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Prisão decorrente de pronúncia ou decisão condenatória recorrível

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SUMÁRIO: Introdução; Prisão cautelar decorrente de sentença condenatória penal recorrível; Prisão temporária; Prisão preventiva; Prisão em flagrante; Prisão por sentença penal condenatória sem trânsito em julgado; Presunção de inocência; Origem histórica da presunção de inocência; As conseqüências processuais da presunção de inocência; Prisão decorrente de pronúncia sentença penal condenatória; Conceito; Momento; Natureza processual da pronúncia; Pressupostos; A finalidade da pronúncia; Fundamentação e linguagem utilizada; Requisitos; Efeitos da pronúncia; Prisão decorrente de pronúncia; Conclusão; Notas; Bibliografia


INTRODUÇÃO

A democracia, apesar de todas as suas falhas, aparenta ser o melhor sistema a ser adotado por uma nação, vez que, as pessoas têm iguais oportunidades, liberdades individuais e condições plenas para o exercício da vida humana.

Mas, para que haja um estado democrático de direito e, principalmente, de fato, necessário verificar, em primeiro momento, os princípios fundamentais constitucionais, seguindo fielmente suas trilhas. O Direito visa a preservação do ser humano dentro de sua condição fundamental, para que este goze de todos os elementos primordiais à sua existência.

Vários são os princípios constitucionais que regem o sistema normativo brasileiro, contudo, no presente trabalho nos ateremos especialmente a presunção de inocência.

O que se observará neste estudo é como a responsabilidade dos operadores das ciências jurídicas refletem na vida de todas as pessoas.

O objeto de estudo deste trabalho é a prisão cautelar decorrente de sentença condenatória penal recorrível e prisão decorrente de pronúncia sentença penal condenatória, o que está intimamente relacionado com o princípio constitucional da presunção da inocência.

Observaremos que antes que qualquer sanção seja aplicada, aquele que se encontra em condição de réu deve passar por um cuidadoso procedimento de averiguação de todos os elementos que compõem um delito, sejam objetivos, sejam subjetivos.

A presunção de inocência é parte vital da democracia onde, por princípio, todos são iguais perante a lei. Então, que todos sejam nivelados pelo lado mais positivo, a inocência. Não pode haver precipitação no momento de decidir o futuro do réu, pois, assim como o ser humano é passível de erros a ponto de praticar um delito, assim também poderá sê-lo no julgamento.

A cautela durante o processo é imprescindível, no caso de dúvidas a respeito de fatos ou provas, a decisão judicial caminha sempre em sentido ao benefício do réu. É preferível absolver um culpado a condenar um inocente, como expressam os princípios mais básicos do Direito.

A liberdade é um dos mais poderosos bens que o homem carrega consigo, mas esta deve ser relativa. O Estado pode e deve interferir no comportamento humano, mas sempre visando apenas, e não mais do que isso, a preservação da liberdade de todos, dentro de uma organização social.

Esperamos discorrer sobre os temas com objetividade, procurando abordar os juristas que com mais profundidade estudaram e escreveram sobre o assunto, bem como os entendimentos jurisprudenciais dos diversos tribunais pátrios.


PRISÃO CAUTELAR DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA PENAL RECORRÍVEL.

Inverso às prisões definitivas, que tem origem de sentença condenatória irrecorrível, existe no nosso ordenamento jurídico, as prisões provisórias, que é uma providência adotada no curso do processo, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

A prisão provisória é uma medida cautelar pessoal detentiva, de caráter excepcional, que só se justifica como um meio indispensável para assegurar a eficácia de um futuro provimento jurisdicional, presentes que estejam o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Ausentes os requisitos gerais da tutela cautelar, e, não servindo apenas como instrumento do processo, a prisão provisória não seria nada mais do que uma execução antecipada da pena privativa de liberdade, e, isto, violaria o princípio da presunção de inocência.

