Segundo a alínea “j” do inciso I do artigo 1° da Lei Complementar n°. 64/90 – alterada pela Lei Complementar n°. 135/2010 (Lei da “Ficha Limpa”) – estão inelegíveis os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 08 (oito) anos a contar da eleição.
De início, cumpre ressaltar que o legislador complementar, quando da edição da lei em comento, trouxe diversas causas de inelegibilidade, cada qual com sua origem e, em que pese tenha unificado os prazos de inelegibilidade na monta de 08 (oito) anos, apresentou termos – inicial e final – distintos, notadamente quanto às causas originárias da prática de ilícitos eleitorais.
Por exemplo, é o teor da alínea “d” do inciso I do artigo 1° da Lei Complementar precitada, que, por sua vez, dispõe que estarão inelegíveis os que tenham contra si representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as eleições que se realizarem nos 08 (oito) anos subsequentes. Igualmente, é a previsão contida na alínea “h” do mesmo dispositivo legal.
Logo, percebe-se que, no tocante a alínea “j”, a redação acima traz claras distinções, prevendo termos finais díspares, ou seja, enquanto que na primeira a legislação prevê de forma cristalina o prazo de inelegibilidade de 08 (oito) anos de forma determinada e específica, nas alíneas “d” e “h” há previsão da restrição para as eleições que se realizarem nos 08 (oito) anos subsequentes.
Enquanto que numa, prevê-se o prazo de 08 (oito) anos, noutras há referência expressa às eleições que se realizarem no interregno; e é assim, pois assim quis o legislador complementar!
Em específico quanto à alínea “j”, demonstrada a distinção legal existente, a letra da lei estabelece com clareza meridiana que a inelegibilidade se dará “pelo prazo de 08 (oito) anos a contar da eleição”.
Temos, pois, um marco inicial da inelegibilidade em questão –a data da eleição em que se verificou um dos ilícitos insertos na norma -, e um marco final claríssimo, qual seja, o transcurso dos 08 (oito) anos, vez que a normativa em testilha encerra nestes termos.
Ocorre que, em recentes julgados, o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, ainda que por maioria de votos, através de uma interpretação teleológica – sistemática – da legislação, assentou que o citado prazo de 08 (oito) anos, ainda que cesse antes de eventual eleição, deve ser interpretado e estendido ao final do ano, trazendo uma unidade de tempo de 1° de janeiro a 31 de dezembro do ano em que se encerrar, tudo a partir da inicial interpretação do disposto na alínea “d” antes mencionada, em que pese a clareza do texto normativo.
O posicionamento da Corte, com o devido respeito, se mostrou equivocado, porquanto além de o texto legal possuir uma clareza ímpar, é regra de hermenêutica constitucional a proibição de se interpretar sistemática e ampliativamente norma restritiva de direito, o que é o caso.
Nessa ótica, o próprio Colegiado, em oportunidades isoladas, vem revendo o posicionamento anterior, para o fim de considerar a existência da citada distinção quanto aos termos das inelegibilidades insertas na lei, aplicando, em específico, direta e estritivamente os 08 (anos) previstos na alínea “j”, sem a temerária extensão antes defendida.
A inelegibilidade da alínea “j”, portanto, possui prazo certo e data específica e definida para seu término.
Consignados os termos do prazo de inelegibilidade em questão, o lapso temporal seria, portanto, contado nos termos do §3° do artigo 132 do Código Civil, qual seja:
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.
(...)
§ 3. Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
É o teor das decisões advindas nos Recursos Especiais Eleitorais 7427, originário do Município de Fênix-PR, e 9308, oriundo da cidade de Manacapuru-AM.
Pois bem, e qual o efeito?
Simples, considerando de forma exemplificativa que eventual candidato tenha sido condenado pela prática de condutas vedadas no pleito eleitoral de 2004, ocorrido em 03 de outubro daquele ano, que o termo inicial da inelegibilidade é a data da eleição, e que o termo final do prazo de inelegibilidade se dá no transcurso dos 08 (oito) anos previstos – sem extensão ao final do ano-, este mesmo candidato estaria elegível a partir de 03 de outubro de 2012, portanto, antes do pleito eleitoral, ao que, seguramente, irá se repetir nas eleições futuras, em não havendo coincidência de datas.
Nesse ínterim, é que surge o debate, ainda controverso, acerca da possibilidade, ou não, desse mesmo candidato concorrer ao pleito, tendo em vista que estaria com a capacidade eleitoral passiva em vigor somente poucos dias antes das eleições, após o registro de candidatura, portanto.
Postas estas questões inerentes à discussão, é manso e pacífico o entendimento de que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são auferidas por ocasião do registro de candidatura, ressalvadas as alterações fáticas ou jurídicas supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade (art. 11, §10, primeira parte, da Lei n. 9.504/97).
A questão controvertida, por conseguinte, cinge-se a saber se a ressalva do indigitado §10 do artigo 11 da Lei das Eleições alcançaria tal realidade, ou seja, se alcançaria eventual candidato que se tornasse “elegível” após o registro de candidatura, servindo de base para o deferimento do registro de candidatura sub judice.
Noutras palavras, o fato de o prazo de inelegibilidade alcançar termo após o registro da candidatura, porém, anteriormente ao advento do escrutínio, configuraria o fato superveniente previsto no §10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97, servindo de lastro ao deferimento do registro de candidatura?
Penso que sim!
Justifico.
No caso, embora haja restrição à capacidade eleitoral passiva (inelegibilidade) na data do registro, a restauração da elegibilidade se dá, tendo em vista o advento do termo final da causa de inelegibilidade inserta na por demais mencionada alínea “j”, e se dá antes da data do pleito.
Em que pese tal evento ser futuro e certo, para efeito da interpretação do dispositivo legal caracteriza-se, sim, como fato superveniente, tendo em vista que a lei fala em alteração fática ou jurídica superveniente ao registro de candidatura que, por sua vez, afasta e inelegibilidade!
Ora, com redobrada vênia a entendimentos contrários, a extinção da causa de inelegibilidade, dado o contexto, é alteração jurídica por excelência, afinal, à época do registro, eventual candidato era inelegível e, após, supervenientemente ao mesmo registro de candidatura, a sua inelegibilidade cessou dado o termo alcançado, voltando a estar elegível, de imediato.
Noutras palavras, o quadro que se forma é de um pré-candidato que estava impedido temporariamente de exercer sua capacidade eleitoral passiva, mas que após a formalização do seu pedido de registro, e antes do advento do pleito eleitoral, terá sua situação jurídica alterada para elegível.
Vale frisar que em hipótese alguma a legislação estabeleceu que a tal alteração fática ou jurídica superveniente deveria ser desconhecida e incerta; e mais, em vista da temática posta, tal entendimento discrepa cabalmente da normativa aplicável, porquanto estar-se-ia a ignorar uma alteração jurídica por excelência, qual seja, o termo final de uma restrição temporária a capacidade eleitoral passiva do agente.
Ademais, importante salientar que, em outra realidade, a própria legislação, e a interpretação posta nos Tribunais, admitem a hipótese de deferimento do registro quando existente pretensa causa de inelegibilidade, no caso de suspensão posterior dos efeitos da decisão que houvera ensejado a restrição.
Trata-se da hipótese de inelegibilidade posta na alínea “g” do inciso I do artigo 1° do comando legal, que restringe a capacidade eleitoral passiva daqueles que tiverem suas contas relativas do exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.
Por coerência, admitindo-se o registro de pré-candidato eventualmente inelegível dada a existência de contas rejeitadas (v.g. art. 1°, inc. I, “g”, LC n. 64/90) no caso de suspensão dos efeitos da decisão – mesmo a posteriori e antes do pleito – como não admitir a existência de um fato superveniente a partir do termo da restrição?
Com redobradíssima vênia a posições diversas, é uma grande incongruência considerar a suspensão e desconsiderar a extinção como fato superveniente ao registro, para efeito de deferimento da candidatura.
Enfim, o termo final da inelegibilidade prevista na alínea “j”, cuja conta dista da unidade de tempo de 08 anos, verificado após o registro de candidatura, mas antes da ocorrência das eleições, há de ser entendido com um fato superveninente a apresentação do registro, nos termos do §10 do artigo 11 da Lei das Eleições.
A matéria é controvertida, onde o próprio Tribunal Superior Eleitoral não alcançara consenso; recentes julgados (RESPE n°. 7427 e RESPE 9308) tomados por maioria de votos, contudo, demonstram possível afirmação de uma futura posição jurisprudencial no sentido do que se aqui se defende, algo indispensável, tendo em vista que a temática será objeto de discussão em eleições vindouras.
Por derradeiro, destacamos posição pessoal no sentido de que o fortalecimento do Estado Democrático de Direito deve se dar de forma clara, sem formalismos extremados, tampouco através de uma “caça as bruxas”, sempre com vistas aos princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade, razoabilidade, e finalidade.
Cabe ao legislador lato sensu ditar as regras do jogo, e ao Poder Judiciário aplicá-las de forma correta, jamais olvidando, todavia, que o fim da legislação eleitoral é permitir que o eleitor escolha o seu mandatário através do sufrágio universal, e não o contrário.
Logo, particularmente, conclui-se que em havendo o advento do termo final da causa de inelegibilidade inserta na alínea “j” antes das eleições – transcurso dos 08 (oito) anos previstos-, mesmo que se verifique após o registro de candidatura, não haveria como deixar de considerar tal realidade como sendo um fato superveniente nos termos do §10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97, consubstanciado numa alteração jurídica cristalina, para que sejam deferidos registros de candidatura em casos análogos, por medida de Direito.
Nota: O presente artigo reproduz posição jurídica particular do subscritor, ciente de que, nos Tribunais do país, a discussão está posta e, provavelmente, o debate será presente nos próximos pleitos eleitorais, a exemplo do que ocorrera nos litígios referentes às eleições de 2012.