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Prisão decorrente de pronúncia ou decisão condenatória recorrível

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PRISÃO DECORRENTE DE PRONÚNCIA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA.

Conceito

Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná[33], é a sentença de pronúncia mero juízo de admissibilidade, cujo objetivo é submeter o acusado ao julgamento popular.

Momento

A pronúncia encontra-se, doutrinariamente falando, na fase denominada "sumário de culpa", que é a primeira fase do procedimento do Júri, indo do recebimento da denúncia até a sentença pronunciativa. Aí se dá o exame da admissibilidade da acusação, partindo-se ou não para um julgamento popular. Outro aspecto importante a ser analisado é que na oportunidade da pronúncia outras providências pode o juiz tomar, preterindo-se o pronunciamento. É o caso da ocorrência da impronúncia (quando há negativa de admissibilidade), absolvição sumária (quando existir alguma excludente de ilicitude) ou desclassificação (quando o crime sub examine não for considerado doloso contra a vida, fugindo da competência do júri popular e indo para a área do Juiz singular).

Natureza processual da pronúncia

Na técnica dos textos legais[34] a linguagem utilizada é a da palavra sentença, cujo conteúdo vem numa decisão meramente processual, provisória. Na doutrina, pontificando com a terminologia sentença em substituição à decisão, podem ser lembrados os nomes, de Tourinho Filho e Frederico Marques, entre outros.

Os requisitos para o Juízo de admissibilidade da acusação, com a procedência da peça exordial, não se esgotam, não se exaurem na previsão do art. 408. A comprovação, ainda que à saciedade, dos aspectos, objetivo e subjetivo da infração penal, é pouco, insuficiente mesmo para o juízo de pronúncia.

A Pronúncia, diferentemente da denúncia ou da queixa, requer, como substrato, ensejador de um juízo de admissibilidade do judicium accusationis, a narrativa de um crime em sua totalidade elementar. Não lhe bastaria a indicação de um fato típico e a respectiva autoria, ainda que de forma indiciária.

"Para a decisão de pronúncia, mero juízo de admissibilidade da acusação, basta que o juiz se convença, dando os motivos de seu convencimento, da existência do crime e de indícios de que o réu seja seu autor, tem decidido vários tribunais do país publicados no trabalho".[35]

Imprescindível é que o tipo penal não tenha sido realizado sob o pálio de alguma excludente de ilicitude ou de culpabilidade, de uma norma penal permissiva, é necessário a comprovação da materialidade de um fato típico e de indícios de sua autoria.

Pressupostos

No momento da conclusão da 1ª fase do procedimento do Júri, ou seja, a fase "sumário de culpa", o juiz proferirá a sentença pronunciativa, a qual carrega em seu conteúdo a admissibilidade de julgamento de determinado fato perante o povo.

Mas e quais os pressupostos legais determinadores de tal admissibilidade? Tais nos são revelados pelo CPP em seu art. 408, caput: "Se o juiz se convencer da existência do crime e de indício de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento".

São, então, pressupostos para a pronúncia: a) existência do delito e b) convencimento de que o réu seja o autor. Deverá o julgador, ao pronunciar-se, motivar o seu entendimento acerca da admissibilidade, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz, podendo este buscar nos autos, ou através de diligências, as provas necessárias para a formação dos pressupostos para a sua decisão de pronunciar ou não o acusado. Assim não fosse, estaríamos incorrendo em grave erro de justiça.

A finalidade da pronúncia

A função da pronúncia é admitir que há possibilidade de o acusado ser levado ao Júri, de forma que o juiz, para que não haja injustiça com o pronunciado, e sob pena de nulidade do ato em comento, deverá fundamentar as razões pelas quais criou seu juízo de admissibilidade. Deve também o julgador observar a classificação do crime e suas qualificadoras, também sob pena de nulidade caso não o faça, ou o fazendo, não fundamente as razões que o motivaram a tal.

Assim deve o juiz tipificar o delito e suas qualificadoras, a fim de que o acusado saiba pelo o quê está sendo levado a julgamento popular.

Fundamentação e linguagem utilizada

Na fundamentação da pronúncia deve o juiz usar de prudência, evitando manifestação própria quanto ao mérito da acusação. Cumpre-lhe abster-se de refutar, a qualquer pretexto, as teses da defesa, contra-argumentando com dados do processo, nem mesmo para acolher circunstâncias elementares do crime.

Sua precípua função é verificar a existência de "fumus boni juris" que justifique o julgamento do réu pelo Júri.