Em conseqüência dos princípios constitucionais, no ordenamento pátrio, o magistrado não pode alicerçar a prisão apenas na sua convicção, deve ordená-la com base no poder geral de cautela, demonstrando a necessidade da prisão vinculada a um dos motivos que a lei processual respalda. É necessário que a fundamentação seja séria, fundada e bem justificada. A mais alta corte do país assim tem entendido:

"16061591 JCPP.594 – PROCESSUAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – APELO EM LIBERDADE – LEI 8072/90, ART. 2º, II – CPP, ART. 594 – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – 1. Embargos recebidos para sanar efetiva omissão. 2. Como a paciente respondeu o processo em liberdade, era de rigor que o juiz sentenciante, ao determinar o seu recolhimento ao estabelecimento penitenciário, apresentasse fundamentos concretos para justificar a necessidade da custódia. 3. Embargos de Declaração acolhidos para deferir o pedido de Habeas Corpus, assegurando à paciente o direito de apelar solta."[1]

A consagração do princípio da inocência não distancia a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que prosseguem sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-penal da prisão cautelar, que, inobstante a presunção relativa de não-culpabilidade dos acusados, pode validamente incidir sobre seu status libertatis.

À luz da nova ordem constitucional, que consagra no capítulo das garantias individuais o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), a faculdade de recorrer em liberdade objetivando a reforma de sentença penal condenatória é a regra, somente impondo-se o recolhimento provisório do réu à prisão nas hipóteses em que enseja a prisão preventiva, na forma inscrita no art. 312, do CPP. – O direito de apelar em liberdade de sentença, assegurado pelo Código de Processo Penal, art. 594, não se aplica ao réu que, desde o início da instrução criminal, se encontra submetido à prisão processual.[2]

Em reiterados julgados o STF tem enfatizado que a prisão cautelar, por afetar a liberdade do acusado antes de uma decisão final prolatada no processo, em que poderá ser declarada a sua inocência, constitui recurso acentuadamente violento e de extremo rigor, que só pode ser justificado quando estritamente indispensável, acusando-a de medida odiosa.

Tourinho Filho, sobre o preceito do artigo 594 indica:

"Do dispositivo em exame é lícito concluir: a)condenado o réu por crime inafiançável, sendo primário e de bons antecedentes, pode apelar em liberdade; b) nesse mesmo exemplo, não sendo primário, ou ainda que o seja, não tendo bons antecedentes, só poderá apelar recolhendo-se à prisão; c) sendo o crime afiançável, não sendo primário (ressalvada a hipótese do art. 323, III do CPC) ou não tendo bons antecedentes, deve prestar fiança para poder apelar; d) nesse mesmo exemplo, sendo primário e tendo bons antecedentes, apela em liberdade sem prestar fiança."[3]

Para o festejado autor a fiança somente pode ser exigida se o crime for afiançável, contudo sendo o réu primário e de bons antecedentes, não teria sentido exigir-lhe a caução.

E continua discorrendo sobre o tema:

" Se o autor do crime inafiançável não desembolsa um níquel para apelar, seria um não-senso demandá-lo daquele que comete infração de menor gravidade. Assim, é lícito esse raciocínio: a fiança de que trata o art. 549 só deverá ser exigida se o crime for afiançável e o réu não for primário, ressalvada a hipótese do art. 323, III, ou não tiver bons antecedentes ou mesmo reincidentes (excetuada a hipótese do art. 323, III, pois, do contrário, a situação seria de inafiançabilidade)."

Com a reforma penal de 1984, a prisão para poder apelar perdeu sua natureza de "execução provisória", contudo, não se retirou do nosso ordenamento jurídico. Ocorreu uma transmutação para prisão cautelar ou de natureza processual, situando-se na mesma linha da prisão preventiva. Para Tourinho Filho não há impedimento para que o Juiz, na sentença condenatória, possa decretar a prisão do réu. O que lhe é defeso é decretar a medida odiosa apenas porque o crime é inafiançável e o condenado não é primário ou não tem bons antecedentes. Isso implicaria verdadeira prisão automática, e indica o mestre: "se a prisão cautelar exige, como um dos seus pressupostos, o periculum libertatis, sem a presença deste, não pode haver aquele."

Face disso, a imposição de exaltada violência, que em último exame se transforma numa prisão sem pena, vem ordenando, na atual doutrina e jurisprudência, que se apóie na mais absoluta conveniência ou na maior necessidade.

Assim, a prisão cautelar não mortifica de forma irremediável com a presunção de inocência, existindo, em verdade, uma convivência harmonizável entre ambas, desde que a medida de cautela preserve o seu caráter de excepcionalidade e não perca a sua qualidade instrumental. Permanecem válidas, pois, as prisões temporárias, preventivas, em flagrante, decorrente de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado e decorrente de pronúncia.

A prisão decorrente de decisão condenatória recorrível - quando admitida, conforme o entendimento majoritário no STF (e não obstante a presunção constitucional de não culpabilidade), independentemente da demonstração de sua necessidade cautelar -, constitui verdadeira execução provisória da pena que não se deve efetivar em regime mais severo que o da eventual condenação definitiva.

Em decisão fundamentada, trazida aos autos pela diligente Procuradoria, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim pontificou:

"A hipótese de ter de recolher-se à prisão para exercer um direito constitucional - usar dos recursos inerentes à ampla defesa (art. 5º., inciso IV) - sem que se demonstre, através de algum fato processual, a sua necessidade, constitui constrangimento ilegal a ser cessado pela concessão do mandamus."[4]

Verificaremos a compatibilidade de cada uma das prisões com o princípio constitucional da presunção de inocência:

Prisão temporária

Esta prisão teve surgimento por intermédio da medida provisória n. 111, de 24 de novembro de 1989, posteriormente convertida na Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, ao argumento de combater a crescente criminalidade organizada, sobretudo, nos grandes centros urbanos.

Instituiu-se com o objetivo de banir a prisão para averiguações, que nunca existiu na lei, mas muito praticada pela polícia, e como uma forma de auxiliar o trabalho de investigação dos órgãos policiais. Como espécie de prisão pré-processual que é, deve ser interpretada em consonância com os princípios constitucionais que regem qualquer espécie de prisão cautelar.

Uma das maiores dificuldades encontradas pela doutrina na interpretação da Lei 7.960/89 é quanto ao âmbito do seu cabimento, tendo em vista a má elaboração do art. 1º e seus três incisos.[5]

Existem quatro correntes doutrinárias acerca da interpretação do artigo supra citado. A primeira corrente, dirigida por Tourinho Filho sustenta que os incisos são aplicados isoladamente, para Antônio Scarance Fernandes eles são cumulativos (I,II,III). Ada Pellegrini Grinover,

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sustenta que só poderá ocorrer a prisão temporária nos crimes capitulados no inciso III. Por último, encontramos doutrinadores que acreditam que o certo é a combinação dos incisos I com o II e I com o III.

Consistindo uma prisão de natureza cautelar, a prisão temporária de alguém apenas por estar sendo suspeito pela prática de um delito grave, capitulado no art. 1º, inciso III da Lei 7.960/89, contemplando exclusivamente este argumento, afronta o princípio constitucional da presunção de inocência. Isto porque, não se encontra presente neste decreto nenhum dos requisitos autorizadores da medida. Por isso, deve-se conjugar o inciso III, com o inciso I ou com o inciso II, evidenciadores do periculum in mora.

A prisão temporária é decretada pelo Juiz de Direito, fundamentando a sua necessidade, de acordo com a justificativa da autoridade policial que representou pela medida.

Em razão do prazo pouco extenso, cinco dias prorrogável por mais cinco, o Juiz deve analisá-la com muita cautela para que não pratique uma arbitrariedade, haja vista que o remédio constitucional hábil para combater as prisões arbitrárias e ilegais, o habeas corpus, seria ineficaz, devido a exiguidade do tempo. Apenas nos crimes intitulados hediondos, Lei 8.072 de 25 de julho de 1990, o prazo da prisão é de trinta dias prorrogáveis por mais trinta, em havendo necessidade, o que daria tempo para o advogado impetrar o remédio heróico e conseguir uma ordem em favor do Paciente.

Prisão Preventiva

Não resta dúvida que a prisão preventiva é a mais importante das espécies de prisão penal cautelar. Com habilidade assevera Tourinho Filho que "As circunstâncias que a autorizam se constituem na pedra de toque de toda e qualquer prisão processual".

O sublime Magistrado Luiz Flávio Gomes[6], nos traz a memória que:

"O eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva. Quando presentes, pode o Juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tem bons antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado da decisão".

O art. 312 do CPP declara que para decretação da custódia preventiva haverão de coexistir os seu pressupostos (prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria), cumulados com um ou mais dos seus requisitos (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal).[7]

Com efeito, a prisão preventiva só se compadece com o princípio da presunção de inocência, desde que seja decretada para atender a sua finalidade cautelar, presentes o fumus boni iuris representado pelos seus pressupostos, e configurado o periculum libertatis, com a demonstração de que a liberdade do acusado colocará em risco os resultados do processo, quer com relação ao seu desenvolvimento regular, quer quanto à efetiva aplicação da sanção penal que possa vir a ser imposta.

Contudo, com o princípio da presunção de inocência merece ser feita uma releitura da "garantia da ordem pública"[8], como hipótese autorizadora da prisão preventiva.

Não se pode mais tolerar que, sob o manto da garantia da ordem pública, se estabeleça prisão preventiva como medida coercitiva, desvinculada da sua finalidade cautelar. Na realidade, a prisão preventiva só se distingue da prisão-pena sob o ponto de vista funcional, cautelar num caso, de prevenção e reeducação no outro.

Ao se decretar uma prisão preventiva sob os argumentos retóricos da "Defesa Social", "Exemplaridade" ou "Prevenção", estar-se a inverter as finalidades da prisão cautelar com a prisão-sanção, numa verdadeira antecipação da pena, sem a observância da presunção de inocência e do devido processo legal, do qual são corolários os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Portanto, a prisão para garantia da ordem pública só não ofenderá o princípio constitucional examinado se não se afastar da finalidade cautelar de preservação da paz social.

Contudo, em função da ausência de parâmetros objetivos para caracterizar ordem pública ou conveniência da instrução, conforme assinala Raimundo Viana[9], os Tribunais têm apresentado variações constantes a respeito do assunto, chegando ao absurdo de ressuscitar o clamor público como justificativa da medida que o próprio código já havia tangenciando, ou, então, maus antecedentes ou a reincidência genérica ou específica, a crueldade, a violência, a torpeza, a perversão, a cupidez, a insensibilidade moral ou a fuga logo após o crime. Neste sentido, há vários precedentes, inclusive no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, os quais, não se coadunam com a presunção de inocência.

Prisão em flagrante

A prisão em flagrante figura, por razões óbvias, uma exceção à regra de que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.[10]

E o CPP, pelo art. 302, considera em flagrante delito quem está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração[11]. A prisão em flagrante, seja própria ou presumida, reveste-se, inicialmente, de caráter coercitivo, no sentido de resguardar a confiança na ordem jurídica.[12]

Entretanto, pela sistemática atual do estatuto processual penal, após o advento da Lei 6416/77, que acrescentou o parágrafo único do art. 310, a manutenção da prisão em flagrante somente deverá ocorrer se se revelar absolutamente necessária para se evitar o periculum libertatis.

Só deverá manter o encarceramento quando verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a ocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Caso contrário, deverá conceder ao réu liberdade provisória, depois de ouvir o Ministério Público, submetendo-o apenas a assinatura de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Pode-se então, afirmar que a natureza jurídica da prisão em flagrante, também, afigura-se inegavelmente cautelar.

Não há que se falar em constrangimento ilegal, se a prisão provisória decorrente de flagrante é posteriormente mantida em razão de sentença condenatória, mormente se a pena imposta é privativa de liberdade e o regime prisional é o fechado.[13]

Não obstante a força probatória do flagrante, sobretudo quanto à autoria e a materialidade, não se deve deixar cair no esquecimento que igualmente concorre em favor do preso em flagrante a presunção de inocência e a garantia do devido processo legal, a que deverá ser submetido, sendo-lhe assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Prisão por sentença penal condenatória sem trânsito em julgado

A Súmula n.º 9 do STJ, dispõe sobre o entendimento de que a exigência da prisão provisória, para o réu apelar, não ofende o aludido princípio constitucional, hoje está consolidada uma forte tendência que só admite tal prisão com nítida natureza cautelar, o que significa que só se justifica quando devidamente fundamentada pelo juiz, que deve demonstrar os motivos fáticos e jurídicos excepcionais reveladores da sua necessidade. Jamais pode aludida prisão ser decretada "por força da lei", "automaticamente", pois aí conflita frontalmente com o princípio da presunção de inocência.

Werber Martins Batista leciona:

"Sendo assim, se, ao sobrevir a sentença condenatória, o réu ainda estiver preso cautelarmente, em razão de flagrante, de prisão preventiva ou de prisão na pronúncia, é porque esta medida se mostra necessária como garantia da ordem pública, ou para assegurar a aplicação da lei. A única modificação que ocorre com a prolação da sentença condenatória diz respeito ao primeiro dos pressupostos da medida, o fumus boni iuris; antes da sentença, a condenação era provável; depois dela ficou certa, ou quase certa. O outro pressuposto não sofre nenhuma influência. Pelo menos, em favor do réu. Talvez se possa dizer, ao contrário, que o risco de fuga aumenta com a condenação, mais necessária se torna, por isso, a prisão cautelar"[14]

A jurisprudência é maciça, inclusive no Pretório Excelso, que não se aplica o art. 594, do Código de Processo Penal, ou seja, o benefício de recorrer em liberdade da sentença condenatória, ao réu que no momento se encontrava preso, preventivamente ou em razão de flagrante[15].

