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O prequestionamento nos recursos Extraordinário e Especial

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02/02/2014 às 15:41
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2. Prequestionamento explícito e implícito

Como podemos verificar das observações feitas no item anterior, o prequestionamento prevalece como um dos requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial.

A doutrina e a jurisprudência têm dividido o prequestionamento em duas modalidades: prequestionamento explícito e prequestionamento implícito[38].

Perseu Gentil Negrão, analisando essa classificação, define prequestionamento explícito como aquele que ocorre quando o acórdão menciona de forma expressa o texto de lei alegado como violado. Prequestionamento implícito, aquele em que o acórdão examina o texto de lei, mas deixa de referir-se ou mencionar expressamente tal dispositivo. Aduz ainda que o prequestionamento explícito é a regra, enquanto o implícito é a exceção[39].

Assim, podemos definir prequestionamento explícito como sendo aquele que ocorre quando o Tribunal a quo, ao decidir a causa, refere de forma expressa os dispositivos legais (tidos como violados) e emite de forma clara e expressa juízo de valor acerca dos  referidos dispositivos legais (constitucionais ou infraconstitucionais).

Com relação ao prequestionamento implícito, conforme José Miguel Garcia Medina, há duas concepções. A primeira, se baseia na existência ou não de menção expressa do dispositivo de lei dito violado, ainda que o Tribunal discuta a tese jurídica suscitada nas razões do recurso. Assim, se o Tribunal tratar da matéria, mas não mencionar expressamente o dispositivo legal ao qual se liga o tema, há o prequestionamento implícito[40]. Para a segunda concepção, há prequestionamento implícito quando a decisão recorrida não se manifesta expressamente acerca da questão posta, mas, implicitamente, dá a entender sua recusa[41].

Cândido Rangel Dinamarco sustenta que não se pode pura e simplesmente prescindir do requisito do prequestionamento, no entanto, não se deve ter um exagero a ponto de radicalizar a exigência. Logo, o prequestionamento implícito há de ser suficiente[42]. Do mesmo sentir é Roberto Carvalho de Souza, para o qual o prequestionamento implícito deve de ser aceito, sob pena de “serem alijados o ‘interesse superior, de ordem pública, na justa composição da lide’ e o ‘ideal da manutenção da paz social e do império da ordem jurídica”. Menciona ainda que o entendimento do que seja o prequestionamento não pode ficar ao sabor do entendimento de cada órgão do Judiciário, “deve ao contrário, ser a expressão uniforme do que se pretende, por seu intermédio, caracterizar”[43].

No Supremo Tribunal Federal, em decorrência do enunciado das Súmulas 282 e 356, aceita-se apenas o prequestionamento explícito, pois, como menciona o Ministro Sepúlveda Pertence, o recurso extraordinário é um instrumento de revisão in jure, portanto:

não investe o Supremo de competência para vasculhar o acórdão recorrido, à procura de uma norma que poderia ser pertinente ao caso, mas da qual não se cogitou. Daí a necessidade de pronunciamento explícito do Tribunal a quo sobre a questão suscitada no recurso extraordinário. Sendo o prequestionamento, por definição, necessariamente explícito, o chamado ‘prequestionamento implícito’ não é mais do que uma simples e inconcebível contradição em termos[44].

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, numa linha mais moderada de entendimento, tem-se admitido amplamente o prequestionamento implícito, “desde que a tese defendida no recurso especial tenha sido efetivamente apreciada pelo Tribunal recorrido à luz da legislação federal indicada”[45].

Na opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso, a linha de entendimento adotada pelo Superior Tribunal de Justiça parece ser a melhor, pois não se justifica mais o rigor interpretativo que inspirou as Súmulas 282, 317 e 356 do STF. Segundo o autor, “desde que se possa, sem esforço, aferir no caso concreto que o objeto do recurso está razoavelmente demarcado nas instâncias precedentes, cremos que é o bastante para satisfazer essa exigência que, de resto, não é excrescente, mas própria dos recursos de tipo excepcional [...]”[46].


3. Embargos declaratórios prequestionadores (Súmula 356/STF X Súmula 211/STJ)

Como vimos, a regra geral é a da exigência do prequestionamento, que nos conduz à conclusão de que só se reputam prequestionadas questões regularmente submetidas à apreciação do Tribunal recorrido, sobre os quais tinha ele o dever de se pronunciar.

Para viabilizar a interposição dos recursos excepcionais, é indispensável que as questões alegadas pelo recorrente em seu recurso hajam sido apreciadas e resolvidas pelo Tribunal recorrido, como se depreende do enunciado das Súmulas 282 e 356 do STF[47].

Ocorre que, por vezes, os Tribunais recorridos, quedam-se omissos na apreciação das questões jurídicas suscitadas pelas partes nas suas razões recursais (apelação, agravo de instrumento) ou de sua defesa (contra-razões), bem como deixam de apreciar questões que deveriam ser conhecidas de ofício. Se a matéria que o recorrente quer ver decidida pelo STF ou STJ não se encontrar decidida no bojo do acórdão impugnado, deve o mesmo provocar o Tribunal recorrido, mediante Embargos Declaratórios, a fim de que a questão seja apreciada e inserida no corpo do acórdão[48].