Por satisfazer-se a lei processual com a prova indiciária da autoria (art. 408), a redação da sentença, sem sofrer a censura de superficialidade, deve ser tal que não impeça sequer a argüição, pela defesa, da negativa da autoria.

A singeleza de expressões é recomendada, tanto mais que ao Júri é que compete, exclusivamente, apreciar as provas por seu merecimento.

"O juiz declara a sanção cabível, uma vez que não a aplica", é o que anota José Frederico Marques, acrescentando: "O magistrado que prolata a sentença de pronúncia deve exarar a sua decisão em termos sóbrios e comedidos, a fim de não exercer qualquer influência no ânimo dos jurados". É aconselhável, por outro lado, que dê a entender, sempre que surja controvérsia a propósito de elementos do crime, que sua decisão, acolhendo circunstância contrária ao réu ou repelindo as que lhe sejam favoráveis, foi inspirada no desejo de deixar aos jurados o veredicto definitivo sobre a questão, a fim de não subtrair do Júri o julgamento do litígio em todos os seus aspectos.[36]

A sentença de pronúncia deve ser redigida em linguagem serena, sem as influências perturbadoras da isenção da Justiça"[37]. "A sentença de pronúncia deve ser sucinta, precisamente para evitar sugestiva influência ao Júri[38]

A pronúncia deve ser lançada em termos sóbrios e comedidos a fim de não exercer qualquer influência no ânimo dos jurados. Não pode o juiz antecipar-se ao julgamento do Tribunal do Júri com uma interpretação definitiva e concludente da prova em favor de uma das versões existentes nos autos. O juízo de comparação e escolha de uma das viabilidades decisórias cabe ser feito pelos Jurados e não pelo Juiz da pronúncia.[39]

Entretanto, a falta de fundamentação quantum satis acarreta a nulidade da pronúncia.[40]

A jurisprudência do Tribunal tende a dispensar fundamentação específica para manter-se, na pronúncia, a prisão preventiva anteriormente decretada; a pronúncia, contudo, não sana por si só a nulidade da prisão preventiva anterior, por falta ou inidoneidade de sua própria motivação. Não bastam a justificar a prisão preventiva nem o cuidar- se de acusação de crime qualificado de hediondo, nem a invocação do clamor público, nem a alusão à conveniência da instrução, quando não indicada a sua base empírica.[41] Não há, todavia, vício de nulidade no excesso de linguagem, embora censurável, ou inconveniente.[42]

Requisitos

A pronúncia, para sua incidência em uma situação processual, pede requisitos positivos e negativos: a presença dos requisitos da materialidade do fato e indícios de sua autoria, bem como a não incidência das normas permissivas elencadas no art. 414, I, II e III.

A pronúncia, para fugir à eiva de inépcia deve, fundamentadamente, descrever o crime na totalidade de seus elementos constitutivos: fato típico, ilicitude e culpabilidade, dados previstos nos arts. 411, CPP.

Dos requisitos à pronúncia – prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria – o primeiro, que presume prova segura e de pronta aferição, encontra permissível debate nos limites do hábeas corpus contra pronúncia.[43]

Efeitos da pronúncia

São efeitos da pronúncia, quando não se pode alterá-la, submeter o réu à prisão, cuja efetuação será determinada (CPP, art. 408, § 1.°), salvo quando o réu for primário e de bons antecedentes, hipótese em que poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, se já se encontrar preso (CPP, art. 408, § 2.°, com a redação da Lei 5.941, de 22.11.73).[44] Marrey[45] continua: são ainda efeitos da sentença de pronúncia, induzir o magistrado a arbitrar fiança ao réu, nos crimes afiançáveis; e, ainda, interromper o curso da prescrição (CP/84, art. 117, II).

O CPP em seu artigo 321 e ss. Dispõe sobre os casos de cabimento, e de exclusão da fiança, caso haja crimes conexos, um dos quais inafiançável, o magistrado não terá faculdade de arbitrar fiança, pois, a decisão estará prejudicada pela impossibilidade do réu aguardar solto o julgamento.

Se cabível a fiança, o valor será o estabelecido na Lei federal 7.780, de 22.6.89, ao dar nova redação ao art. 325 do CPP.[46]

Nos crimes da competência do Júri, poderá o juiz, no momento da pronúncia, além de declarar o dispositivo penal em que tiver o réu como incurso, arbitrar-lhe fiança, nos crimes afiançáveis (CPP, art. 408, § 3.°) e, atualmente, também nos demais crimes, se o réu for primário e de bons antecedentes, quando não for o caso, será determinado a expedição de mandado de prisão.

