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Do casamento religioso com efeitos civis e o novo Código Civil

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4. O novo Código Civil e o casamento religioso com efeitos civis

Tendo em vista a previsão constitucional para o casamento religioso com efeitos civis, o novo código Civil, lei ordinária, não tem força para extingui-lo. E, realmente não o fez.

A matéria ora tratada vem disciplinada no Capítulo I – Disposições Gerais, Subtítulo I – Do Casamento, Título I – Do Direito Pessoal, Livro IV – Do Direito de Família.

O procedimento que, atualmente, é disciplinado parte na Lei n. 1.110/50 e parte na Lei n. 6.015/73, passará a ser regulado nos arts. 1.515 e 1.516 do novo Código.[28]

O deslocamento das normas regulamentadoras do casamento religioso com efeitos civis da Lei n. 1.110/50 e Lei n. 6.05/73 para o corpo do novo Código Civil demonstra sua valorização pelo legislador. Aqui, será, obrigatoriamente, visto por todos que se depararem com o Direito de Família, já que está, topograficamente, logo nos primeiros artigos no Livro IV.

De pronto, o novo Código parece resolver problema apontado acerca da natureza do registro.[29] Para a validade do casamento religioso é mister a inscrição no registro, donde se conclui que ele é da substância do ato.

O art. 1.516 no § 1º do cuida da habilitação prévia e no 2º da habilitação posterior.

No casamento religioso com efeitos civis mediante habilitação prévia, constata-se que o prazo para o registro foi dilatado de 30 para 90 dias. Os legitimados para o requerê-lo continuam os mesmos do art. 3º, da Lei n. 1.110/50 e art. 73 da lei n. 6.015/73, ou seja, a autoridade religiosa celebrante ou qualquer interessado.

Transcorridos os noventa dias sem qualquer manifestação das partes legitimadas a requerer o registro, bastará submissão a nova habilitação para que o casamento religioso seja registrado.

Ao disciplinar a habilitação posterior, o novo texto legal[30] deixou a desejar; sua aprovação com a redação atual significará um retrocesso em face da legislação vigente.

A razão desta crítica se deve ao fato de que, pela nova sistemática, a inscrição do casamento religioso no Registro Civil ficará subordinada à vontade dos nubentes.

Pelo sistema atual, expedido o certificado, de ofício, o oficial remete ao juiz, que determina o registro.

Agora, os nubentes ficarão de posse do certificado de habilitação, válido por noventa dias, o que implica na possibilidade de efetivação ou não do registro. Aliás, isto dá margem à duas oportunidades para a não regulamentação do casamento religioso: a primeira, senão quiserem se submeter à habilitação, a segunda, se não requererem o registro.

José Lamartine e Ferreira Muniz propuseram, há tempos, um questionamento:

"... perguntar-se-á, por um lado, se impede a transcrição do casamento religioso, transmitido tempestivamente ao oficial do Registro Civil, o casamento celebrado na forma civil por um dos nubentes com terceiro entre a celebração do primeiro e o pedido de sua transcrição;"[31]

E continuam:

"O casamento religioso não transcrito é relevante juridicamente para o efeito de impor ao oficial do Registro Civil o dever de efetuar a transcrição do ato da celebração. Afirma-se em tais circunstâncias que o casamento religioso já produz efeitos de um fato jurídico e, neste limitado sentido, tem existência jurídica".[32]

Determina o novo Código Civil a nulidade absoluta para o "registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem o casamento civil."[33]

Parece sem sentido a explicitação desta situação. Se existe casamento civil válido e se o casamento religioso deve obedecer as exigências da lei civil, é evidente o impedimento e, caso venha a ser celebrada a cerimônia, a nulidade é de rigor!

Por fim, resta ressaltar a omissão do texto legal quanto à ausência da transcrição.[34]

José Lamartine e Ferreira Muniz apontaram outro ponto duvidoso: a morte de um ou de ambos os nubentes constitui obstáculo à transcrição? E respondem: "A morte de um ou de ambos os nubentes não deve ser obstáculo à transcrição de um casamento religioso realizado validamente em vida."[35]

Nesse mesmo sentido se posiciona a jurisprudência: "O falecimento de um dos nubentes antes da inscrição do casamento no Registro Civil, por ele requerido, não inibe a concessão."[36]

Lamentavelmente o Código Civil não resolveu este problema de maneira expressa. Cabe aos que buscam fazer ciência jurídica, ordenar as normas e interpretar a lei diante da lacuna:

"É indubitável que a tarefa mais importante do jurista consiste em apresentar o direito sob uma forma ordenada ou ‘sistemática’, para facilitar o seu conhecimento, bem como seu manejo por parte dos indivíduos que estão submetidos a ele, especialmente pelos que o aplicam.