Lembra Egas Dirceu Moniz de Aragão que os Tribunais às vezes sentem-se melindrados com o número crescente de embargos de declaração opostos a seus acórdãos e alguns os rejeitam por considerá-los inadmissíveis e até protelatórios, aplicando a multa do art. 538 do CPC[49]. Todavia, essa qualificação, como protelatórios, e conseqüente aplicação da multa do art. 538 do CPC, tem sido reiteradamente rejeitada pelos Tribunais Superiores, sendo inclusive objeto do enunciado da Súmula 98 do STJ: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”[50]. De acordo com Athos Gusmão Carneiro, embora esta súmula tenha seus méritos, está ocasionando um perverso e imprevisto efeito colateral, qual seja: “o estímulo aos litigantes para a apresentação, quando menos por prudência, de embargos declaratórios (freqüentemente desnecessários), com manifesto aumento de trabalho dos tribunais de segundo grau”[51].

Os embargos declaratórios para fins de prequestionamento possue sua hipótese de cabimento delineada pelo art. 535, II, do CPC. Em realidade, trata-se de embargos com a finalidade de sanar omissão existente no acórdão recorrido[52]. Por isso, não se admite tal recurso quando tenha por finalidade prequestionar questão jurídica que não tenha sido anteriormente suscitada pela parte antes do julgamento do acórdão embargado, salvo se a questão for de ordem pública, conhecível de ofício, ou se tratar de vício surgido quando do próprio julgamento. Inadmite-se portanto, os chamados “embargos declaratórios pós-questionadores”[53]. Se a questão não foi deduzida pela parte anteriormente, em suas razões recursais ou contra-razões, o Tribunal não tem o dever de emitir juízo sobre ela[54].

Por outro lado, tendo a parte suscitado anteriormente a questão jurídica, o Tribunal tem o dever de se manifestar expressamente sobre ela, pois as alegações das partes não são feitas a título de mera formalidade que possa simplesmente ser desprezada pelo órgão julgador. Com efeito, reza o art. 458, II do CPC, que a fundamentação das sentenças e acórdãos deve de conter a análise das questões de fato e de direito suscitadas pelas partes, sob pena de violação ao art. 535, II do CPC[55].

O “ponto nevrálgico”, questão de divergência na doutrina e jurisprudência é o que ocorre quando o Tribunal recorrido, mesmo tendo sido provocado, mediante embargos declaratórios, a se manifestar sobre a tese jurídica suscitada anteriormente pela parte, simplesmente rejeita os embargos declaratórios, sem prequestionar a matéria, ou os acolhe sem no entanto suprir a omissão.

Alguns sustentam que, neste caso, não houve prequestionamento, pois a matéria não teria sido debatida pelo Tribunal[56]. Para outros, a parte esgotou seu dever de tentar prequestionar a questão que pretende suscitar nas instâncias superiores, tendo assim cumprido o preceito da Súmula 356 do STF, razão pela qual estaria suprido o requisito do prequestionamento[57].

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça prevalece o primeiro entendimento, ou seja, mantendo-se omisso o Tribunal recorrido, mesmo com a interposição dos embargos declaratórios, não haverá sido atendido o requisito do prequestionamento. Este é o entendimento consagrado na Súmula 211 do STJ: “Inadmissível o recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciado pelo tribunal a quo”.

Assim, no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando rejeitados os embargos declaratórios, cabe à parte interpor recurso especial (art. 105, III, a da CF/88) alegando negativa de vigência ao art. 535, II do CPC, requerendo a cassação do acórdão a fim de que outro seja proferido com a análise da questão jurídica anteriormente suscitada[58]. Só então, diante de eventual decisão novamente proferida pelo Tribunal a quo e desde que aborde a questão jurídica suscitada, é que caberá o recurso especial para tratar da verdadeira “questão de fundo”[59].

No âmbito do Supremo Tribunal Federal encontramos divergência entre a 1ª Turma e a 2ª Turma com relação ao entendimento sobre a matéria, mais especificamente sobre a interpretação da Súmula 356. A 1ª Turma consolidou o entendimento de que a mera interposição dos embargos declaratórios, mesmo que sejam desacolhidos, supre o requisito do prequestionamento[60]. Já a 2ª Turma tem entendido, em especial o Min. Marco Aurélio, que a oposição dos embargos de declaração não supre o requisito do prequestionamento se a questão suscitada no recurso extraordinário não foi efetivamente debatida no acórdão que julgou os embargos. Destarte, a 2ª Turma do STF compartilha do entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça através da Súmula 211[61].

Esse entendimento da 1ª Turma, denominado de prequestionamento ficto[62], tem sofrido inúmeras críticas por parte da doutrina, dentre elas a de Eduardo Ribeiro de Oliveira, para o qual a exigência de apresentação dos embargos declaratórios, de nada importando o seu resultado, corresponde à exigência de cumprir-se um mero ritual:

Ora, se admissível, ainda que não enfrentada a questão, por que ter-se como inarredável o pedido de declaração? A conclusão, em verdade, haveria de ser que o prequestionamento constitui requisito prescindível. Se, em tal caso, se pode decidir sem que preceda pronunciamento do tribunal a quo, há de concluir-se que é supérfluo e seria de dispensar-se sempre.[63].