Para fixação do valor da fiança, somente a gravidade do crime será levada em conta. Desta forma, revogou-se implicitamente o que se dispõe no CPP, art. 323, I. Aliás, o preceito da CF/88, art. 5.°, LXVI, dispondo que "ninguém será levado à prisão, ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança", é por sua própria expressão auto-executável e, portanto, de incidência imediata. Nesse sentido as ponderações do Prof. Celso Ribeiro Bastos.[47] Contudo, há decisões do TJSP afirmando a compatibilidade do benefício do art. 408, § 2.°, do CPP, com a prisão em flagrante ou preventiva.[48]

Com relação à prescrição, examina-se que a sentença de pronúncia interrompe o seu curso - CP, Parte Geral/84, art. 117, II.

Mais uma conseqüência da sentença de pronúncia, é o "lançamento do nome (do réu) no rol dos culpados", nos termos do citado art. 408, § 1.º do CPP. Face disso discute-se o texto do art. 5º, LVII da CF/88, estabelecendo a presunção de inocência - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

O lançamento do nome do acusado no rol dos culpados viola o principio constitucional que, proclamado pelo art. 5., inciso LVII, da Carta Politica, consagra, em nosso sistema jurídico, a presunção "juris tantum" de nao-culpabilidade daqueles que figurem como réus NOS processos penais condenatorios.. A norma inscrita no art. 408, PAR. 1., do CPP - que autoriza o juiz, quando da prolação da sentença de pronuncia, a ordenar o lançamento do nome do réu no rol dos culpados - esta derrogada em face da superveniencia de preceito constitucional com ela materialmente incompatível.[49] A expressao legal "rol dos culpados" não tem sentido polissemico. Ha, pois, de ser entendida como locucao designativa da relação de pessoas já definitivamente condenadas.. - A jurisprudência do STF tem reiteradamente proclamado a legitimidade juridico-constitucional da prisão cautelar que, não obstante a presunção "juris tantum" de nao-culpabilidade dos réus, PODE validamente incidir sobre o seu "status libertatis".. Com a pronuncia do réu, que havia anteriormente sofrido decreto de prisão preventiva, torna-se legitima - desde que subsistentes os motivos dessa custodia - a manutenção de sua prisão cautelar, ainda que se trate de acusado primário e de bons antecedentes.. - Reveste-se de plena validade juridico-processual a sentença de pronuncia que, atendendo aos requisitos do art. 408 e do art. 416 do CPP, especifica "todas as circunstancias qualificativas do crime".::[50]

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Segundo decidiu o TJSC, tornou-se essa formalidade, agora, impertinente "à luz do art. 5.°, LVII, da nova Carta Magna". Determinou-se ex officio "o cancelamento da inclusão do nome do réu no rol dos culpados, enquanto não transitada em julgado sentença condenatória que porventura venha a ser prolatada".[51]

A 1.ª Câmara Criminal do TJSP, apoiou o mesmo pensamento ao julgar o RC 90.650, argumentando o Relator Des. Fortes Barbosa que: "se o réu não foi julgado culpado quando da pronúncia... se o mérito da causa sequer foi examinado, como se falar em opção culpado ou inocente?". Entende o Relator que o dispositivo do § 1º do art. 408 do CPP é "inconstitucional".

Diverso foi o ponto de vista da 3.ª Câmara Criminal do mesmo TJSP, ao decidir: "ocorrendo pronúncia, deve ser mandado lançar o nome do réu no rol dos culpados", dado que o texto processual referido "não foi revogado pela atual Constituição Federal"[52]

Prisão decorrente de pronúncia.

A prisão processual provisória, em suas várias modalidades, determinada antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, tem caráter nitidamente excepcional, em razão do princípio constitucional da presunção de inocência, já salientado. Assim sendo, apenas em situações especiais, expressamente consignadas na legislação, será permitida dita prisão. Em função deste caráter excepcional da prisão antes da definitiva condenação, existe a possibilidade de se postular a liberdade provisória, com ou sem fiança, tal como está disciplinada no CPP, também já exposto. Além do mais, havendo patente excesso de prazo, pode o constrangido lançar mão de habeas corpus, para exercitar, em plenitude, o seu direito de livre locomoção. Nos delitos praticados por organizações criminosas, portanto, ainda que se amoldem aos requisitos ínsitos nos arts. 321 e seguintes da Lei Adjetiva Penal, não será pertinente o deferimento da liberdade provisória, mediante a prestação de fiança ou não.

Tourinho Filho[53] indica que estando o pronunciado preso, cumpre o Juiz recomendá-lo na prisão em que se achar, e caso esteja solto, determinará, se for o caso, a expedição de mandado visando à sua captura. No primeiro caso, pode o pronunciado já estar preso por outro motivo ou em face do crime que ensejou a pronúncia, de qualquer forma, continua Tourinho: "será ele recomendado na prisão em que estiver. Se em liberdade, poderá, em conseqüência da pronúncia, vir a ser preso, dês que necessário o encerramento." Faculta ao Juiz deixar de decretar a prisão, ou revogá-la, caso já encontre preso (408 § 2º)

Em regra, insere o art. 393 da Lei Adjetiva Penal, entre os efeitos da sentença condenatória recorrível, o recolhimento do réu à prisão, "assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança´´. Por seu turno, o art. 594 do mesmo diploma legal, com a redação preconizada pela polêmica "Lei Fleury´´, destaca que "o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória ou condenado por crime de que se livre solto´´.

A doutrina majoritária entende que no caso da sentença de pronúncia, não será obrigado o agente a se recolher à prisão, quando tenha bons antecedentes e seja primário[54]. Em verdade, embora se cuide de uma sentença, o recurso em sentido estrito é o apropriado para se atacar a deliberação a respeito da pronúncia.

A pronúncia somente autoriza a custódia do acusado, como garantia da ordem pública, por conveniência do processo nas etapas que se lhe seguem até o julgamento ou para assegurar a aplicação da lei penal, transformando essa prisão em espécie da preventiva que não pode prescindir da pertinente fundamentação.

À exceção do flagrante, toda e qualquer prisão deve ser fundamentada. Assim, sempre que o Juiz proferir decisão de pronúncia, a prisão somente poderá ser decretada se fundamentada, isto é, deverá o magistrado dar as razões da sua necessidade, pouco importando seja o réu primário ou reincidente, de bons ou maus antecedentes.[55]

E aqui também tem toda pertinência o quanto foi exposto sobre a prisão decorrente de pronúncia e até com mais razão, uma vez que a própria Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990, dispondo sobre crimes hediondos, aos quais foi dispensado tratamento rigoroso, determina que o Juiz deverá decidir fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. E é clara que essa motivação haverá de se embasar na ausência de motivos que justifiquem a prisão preventiva e não mais na primariedade e nos bons antecedentes, apesar de inúmeros julgados contrários.

Merece subsistir a prisão processual do paciente quando permanecem íntegros os pressupostos do art. 312, do Código de Processo Penal, ainda mais quando foi encontrado em poder do 1º dos réus uma carta de seu próprio punho em que confessa seu intuito de empreender fuga da cadeia em companhia de seu comparsa, o que torna indispensável a cautela em face da necessidade de manutenção da ordem pública e a garantia de aplicação da lei penal. Ademais, a pronúncia supera a alegação de constrangimento ilegal por demora do processo em condições semelhantes às da Súmula nº 21 do STJ.[56]

Se a sentença de pronúncia mantém a prisão cautelar do réu, preso desde flagrante em crime hediondo, por persistirem os motivos autorizadores da custódia, e inexistindo fato novo favorável à soltura e capaz de alterar a situação anterior, deve ser mantida a segregação atacada, não se exigindo nova ou ampla fundamentação para tanto. A gravidade e a violência dos delitos podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Condições pessoais favoráveis do réu não são garantidoras de eventual direito subjetivo à liberdade provisória, se outros elementos dos autos recomendam a prisão processual.[57]

A prisão cautelar, sem dúvida, é consentida pela Constituição da República. Não vingam os argumentos de incompatibilidade com o princípio da presunção de inocência. Este diz respeito à configuração do status de condenado; com o trânsito em julgado da sentença condenatória, executar-se-á a – pena criminal. Não se confunde com a cautela. Esta, ao contrário, repousa na – "necessidade" – para o regular desenvolvimento do processo, garantir a ordem pública e assegurar cumprimento de eventual condenação. Nesse contexto, deve ser lido o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal face à vigente Constituição da República. A sentença, por si mesma, não é bastante para resultar a prisão. Pode o condenado aguardar o julgamento do recurso em liberdade. As mesmas considerações são válidas para a sentença de pronúncia.