Parece evidente que a função do cientista do direito não é mera transcrição das normas, já que estas não se agrupam em uma ordem, em um todo ordenado, mas sim a descrição, a interpretação, que consiste, fundamentalmente, na determinação das conseqüências que derivam de tais normas."[37]

O art. 1.515 coloca como requisito para a validade do casamento religioso sua inscrição no registro.

Em se tratando de habilitação prévia, a inscrição no registro pode ser pedida pelo celebrante ou qualquer interessado.

Diante disso, a morte de um deles, levando-se em consideração que a cerimônia religiosa é relevante juridicamente[38], não será empecilho para que o casamento religioso seja registrado, surtindo todos os efeitos legais cabíveis desde a data da celebração, se requerido no prazo legal.

Por sua vez, no caso da habilitação posterior, a lei ordena o requerimento do casal. Assim, o óbito de um dos nubentes impedirá que o casamento religioso produza qualquer efeito jurídico.

A Lei n. 1.110/50 foi criticada por não estabelecer o rol das religiões idôneas à celebração e o novo Código Civil vai nesse trilhar. Bulhões de Carvalho já tecia suas críticas ao Anteprojeto de Código Civil, mencionando os pontos a serem reparados, dos quais se ressalta o primeiro:

"a. fazer a lei uma enumeração mais completa das religiões notoriamente reconhecidas por sua idoneidade e regularidade de funcionamento, inclusive quanto ao registro de seus casamentos;"[39]

Porém, nem sempre foi assim, porque a Lei n. 379/37 enumerava os ritos confessionais reconhecidos, de acordo com o magistério de Antonio Chaves[40]:

Os efeitos continuarão ex tunc, isto é, retroagirão à data da celebração, após o competente registro civil do casamento religioso (art. 1.515).

Em face do exposto, buscou-se demonstrar que o casamento religioso com efeitos civis tem amparo constitucional e na legislação ordinária, há mais de 50 anos, podendo ser mais um instrumento a unir homens e mulheres pelos laços do amor, afeto, fidelidade e amizade, para a consecução de seus objetivos mais íntimos.

Ao que tudo indica o octogenário sairá da penumbra. Porém, antes tarde do que nunca!


6. Bibliografia

ANTUNES VARELA, Estudos jurídicos em homenagem à Faculdade de Direito da Bahia, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 151/2

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CHAVES, Antônio, Tratado de direito civil. 2ª ed. rev. amp., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O direito de família e o projeto do código civil. In:

PINTO, Tereza Arruda Alvim (coord.). Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Direito de Família – Aspectos constitucionais, civis e processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, vol. 4, p. 222/243

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª ed. Forense Rio de Janeiro, 1999

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 1997.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. OLIVEIRA, Euclides de. Do casamento. In: DIAS, Maria Berenice. Pereira, Rodrigo da Cunha. (coords). Direito de família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 9-30

LAMARTINE, Jose´. MUNIZ, Ferreira. Curso de direito de família. 2ª ed., Curitiba: Juruá, 1999.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família: origem e evolução do casamento. Curitiba: Juruá, 1991.

OLIVEIRA, Wilson de. Direito de família. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. V.

PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. Rio de Janeiro: Tribuna Liberal, 2ª tiragem, 1889.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família – uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito de família, 3ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1947, v. 1.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 18ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1993, v. 6.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2001, v. 5.

WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 12ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

São Paulo, novembro de 2001


7.Notas

1.p. 10

2.Marcos 12: 17

3.Eduardo de Oliveira Leite, Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento, p. 210

4.Yussef Said Cahali, Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 13, p. 455/460

5.Eduardo de Oliveira Leite, Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento, p. 212

6.Temos o sistema do casamento religioso obrigatório, civil obrigatório, civil facultativo e o civil subsidiário.

O casamento civil obrigatório é o sistema que, atualmente, abrange a imensa maioria dos países. Para que o casamento surta efeitos na esfera civil, há que ser realizado perante autoridade estatal. Assim, pouco importa a fé professada pelos nubentes. Eles deverão preencher todos os requisitos apontados pela legislação civil para que sua união matrimonial produza efeitos civis. No que concerne à celebração religiosa, esta valerá apenas para fins de credo pessoal dos nubentes. Já para o sistema do casamento facultativo, consoante a própria denominação, os nubentes podem optar pelo casamento civil ou religioso. Tanto num quanto noutro, o Estado conferirá todos os efeitos civis cabíveis. O casamento civil subsidiário caracteriza-se pela adoção de um Direito matrimonial religioso, pelo Estado. Somente as pessoas que não professem aquela fé possuem o direito ao casamento civil.

7.Eduardo de Oliveira Leite, Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento, p. 208

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8.Eduardo de Oliveira Leite, Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento, p. 251. Este é o magistério de Clóvis Bevilaqua, Direito de família, p. 55: "Assim foi prescrito por essa assembléia religiosa: primeiro, que o casamento fosse precedido por três enunciações feitas pelo pároco do domicílio de cada um dos contraentes; segundo, que fosse feita, de modo inequívoco, diante do pároco celebrante, a manifestação livre do mútuo consentimento; terceiro, que a celebração fosse realizada pelo pároco de um dos contraentes ou por, um sacerdote devidamente autorizado, na presença de duas testemunhas,, pelo menos; quarto, finalmente, que o ato se concluísse pela solenidade da benção nupcial".