Não se admite a decretação de custódia cautelar por ocasião da sentença condenatória recorrível sem a indicação de novos fatos que motivem a necessidade da medida extrema. O fato de ser o crime, praticado pelo agente, de natureza hedionda, por si só não autoriza a decretação da prisão cautelar, sem qualquer motivação amparada nas circunstâncias previstas no art. 312 do C.P.P., máxime quando se tratar de réu primário e portador de bons antecedentes, circunstâncias estas reconhecidas na decisão atacada. Inteligência do art. 5º, LVIII e LXI, e art. 93, IX, da Constituição da República.[16]

O entendimento prevalente no STJ é no sentido de possibilitar o recurso em liberdade ao acusado que nesta condição se manteve durante a instrução criminal. No caso, entretanto de reincidência e maus antecedentes, malgrado a presença em parte daquela condictio, pesando ainda a necessidade de intimação por edital para conhecimento da sentença condenatória, não há como fugir ao rigor do art. 594, do Código de Processo Penal.[17]

É vedado ao julgador proceder a decreto automático de prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, sendo, ao contrário, imperiosa a necessidade de motivação do decisum que determina o recolhimento do apenado ao cárcere após a condenação, levando em consideração os elementos autorizadores da medida cautelar, quais sejam, a garantia da ordem pública e a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal (art. 312 do C.P.P.)[18]

Por outro lado se o réu já se encontrava preso em virtude de uma sentença condenatória e assim continuou em virtude da sentença de pronúncia, não há que se falar em ilegalidade. Há de se salientar também que, sobrevindo sentença de pronúncia, fica elidida qualquer alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa; assim já se encontra sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (nº. 21).[19]

Resulta prejudicado o exame do habeas-corpus, à míngua de objeto, se o mesmo pedido foi formulado em writ anteriormente impetrado e já concedido. – "Pronunciado o réu, fica superada a alegação de constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução".[20]

Custódia cautelar do paciente devidamente fundamentada na garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, em face dos maus antecedentes e da altíssima periculosidade do paciente, da gravidade do crime, das ameaças às testemunhas e do clamor público. Considerando-se a grave complexidade do processo, com vários réus, já pronunciados, versando sobre crime gravíssimo – duplo homicídio triplamente qualificado cometido em concurso de agentes -, e tendo em vista que a prisão do paciente decorre de decisão de pronúncia, não há falar em constrangimento ilegal por excesso de prazo, para o qual, ademais, também contribuiu a defesa.[21]

Inexiste excesso de prazo na formação da culpa e nem há como acoimar de constrangimento ilegal em decorrência da incompetência do juízo; porquanto na determinação de competência por conexão,

ocorrendo concurso entre a competência do Tribunal do Júri e do outro de jurisdição comum, prevalece a competência do Tribunal do Júri, fundada em razão de matéria, principalmente, se pronunciados, a custódia cautelar é mantida. [22]

A prisão quando não fundamentada, não pode prosperar, este é o entendimento da Primeira Câmara Criminal - HC - Classe I - 09 - Nº. 3.464.96 - Chapada Dos Guimarães - Relator - Exmo. Sr. Des. Paulo Inácio Dias Lessa[23].

Presunção de Inocência

A presunção de inocência é uma das mais importantes garantias constitucionais, pois, através dela, o acusado deixa de ser um mero objeto do processo, passando a ser sujeito de direitos dentro da relação processual.[24]

Trata-se de uma prerrogativa conferida constitucionalmente ao acusado de não ser tido como culpado até que a sentença penal condenatória transite em julgado[25], evitando, assim, qualquer conseqüência que a lei prevê como sanção punitiva[26] antes da decisão final.

Diz o texto da Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 5.°, inciso LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Desta forma, o acusado de ato ilícito tem o direito de ser tratado com dignidade enquanto não se solidificam as acusações, já que pode-se chegar a uma conclusão de que o mesmo é inocente.

Pode-se notar, facilmente, que a presunção de inocência encontra-se implícita, pois o texto constitucional não coloca claramente o pressuposto de ser o réu inocente, mas tão somente que este não carrega consigo a culpa pelo fato que lhe é imputado pela acusação.

