa natural.

Destarte, sempre através do homem é que o ato delituoso é praticado, logo, verificamos em nosso estudo a existência da denominada responsabilidade social que justifica a punição penal aos entes coletivos.

Verificamos ainda a relevância da Teoria da Realidade, também conhecida como realidade objetiva ou orgânica, a qual disciplina que a pessoa jurídica é um ser real, um organismo dotado de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais, conforme discorremos no item anterior, o que possibilita a melhor compreensão da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Diante de tais institutos verificamos que se consolida como real a possibilidade de imputação de crimes ambientais aos entes jurídicos, haja vista que desenvolve-se a partir das diretrizes acima narradas uma espécie de flexibilização do conceito clássico de crime, abrindo caminho para um conceito moderno que admite tal responsabilização penal.

É importante ressaltar que tal possibilidade de responsabilização não se estende a pessoa jurídica de direito público, pois o patrimônio público além de ser indisponível, não possui no plano teórico o elemento volitivo, pressuposto necessário para imputabilidade.

Ademais, em se tratando de pessoa jurídica de direito público, vige a Teoria da Ficção, segundo a qual a pessoa jurídica é uma criação da lei e, como tal, não pode ser responsabilizada criminalmente, conforme discorremos no item anterior.

Finalmente, devemos observar que se revela possível a aplicabilidade da correspondente penalidade ao criminoso ambiental, entretanto, se faz necessária a utilização de todas as ferramentas oferecidas pelo sistema normativo, pois, se assim não ocorrer, estaremos diante da ineficácia da lei e o conseqüente declínio do direito penal ambiental.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Tupinambá Pinto de. “Pessoa Jurídica: ação penal e processo na lei ambiental”. Revista de direito ambiental, a.3, n. 12, out-dez, 1998.

BARRETO, Gilberto Tadeu. O artigo 3º. da lei 9.605/98 Estudo sobre a responsabilização da pessoa jurídica. Revista da Pós-Graduação, UNIFIEO, 2006.

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte geral: vol. 1, 5ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 1999.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2002.

LECEY, Eladio. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Efetividade e Questões Processuais. 8º.Congresso Internacional de Direito Ambiental.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2008.

VALLES, Jaqueline do Prado. Leis Penais Especiais. São Paulo: Quartier Latin, 2004.


Notas

² O Positivismo Jurídico Lições de Filosofia do Direito. Norberto Bobbio.São Paulo Ícone 2006.

³ ELADIO LECEY, é Presidente do Instituto “O Direito por um Planeta Verde” e Professor das Escolas da Magistratura e do Ministério Púbico do Rio Grande do Sul, participou do 8º. Congresso Internacional de Direito Ambiental;  publicou, na oportunidade, artigo intitulado “Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Efetividade e Questões Processuais”.

4 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. Cit., p. 142-144.

5. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 307-308.

6.  GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18.

7. GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. São Paulo Saraiva, 2002, p. 33.

8. SHECAIRA, Sérgio Salomão. É presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, IBCCRIM e professor da USP. Autor do artigo intitulado: A responsabilidade das pessoas jurídicas e os delitos ambientais. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 65/ed.esp., p. 03, abril de 1998.


ABSTRACT:  This article offers the reader a thoughtful about the instruments offered by the regulatory system in order to seek greater efficiency with regard to the applicability of the law 9605/98, the "law of environmental crimes", in relation to the criminal liability of corporations and their consequent applicability to the collective entity and individuals linked to it.

 
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Uilemberguem Alves Oliveira

Professor Universitário; Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, Centro Universitário Unifieo - Osasco - SP; Habilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/SP; Atualmente Servidor Público Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Uilemberguem Alves. Pessoa jurídica na lei ambiental-efetividade e (in) eficácia da lei penal face ao bem jurídico tutelado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3817, 13 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26140. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos