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Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e locação de bens móveis

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A simples colocação um bem móvel (ex. veículo) à disposição do locatário não configura prestação de serviços, mas mera obrigação de dar, não sendo possível da incidência do ISS.

O objeto de análise do presente estudo cinge-se à incidência ou não do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISS nas operações de locação de bens móveis, e consequente existência ou não da relação jurídico-tributária entre o fisco municipal e o locador.

De início, importante consignar que somente está sujeita à tributação do ISS, o serviço relacionado na lista prevista por Lei, a qual, conforme entendimento doutrinário e jurisprudência, em regra, não comporta interpretação extensiva. É decorrência do princípio constitucional da legalidade (art. 150, I da CF).

Muito se tem debatido sobre a taxatividade ou não da lista de serviços. O Decreto-Lei 406⁄68, que estabelece a lista de serviços em que incide o ISS, foi alterado pela Lei Complementar nº 100⁄99 e passou a constar, no item 79, que o tributo incide sobre a locação de bens móveis, inclusive arrendamento mercantil.

Diante dessa alteração, várias ações foram ajuizadas, pretendendo o reconhecimento da inconstitucionalidade dessa lei, tendo o Supremo Tribunal Federal se manifestado de duas formas. Apesar de existir essas duas linhas de entendimento sobre a matéria na Corte Superior, a Lei Complementar nº 116⁄03 revogou a lista de serviço da legislação anterior e estabeleceu uma nova lista de serviços sobre os quais incide o ISS.

A locação de bens móveis iria fazer parte do item 3.01 (Locação de bens móveis) da lista da Lei Complementar 116/2003, no entanto foi vetada pelo Presidente da República. Abaixo, a transcrição da razão ao veto pela presidência:

“Item 3.01 da Lista de serviços

‘3.01 – Locação de bens móveis.’

Razões do veto

Verifica-se que alguns itens da relação de serviços sujeitos à incidência do imposto merecem reparo, tendo em vista decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. São eles:

O STF concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa de locação de guindastes, em que se discutia a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre a locação de bens móveis, decidindo que a expressão ‘locação de bens móveis’ constante do item 79 da lista de serviços a que se refere o Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, é inconstitucional (noticiado no Informativo do STF no 207). O Recurso Extraordinário 116.121/SP, votado unanimemente pelo Tribunal Pleno, em 11 de outubro de 2000, contém linha interpretativa no mesmo sentido, pois a ‘terminologia constitucional do imposto sobre serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprios, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável.’ Em assim sendo, o item 3.01 da Lista de serviços anexa ao projeto de lei complementar ora analisado, fica prejudicado, pois veicula indevida (porque inconstitucional) incidência do imposto sob locação de bens móveis.”

Acerca da taxatividade da lista de serviços, de forma esclarecedora, segue o entendimento da doutrinadora Alessandra M. Brandão Teixeira[1]:

“(...) Quanto à lista de serviços, atualmente, prevalece o entendimento de que o ISS somente incide sobre os serviços discriminados na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003. Ainda que se esteja diante de outras modalidades que possam se enquadrar dentro do conceito de 'serviço', caso essa espécie não esteja devidamente discriminada na Lista de Serviços, esse evento não será tributado pela via do ISS, ainda que represente um indício de riqueza.

(...)

Conforme adverte Sérgio Pinto Martins, não se estará incluindo serviço novo na lista pelo uso da expressão congêneres ou afins. A lista comporta interpretação extensiva, mas não deveria ser objeto de integração por analogia, pois o art. 108, §1, do CTN veda o emprego da analogia, resultando tributo não previsto em lei, diante da tipicidade fechada da tributação, da estrita legalidade tributaria. A exceção diz respeito ao fato de a própria lista utilizar a expressão ‘e congêneres’, ou outra semelhante. (...)”

No que se refere ao tema sob análise, a Constituição Federal, nos termos do art. 156, III, preceitua que os Municípios são livres para instituir o ISS, à exceção de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Contudo, segundo entendimento do STF, a lei municipal não pode alterar o conceito de serviço consagrado pelo CTN como sendo a prestação de uma atividade a terceiro, em regime de direito privado, com caráter econômico.

Em se tratando de atividade de locação de bens móveis, como o caso em questão, o elemento principal do contrato é a entrega do bem locado ao locatário, fato que se consubstancia em verdadeira obrigação de dar e não envolve nenhuma prestação de serviço, como ocorre nas obrigações de fazer. Dessa forma, segundo essa orientação, o legislador não pode alterar a definição dada pelo Direito Civil aos contratos de locação, imprimindo-lhe efeitos econômicos, no intuito de possibilitar a tributação deste fato pelo ISS, sob pena de ofensa ao princípio da tipicidade.

Nesse diapasão, também, é o entendimento do doutrinador Marçal Justen Filho[2]:

“As obrigações de dar não podem dar ensejo à exigência de ISS: Restam, então, as obrigações de prestação positiva. E dentro delas, as obrigações de fazer, pois elas podem produzir uma prestação de esforço pessoal, caracterizadora de serviço tributável por via do ISS. As obrigações de dar não conduzem a um serviço prestado. A prestação do esforço caracterizadora do serviço é qualificável juridicamente como execução de uma obrigação de fazer”.