Deste princípio emergem outros de mesmo crédito: o direito à ampla defesa, o direito de recorrer em liberdade, o duplo grau de jurisdição, o contraditório, entre outros.

Em síntese, todos esses princípios constitucionais exercem função de alicerce do sistema democrático, pois no centro de todos os procedimentos judiciais o réu mantém sua integridade, sendo-lhe assegurado o devido processo legal e os riscos de uma decisão precipitada do magistrado são menores.

Origem histórica da presunção de inocência

Embora a origem máxima in dubio pro reo possa ser vislumbrada desde o direito romano, especialmente por influência do

Cristianismo, o princípio da presunção de inocência, regra tradicional no sistema da common law, insere-se entre os postulados fundamentais que presidiram a reforma do sistema repressivo empreendida pela revolução liberal do séc. XVIII. [27]

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, resultante da Revolução Francesa, esclarece a presunção de inocência em seu artigo 9.°: "Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei".

Este artigo da Declaração é de influência iluminista, principalmente de Montesquieu, que, em sua obra clássica O Espírito das Leis, defende a idéia do homem responder por seus atos, dentro de sua esfera de liberdade. Tudo pode ser feito se permitido em lei e, se esta for violada, necessária se faz a prova para posterior condenação. Outro filósofo que deu sua contribuição foi Rousseau que, em sua obra clássica Contrato Social, esclarece: o homem nasce bom, a sociedade que o corrompe.[28]

Já no século XX, houve um reforço à presunção de inocência com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assim diz o artigo XI:

"Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa."

Outro documento que traz o princípio é o Pacto de San Jose, assinado em 1969, onde é encontrado o enunciado que "Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa"[29].

As conseqüências processuais da presunção de inocência

Da presunção de inocência emergem outros princípios fundamentais ao processo. Dentre eles, estão o direito à ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, direito de o réu recorrer em liberdade, direito à prova, entre outros. Evitando desviar demais o trabalho do seu propósito, cabe apenas uma pequena explanação de alguns desses princípios.

O princípio do duplo grau de jurisdição dá a possibilidade das partes de um processo recorrerem da sentença de primeiro grau em instância superior. É a nova análise de uma decisão proferida por um juiz singular, no entanto, realizada por um órgão colegiado.

Como principais derivados do duplo grau de jurisdição devem ser destacados o controle judicial das decisões e atividades do juiz e uma possível uniformização das decisões em primeiro grau.

Outro fruto da presunção de inocência é o direito à prova. Nada mais óbvio que a acusação ter que provar o fato que imputa ao réu, pois seu statu quo é a ausência de culpabilidade. O direito brasileiro, como reflexo, não admite as provas ilícitas, a não ser em benefício do réu, apesar dessa não ser uma posição pacífica da jurisprudência. Cabem ao legislador e ao estudioso cuidados para, na busca de mecanismos hábeis no combate à criminalidade, não se autorizar uma verdadeira devassa na vida íntima da pessoa.[30]

O direito ao silêncio é outro derivado da presunção de inocência. Anteriormente ao texto constitucional vigente, o mesmo era considerado em desfavor do acusado.

Não obstante a essa evolução, o jurista Fauzi Hassan Choukr[31] enuncia alguns traços inquisitivos do Código de Processo Penal brasileiro. O primeiro é o ato de interrogatório ser privativo do juiz, sem contar com a presença tanto da defesa, como do Ministério Público. Além disso, o interrogatório não é considerado como exercício do direito de defesa, mas como prova.

Nas palavras de Antonio Magalhães Gomes Filho:

"presunção de inocência e `devido processo legal` são conceitos que se complementam, traduzindo a concepção básica de que o reconhecimento da culpabilidade não exige apenas a existência de um processo, mas sobretudo de um processo `justo`, no qual o confronto entre o poder punitivo estatal e o direito à liberdade do imputado seja feito em termos de equilíbrio".[32]

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Sobre os autores
Adriana Santos Tolentino

acadêmico de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Paulo Evangelista da Silva Filho

acadêmico de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Adriana Santos ; SILVA FILHO, Paulo Evangelista. Prisão decorrente de pronúncia ou decisão condenatória recorrível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2652. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho orientado pelo professor: Eduardo Mahon, que leciona a disciplina Direito Processual Penal, sobre o procedimento do Tribunal do Júri.

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