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Descriminantes putativas

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06/01/2014 às 14:55
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IV – descriminanTES PUTATIVAS

Como bem advertiu Júlio Fabbrini Mirabete[21], diante dos termos do que reza a parte geral do Código Penal, com a redação dada pela Lei 7.209/84, há controvérsia séria sobre a sua natureza jurídica. Para a teoria limitada da culpabilidade, as descriminantes putativas constituem-se em erro do tipo permissivo, excluindo o dolo, isto é, ocorrendo quando o objeto do erro for pressuposto de uma causa de justificação, que excluem a antijuridicidade, excluem o crime. Para essa teoria, não age dolosamente quem supõe, justificadamente, pelas circunstâncias de fato, que esta praticando um ato típico, em legítima defesa, em estado de necessidade, etc. Para a teoria extremada da culpabilidade(normativa pura), trata-se de um erro de proibição, razão pela qual se exclui a culpabilidade.

Essa a melhor concepção, que tem apoio de Júlio Fabbrini Mirabete.[22]

Apesar disso considero a teoria limitada como dominante no direito brasileiro, como se lê da redação da Exposição de Motivos, item 17.

Nessa linha de  pensar trago o entendimento de Francisco de Assis Toledo[23]:

¨Embora a sede das descriminantes putativas seja o § 1º do art. 20  inicialmente citado (¨......que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias impõe situação de fato que, se existisse tornaria a ação legítima¨) pensamos que tal preceito não é exaustivo, não esgota as hipóteses das descriminantes imaginárias. Percebe-se, com efeito, claramente, que esse preceito, completado pela parte final do parágrafo(¨não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa o fato é punível como crime culposo¨), aplica-se apenas ao erro do tipo permissivo¨excludente do dolo, não ao erro excludente da censura da culpabilidade, tanto que se permite a punição a título de culpa stricto sensu (esta é, aliás, a posição da teoria limitada da culpabilidade, que adotamos).¨

No entanto, o próprio Francisco de Assis Toledo[24] observa que as descriminantes putativas (erro que recai sobre uma causa de justificação) não se limitam às hipóteses de exclusão do dolo, mas apresentam-se, por vezes, com pretensão à exclusão da censura da culpabilidade. O erro sobre uma causa de justificação pode recair sobre os pressupostos fáticos, mas sobre os limites, ou a própria existência, de uma causa de justificação(supor estar autorizado). 

Correta a posição de Alcides Munhoz Neto[25] para quem o erro nas descriminantes putativas é sempre erro de proibição. Disse ele:

¨A ausência do dolo por não representação da tipicidade não pode ser afirmada nos casos de invencível erro sobre circunstâncias de fato, que tornaria a ação legítima, isto é, nas hipóteses das descriminantes putativas fáticas. Quem, v.g, lesa corporalmente outrem, porque se imagina por ele injustamente agredido, tem representação da tipicidade de seu proceder; sabe que está a praticar a ação correspondente à definição típica de lesão corporal, ou seja, que ofende a integridade corporal e saúde de outrem; supõe, porém, que sua conduta é lícita, porque a tem como amparada por uma causa legal de exclusão da antijuricidade(legítima defesa). Desta forma, a eficácia do erro de fato só pode ser atribuída à ignorância da antijuridicidade.¨

Guilherme de Souza Nucci[26] defende a teoria extremada da culpabilidade.

Assim para a teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição.

O agente, em decorrência da situação de fato, supõe que sua conduta é lícita, mas age com dolo, que é a mera vontade de concretizar os elementos do tipo, não se fazendo indagação a respeito da antijuridicidade da conduta. O sujeito age com dolo, mas sua conduta não é considerada como reprovável por não ter consciência da ilicitude de sua conduta.

Se o erro do tipo exclui sempre o dolo, quer seja inevitável ou evitável; se o erro do tipo é evitável, mas não se evitou, há que se investigar a possibilidade de um crime culposo. Por sua vez, o erro de proibição exclui a culpabilidade somente quando inevitável.

Luiz Flávio Gomes[27] justifica o tratamento do erro do tipo permissivo, nas chamadas descriminantes putativas,em separado, do artigo 20, § 1ª, afirmando ser ele um erro sui  generis, situado entre o erro do tipo e o erro de proibição indireto. Assim o erro não afeta o conhecimento do tipo, mas leva o autor supor que a norma proibitiva é afastada excepcionalmente diante de uma norma permissiva.

Muito ainda há que se discutir sobre as descriminantes putativas, que surgem, no dia a dia, da vida, tal a riqueza dos exemplos que o cotidiano nos dá.