Uma vez condicionada a prisão do acusado ao trânsito em julgado da sentença de pronúncia, descabe, no julgamento de recurso da defesa, afastar a necessidade do concurso do citado atributo. O Direito é ciência e os institutos, as expressões e os vocábulos possuem sentido técnico, sendo a uniformização da linguagem apanágio da organicidade que lhe é própria. Exorbita do razoável atribuir o lançamento da cláusula limitadora da ordem de prisão o trânsito em julgado a simples erro material, passível de correção até mesmo de oficio. Sem adentrar o exame da inutilidade prática do vetusto procedimento, considerado o interesse do Estado, exsurge a incompatibilidade com a Carta da República de 1988, no que preceitua que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória inciso LVII do artigo 5º. O princípio da não-culpabilidade revela a ausência de recepção do preceito parte do § 1º do artigo 408 do Código de Processo Penal no que impunha, como consequência da sentença de pronúncia, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados. Precedente: habeas-corpus nº 69.696-1-SP, relatado pelo Ministro Celso de Mello perante o Pleno, com decisão unânime publicada no Diário da Justiça de 01 de outubro de 1993.[58]

Hermínio Porto indica que não cessados pelo Juiz, ao início da instrução, os efeitos do flagrante, pelo desenvolver da mesma, se afastados os pressupostos que a lei menciona ao tratar da prisão preventiva, será concedida a liberdade provisória, e, pelos mesmos motivos, será revogada prisão preventiva porque afastada a presença da justa causa.[59]

A prisão provisória tem natureza cautelar de interesses processuais, da ordem pública ou da eficácia da sanção penal. Tal natureza não se perde com a Sentença da Pronúncia nem se choca com a presunção constitucional de inocência pois não envolve juízo condenatório. Se o Juiz, diante de réu preso em flagrante, o pronuncia e nega-lhe o direito de recorrer em liberdade ou de assim aguardar o julgamento pelo Júri, justificando amplamente sua decisão frente à proteção da vítima que poderá vir a depor no Plenário de julgamento e que sofre ameaças concretas por parte do réu, está ele a proteger a idoneidade da prova e não exerce constrangimento ilegal.[60]

É ponto pacífico em nossa jurisprudência que a prisão provisória constitui efeito jurídico-processual que decorre, ordinariamente, da sentença de pronúncia. A concessão da liberdade provisória ao réu pronunciado traduz mera faculdade legal reconhecida ao juiz. Assim, a denegação desse benefício não acarreta constrangimento ilegal, apesar da primariedade e dos antecedentes do paciente, em face da presença dos motivos que justificam a preservação de sua prisão preventiva. Inteligência e aplicação do art. 408, § 1º., do CPP.[61]

A respeito do "princípio da presunção de inocência", ensina o Prof. Antonio Magalhães Gomes Filho:

"Vale lembrar que o princípio da presunção de inocência, desde sua consagração inicial pelo art. 9º da ´Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão´, de 1789, tem um duplo significado: de um lado, regra processual segundo a qual o acusado não está obrigado a fornecer provas de sua inocência, pois esta é de antemão presumida; de outro, garantia de que o status do cidadão não será afetado por qualquer medida restritiva, antes de uma condenação definitiva"[62]

E ainda:

"Seja ele (réu) primário ou reincidente, tenha bons ou maus antecedentes, ainda que pronunciado ou condenado em primeiro grau, enquanto não transitar em julgado a condenação continuará sendo inocente, com todas as implicações constitucionais de tal estado"[63].

Ora, sendo o réu presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, temos que ele não poderá ser preso antes daquele momento.

O simples fato dele não ser primário ou não ter bons antecedentes não pode rechaçar aquela presunção de inocência:

"Não se pode, pois, presumir que o presumidamente inocente vá fugir... não se pode presumir que o presumidamente inocente seja perigoso. Tais presunções praticamente anulam o princípio constitucional da presunção de inocência. E, assim, sendo presunções odiosas que superam a da inocência, elas afrontam a Lei Maior."

E continua o festejado mestre:

"Por que prender o reincidente para poder apelar? E se a sentença for, realmente, injusta? Tudo isso faz lembrar um jogo de pôquer, em que o parceiro, com receio de ser blefado, paga para ver... É triste! Por que proibi-lo de recorrer em liberdade? Receio de fuga? Para fugir não precisa apelar... Não pode o réu fugir antes? Então, para ele saber, se tem ou não tem razão, se a sentença foi justa ou injusta, tem de pagar para ver...". [64]

Assim, só se justifica a exigência de prisão para apelar (estando o réu em liberdade), se o magistrado demonstrar, na sentença condenatória, a necessidade da sua prisão.