Também na jurisprudência encontramos posicionamento que repele o denominado prequestionamento ficto, pois o mesmo subverteria o iter processual, já que surpreenderia a parte adversa, “suprimindo-lhe a prerrogativa do contraditório, forçando a Corte Superior a apreciar tema inédito”[64].

Diante dessa divergência de posicionamentos entre a 1ª e 2ª Turma do STF, a forma como a parte deve de proceder, para não ver seu recurso extraordinário inadmitido por falta de prequestioanemnto, também não é tranqüila. Acreditamos que, em decorrência do princípio da eventualidade, deverá o recorrente deduzir preliminarmente em seu recurso extraordinário, a alegação de violação ao art. 5º, XXXV da CF/88, ou seja, alegar a negativa de prestação jurisdicional[65] e requerer a cassação do acórdão recorrido. Dessa forma, se o seu recurso extraordinário for distribuído para a 2ª Turma, esta cassará o acórdão e determinará que o Tribunal a quo aprecie a questão jurídica suscitada; se o seu recurso for distribuído para a 1ª Turma, esta julgará de imediato o mérito recursal.

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Essa divergência entre as duas Turmas do STF parece ter sido superada[66] diante da decisão do Pleno, o qual, quando do julgamento do RE 219934-2/SP em 14.06.2000, apreciando preliminar de ausência de prequestionamento, decidiu por maioria (vencido apenas o Min. Marco Aurélio), que o requisito do prequestionamento está atendido pela simples interposição dos embargos de declaração, mesmo que o tribunal de origem os tenha rejeitado. Na oportunidade, o Min. Néri da Silveira afirmou que, se a parte interpôs os embargos declaratórios e ainda assim o tribunal de origem manteve-se omisso, a parte recorrente não pode ser prejudicada:

O Tribunal ad quem, no caso o STF, tem duas posturas: ou se considera, desde logo, correto o prequestionamento, em face da Súmula 356, ou se, no recurso extraordinário, a parte alegou negativa de prestação jurisdicional e a Corte a quo insistiu em não conhecer da matéria, ela pode invocar ofensa ao inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição. Então, o Tribunal pode anular o acórdão e determinar que outra decisão se profira nos embargos de declaração, apreciando explicitamente aquela questão. Se o recurso extraordinário vem com invocação de ofensa ao inciso XXXV do art. 5º, o Tribunal pode dar essa solução[67].

Como podemos constatar, falta uma unificação de entendimento jurisprudencial entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça sobre a interpretação da Súmula 356 do STF. E essa divergência de entendimento, quanto à configuração ou não do requisito do prequestionamento, acarreta sérios transtornos, fazendo com que a interposição de recursos excepcionais se torne uma verdadeira loteria para aqueles que pretendem recorrer aos Tribunais Superiores. Urge, portanto, que ambos os Tribunais, pacifiquem de uma vez por todas essa matéria, pois é inconcebível que subsistam dois prequestionamentos diferentes, um perante o Supremo Tribunal Federal (Súmula 356) e outro perante o Superior Tribunal de Justiça (Súmula 211)[68].

No nosso entendimento, a interpretação que deve de prevalecer é a adotada pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, a que considera suprido o requisito do prequestionamento desde que tenham sido opostos os embargos declaratórios, pois a parte recorrente então fez tudo que estava ao seu alcance para ver a matéria prequestionada e não pode ser prejudicada pela insistência na omissão por parte do Tribunal recorrido. A exigência de interposição de recurso extraordinário ou especial a fim de anular o acórdão que se omitiu a apreciar a questão jurídica constitui-se em formalismo exagerado, congestionando ainda mais o Judiciário e atrasando ainda mais a solução das lides[69]. Athos Gusmão Carneiro também entende ser mais conveniente a posição do Supremo Tribunal Federal, pois estaria de acordo com os princípios da instrumentalidade, celeridade e eficiência do processo, que devem se sobrepor a “considerações de ortodoxia doutrinária”. Por fim, apresenta ainda, para corroborar o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, a seguinte questão:

Quid juris, se o tribunal de origem, no julgamento dos embargos aclaratórios – e mesmo sem intenção de subtrair-se à hierarquia funcional - adotar conduta que implique persistência na omissão? O STJ (abstraídas quaisquer providências de ordem administrativa ou censória, que aliás a lei não prevê) irá cassar de novo o acórdão local, criando um círculo vicioso? Ou em tais hipóteses seguirá o rumo preconizado pelo Supremo Tribunal Federal?[70]

Desta feita, caberá ainda ponderarmos sobre esta questão final, pois muitas decisões dos Tribunais são uma verdadeira “caixinha de surpresas”.

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Sobre o autor
Marcelo Amaral da Silva

Professor Universitário, Advogado e Consultor jurídico, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Amaral. O prequestionamento nos recursos Extraordinário e Especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3868, 2 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26547. Acesso em: 18 dez. 2024.

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