O Projeto do novo Código Penal inova ao proclamar que o erro do tipo permissivo, que não mais poderá ostentar esse nome, segundo a redação proposta, não exclui a punição pelo delito doloso, e submete-se às regras do erro de proibição, excluindo-se, se inevitável, a culpabilidade. Filia-se o Projeto a chamada teoria extremada da culpabilidade.

A discussão não para por aqui.

O Projeto considerou caprichosa[28] a distinção entre o erro que recai sobre a existência jurídica ou sobre a extensão de uma causa de justificação e o erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação. Considerou-se a solução atual do Código Penal, nos termos em que está a Lei 7.209/84, um verdadeiro artificialismo, pois o autor embora se tenha comportado dolosamente, responderá por crime culposo. Como será por exemplo se o autor erra no disparo? Por certo, não há falar em tentativa em crime culposo.

Mesmo diante da nova opção legal há, sem dúvida, um abismo no tratamento que é dado àquele que se crê autorizado pela ordem jurídica a disparar mortalmente contra o ladrão em fuga que furtara um boné e aquele que dispara por pensar que o ladrão que o assalta retirou uma arma no bolso, quando na verdade se tratava de uma lanterna. No primeiro caso, há nítido excesso de causa justificadora, que elidiria o crime, não representando um direito, mas um benefício, que a  lei, em condições de interpretação restrita, lhe dá.

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Os que entendem ao contrário defendem os termos da redação dada pela reforma de 1984, que alterou o regime jurídico da teoria do erro, ao considerar que o erro do tipo permissivo exclui a punição por crime doloso.


Notas

[1] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, São Paulo, ed. Saraiva, pág. 206.

[2] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I, t..2, pág. 290 a 291.

[3] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral, São Paulo, Bushatsky, 1976 a 1983, pág. 213.

[4] Nelson Hungria, em seu Direito Penal,  tomo I, pág. 379, entendeu que a teoria diferenciadora não se aplicava ao direito brasileiro.

[5] Para Francisco de Assis Toledo(obra citada,pág. 184), ao estudar o balanceamento dos bens e interesses em conflito, entende que afasta-se qualquer possibilidade de justificação de sacrifício do bem maior para salvação do bem menor, transferindo-se, nesta última hipótese, a solução para o juízo de culpabilidade. 

[6] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição,  São Paulo, Atlas, volume I, pág. 171.

[7] Essa teoria foi adotada no Código Penal Militar(artigos 39 a 43).

[8] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I, t. 2, pág. 298 a 299.

[9] Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Adriano Marrey, que foi comentada por Francisco de Assis Toledo, obra citada, pág. 208 e 209,  e ainda pó Paulo José da Costa Júnior, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, pág. 45.

[10] HOFFBAUER, Nelson Hungria. A legítima defesa putativa, Rio de Janeiro Livraria Jacinto, 1936.

[11] BRUNO, Aníbal. Direito Penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense,  1967, tomo II, pág. 253. 

[12] BRUNO, Aníbal, Direito Penal, 3ª edição, Rio de janeiro, Forense, 1967, tomo II, pág. 126.

[13] REALE Jr,Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 86.

[14] REALE Jr, Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 153.

[15] TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, pág. 267.

[16] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume I, parte geral, 6ª edição, São Paulo, RT, 2006, pág. 554 e 555.

[17] CORREIA, Eduardo. Direito criminal, volume II, Coimbra, Almedina, 1965, pág. 331.

[18] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Liberdade – Culpa – Direito Penal, pág. 118.

[19] TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal. São Paulo, Saraiva, 1977, pág. 65.

[20] Necessário distinguir a eutanásia, da ortotanásia e da distanásia. A ortotanásia, prevista na Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina,  é o processo pelo qual se opta por não submeter um paciente terminal a procedimentos invasivos que adiam sua morte, mas ao mesmo tempo, comprometem sua qualidade de vida. Por sua vez, a eutanásia corresponde a prática de interromper a vida de um paciente com doença em estágio irreversível(é crime). A distanásia se refere ao adiamento da morte do indivíduo, geralmente pela utilização de fármacos e aparelhagens que, muitas vezes, ocasionam um sofrimento desnecessário. Na ortotanásia o sujeito não possui dolo de atingir o bem jurídico vida, havendo atipicidade de conduta. É a eutanásia passiva.

[21] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição, parte geral, volume I, pág. 197.

[22] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Obra citada,pág. 197.

[23] TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, pág. 272 a 273.

[24] TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada ,pág. 273 a 274.

[25] MUNOZ NETO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal,Rio de Janeiro, Forense, 1978, pág. 112.

[26] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 4ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008. 

[27] GOMES, Luis Flávio. Erro do tipo e erro de proibição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, pág. 114.

[28] Relatório, pág. 220. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Descriminantes putativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3841, 6 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26295. Acesso em: 25 abr. 2024.

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