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Esse é o posicionamento firme da jurisprudência pátria:

“IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) - LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - INADMISSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL - DISTINÇÃO NECESSÁRIA ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) - IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) - INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO IMPROVIDO. - Não se revela tributável, mediante ISS, a locação de veículos automotores (que consubstancia obrigação de dar ou de entregar), eis que esse tributo municipal somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. Precedentes (STF). Doutrina.” (STF – 2.ª T. – RE 446.003 AgR/PR – Rel. Min. CELSO DE MELLO – j. 30-5-2006 – DJU 4-8-2006, p. 71)

“TRIBUTÁRIO – ISS – LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS – ILEGALIDADE – OFENSA AO ART. 1.188 DO CC/16 – PRECEDENTE DO STF NO RE 116.121/SP – 1. O Decreto-Lei 406/68 (com a redação dada pela LC 56/87), contemplou, no item 79 da lista de serviços anexa, a locação de bens móveis como passível de incidência do ISS. 2. O STF, no julgamento do re 116.121-3/SP, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da exigência, restando assentado que a exigência de ISS sobre locação de bem móvel contraria a Lei Maior e desvirtua institutos de direito civil. 3. Segundo o Código Civil, na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição, enquanto que a prestação de serviços envolve diretamente o esforço humano. 4. Recurso Especial conhecido em parte e provido parcialmente.” (STJ – RESP 200400717346 – (665476) – MG – 2ª T. – Relª Min. Eliana Calmon – DJU 31.05.2006 – p. 248)

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA ANTE A INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR. REJEIÇÃO. PEDIDO INICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR SOBRE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS). DITAMES CONSTITUCIONAIS QUE SE SOBREPÕEM ÀS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS. DECRETO LEI Nº 406/68 RECEPCIONADO PELA CF/88 COMO LEI COMPLEMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE LEI INFRACONSTITUCIONAL ALTERAR A LEI MAIOR. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DO REFERIDO IMPOSTO. APLICABILIDADE DO ESTATUÍDO NO ART. 110 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 116/03. NÃO VIOLAÇÃO DE AUTONOMIA MUNICIPAL. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E DA APELAÇÃO CÍVEL.” (TJRN – AC 2009.003205-9 – 2ª Câm. Cív. – rel. Des. Aderson Silvino – j. 12/05/2009

“AGRAVO REGIMENTAL – CONCESSÃO DE LIMINAR DE EFEITO SUSPENSIVO ATIVO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO – SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – COBRANÇA DE ISS – NÃO-INCIDÊNCIA SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS – RECURSO CONHECIDO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO – DECISÃO UNÂNIME – Não há incidência de ISS sobre operações de bens móveis, considerando que a locação de bens móveis não representa prestação de serviço. Unanimemente negou-se provimento ao Agravo Regimental.” (TJPE – AgRg 91686-1/01 – Rel. Des. Antônio Camarotti – DJPE 25.05.2006)

“TRIBUTÁRIO – ISS – LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS – INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA – RESTITUIÇÃO DEVIDA – Indevida a cobrança do ISS na atividade de locação de bens móveis por se tratar de obrigação de dar, e não de prestação de serviço.” (TJRO – Proc. 100.001.2003.014115-9 – 1ª C.Esp. – Rel. Des. Eurico Montenegro – J. 22.02.2006)

Diversos foram os pronunciamentos do STF acerca da inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre locações de bens móveis, tanto que aquela Corte, na sessão plenária do dia 04/02/2010, aprovou a edição da Súmula Vinculante nº 31 tratando da questão. Eis o seu teor:

“É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis.”


CONCLUSÃO

Pelo exposto, podemos concluir que: a) a simples colocação um bem móvel (ex. veículo) à disposição do locatário não configura prestação de serviços, mas mera obrigação de dar, não sendo possível da incidência do ISS; b) nos termos da jurisprudência pátria, a lista de serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/68 e à Lei Complementar nº 116/2003, para efeito de incidência de ISS é, em regra, taxativa, não sendo admitida interpretação analógica; c) o STF, com a edição da Súmula Vinculante nº 31, sedimentou o entendimento sobre a inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre operações de locação de bens móveis.


REFERÊNCIAS

JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1980.

TEIXEIRA, Alessandra M. Brandão. O ISSQN e a Importação de Serviços. São Paulo: Renovar, 2008.


Notas

[1] In O ISSQN e a Importação de Serviços. São Paulo: Renovar, 2008, p. 146 e 148.

[2] In O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1980, pág. 77 e ss.

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Sobre o autor
Dijonilson Paulo Amaral Veríssimo

Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Público pela UFRN. Especialista em Direito Tribuário pela Anhanguera-Uniderp. Especialista em Direito Previdenciário pela Anhanguera-Uniderp. Advogado. Procurador Federal/AGU. Chefe da Subprocuradoria Regional da PFE-INSS em Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERÍSSIMO, Dijonilson Paulo Amaral. Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e locação de bens móveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3842, 7 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26270. Acesso em: 21 nov. 2024.

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