9.Eduardo de Oliveira Leite, Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento, p. 254

10.Arnoldo Wald, O novo..., cit., p. 17

11.Arnoldo Wald, O novo..., cit, p. 20

12.Arnoldo Wald, O novo..., cit, p. 20

13.Clóvis Bevilaqua, Direito de família, p. 98

14.Direito de família – uma abordagem psicanalítica", p. 20

15.A Constituição de 1937 é omissa acerca do assunto

16."Art. 146, § 1º - O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público."

17.Tratado de Direito Civil, p. 215

18.Antonio Chaves, Tratado, cit., p. 216

19.Instituições de Direito Civil, p. 42

20.O novo direito de família brasileiro, p. 56 De fato, parece contrariar os bons costumes a prática de rituais em que há a execução de animais, uso e abuso de bebida alcoólica e do tabaco.

21."Art. 226, § 2º. O casamento religioso tem efeitos civis, nos termos da lei."

22."Proclamas são editais afixados em lugar ostensivo do edifício onde se celebram os casamentos ou publicados pela imprensa com o fim de levar a conhecimento público dos nubentes. (...) trata-se da precaução necessária, visto que, através da publicação dos proclamas, se enseja a oposição dos impedimentos matrimoniais." Orlando Gomes, Direito de família, p. 106

23.Tratado de direito civil, p. 212

24.Nesse sentido, Antunes Varela in Estudos jurídicos em homenagem à Faculdade de Direito da Bahia,, p. 151/2

25.José Lamartine & Ferreira Muniz, Curso de direito de família, p. 172/3. STF, RE. 88.324-RJ, Rel. Min. Thompson Flores. DJ 15.2.80, p. 705. Nesse sentido, Wilson de Oliveira, Direito de família, p. 54.

26.Art. 4º. Os casamentos religiosos, celebrados sem a prévia habilitação perante o oficial do registro público, anteriores ou posteriores à presente Lei, poderão ser inscritos, desde que apresentados pelos nubentes, com o requerimento de inscrição, a prova do ato religioso e os documentos exigidos pelo art. 180 do Código Civil.

Parágrafo único. Se a certidão do ato do casamento não contiver os requisitos constantes dos incisos do art. 81 do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, exceto o de nº 5 (Lei de Registros Públicos), os requerentes deverão suprir os que faltarem.

Art. 5º Processada a habilitação dos requerentes e publicados os editais, na forma do disposto no Código Civil, o oficial do registro certificará que está findo processo de habilitação, sem nada que impeça o registro do casamento religioso já realizado.

Art. 74. O casamento religioso, celebrado sem a prévia habilitação perante o oficial de registro público, poderá ser registrado desde que apresentados pelos nubentes, com o requerimento de registro, a prova do ato religioso e os documentos exigidos pelo Código Civil, suprindo eles eventual falta de requisitos no termo da celebração.

Parágrafo único. Processada a habilitação com a publicação dos editais e certificada a inexistência de impedimentos, o oficial fará o registro do casamento religioso, de acordo com aprova do ato e os dados constantes do processo, observado o disposto no art. 70."

27.Tratado, cit., p. 212

28."Art. 1.515 - O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do civil, equipara-se a este, desde que inscrito no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.

Art. 1.516 – O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.

Parágrafo 1º - O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.

Parágrafo 2º - O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1532.

Parágrafo 3º - Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil."

29.Vide p. 8/9 deste artigo.

30.Vide nota n. 24, art. 1.516, § 2º.

"Art. 1.532 – A eficácia da habilitação será de noventa dias, a contar da data em que foi extraído o certificado."

31.Curso, cit., p. 173

32.Curso, cit., p. 174

33.Art. 1.516, § 3º

34.Eroulths Cortiano Junior, O direito de família no projeto do código civil, p.235, in Repertório de doutrina sobre direito de família, v.4

35.Curso, cit., p. 173

36.RF 117:447

37.As lacunas no direito, p. 26

38.Vide p. 11.

39.RT 456: 312

40."...ministro de Igreja Católica, do culto protestante, grego ou israelita, acrescentando ainda: ‘ou de outro cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes’. Os primeiros nada precisavam demonstrar em relação à sua idoneidade, que era presumida; relativamente aos últimos, admitia-se impugnação." Tratado, cit., p. 229

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Sobre a autora
Débora Vanessa Caús Brandão

advogada em São Paulo, professora de Direito Civil em São Paulo, doutoranda e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Do casamento religioso com efeitos civis e o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2662. Acesso em: 25 abr. 2024.

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