O princípio da presunção de inocência elencado na Constituição Federal não exclui a possibilidade da prisão antes de transitada a sentença condenatória em julgado. Na realidade, coibiu-se a prisão arbitrária, ou seja, aquela onde o acusado era preso simplesmente pelo fato de ser parte em um processo penal. Desta forma, o Magistrado quando da prisão preventiva, bem como, da prisão em virtude da pronúncia e da prisão em virtude de sentença condenatória recorrível, deve determinar o encarceramento do acusado mediante decisão fundamentada que demonstre a existência dos pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal. Restando configurados tais requisitos permissivos do encarceramento cautelar, não se pode determinar a liberdade provisória do acusado.

Com efeito, tendo a prisão decorrente de sentença penal condenatória a natureza jurídica de prisão cautelar, impõe-se, a existência do periculum in mora, o que se dará se estiver presente uma das circunstâncias autorizadoras da prisão preventiva.

O princípio do Estado de Inocência, erigido à categoria de

dogma constitucional pelo art. 5º, LVII, da Carta Magna, revogou por ser incompatível com ela, a norma inscrita no art. 594, CPP, a qual estabelece que somente pode apelar sem antes se recolher à prisão o réu que é primário e de bons antecedentes. Decorre de tal princípio a proibição de aplicação da pena ou da medida de segurança[65].

O prestigioso magistério de Tourinho Neto[66] reportando-se ao art. 594 do CPP, conclui:

"Nos tempos atuais, tal dispositivo é inaceitável, pois ominoso, inominável. Se a sentença ainda não transitou em julgado, não se pode afirmar que o réu seja culpado. A sentença poderá ser reformada. Quando da prisão preventiva obrigatória a grite era enorme, veemente. Frederico Marques dizia: ´Trata-se de medida bem adequada ao autoritarismo penal de Estados totalitários...[67]."

De outra banda, o art. 93, IX, da CF/88 exige que toda e qualquer decisão judicial seja fundamentada.

E fundamentar a decisão não é simplesmente dizer que o réu não é primário ou não tem bons antecedentes. Urge demonstrar o periculum in mora. Este consiste na necessidade da prisão, verificável pelos elementos contidos no bojo dos autos, pois que deve estar comprovada, não sendo lícito presumi-la.

Fundamentos são "as razões ou argumentos em que se funda uma tese" [68].

Ora, sendo a liberdade a regra e a prisão provisória a exceção, impõe-se seja fundamentada toda e qualquer medida restritiva daquela liberdade.

Vale à pena ater-se à lição de Maria Lúcia Karam, citada por Cintra Júnior, quando diz:

"O encarceramento anterior ao julgamento é medida, mais do que qualquer outra, de caráter excepcional. A legalidade processual remete tal medida a critérios evidenciadores de que a permanência do indiciado ou processado em liberdade constituiria ameaça para o normal desenvolvimento do processo ou para eventual aplicação futura da pena, nada tendo a ver, portanto, com a natureza do delito atribuído, cuja efetiva ocorrência só poderá passar do terreno das hipóteses para o plano do concreto, quando da cognição definitiva do mérito, a ser feita no momento da sentença."[69]

A exigência de recolhimento do réu à prisão para poder apelar colide também com os princípios da "ampla defesa, contraditório, due process of law e duplo grau de jurisdição", pois que aquela medida extrema, sem demonstração de sua necessidade, restringe e até mesmo fulmina estes princípios constitucionais.

A justiça penal não termina com o trânsito em julgado da sentença condenatória, ao contrário, terá que ratificar, cada dia, a sua presença, nesta fase final de execução. Novas relações jurídicas surgem entre o condenado e o Estado que precisariam ser melhor estudadas e mais cuidadosamente obedecidas em suas exigências sociais e legais, de forma a não contradizer nem desmoralizar o próprio Estado - titular do direito de punir.

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Sobre os autores
Adriana Santos Tolentino

acadêmico de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Paulo Evangelista da Silva Filho

acadêmico de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Adriana Santos ; SILVA FILHO, Paulo Evangelista. Prisão decorrente de pronúncia ou decisão condenatória recorrível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2652. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho orientado pelo professor: Eduardo Mahon, que leciona a disciplina Direito Processual Penal, sobre o procedimento do Tribunal do Júri.

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