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As entidades familiares na Constituição

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Resumo:


  • A Constituição de 1988 trouxe mudanças significativas para o Direito de Família, reconhecendo diversas formas de entidade familiar além do casamento, como a união estável e a família monoparental, com base em princípios de dignidade humana e não discriminação.

  • O artigo 226 da Constituição Federal não é um rol fechado (numerus clausus), permitindo o reconhecimento de outras relações como entidades familiares, desde que atendam aos princípios constitucionais de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.

  • Outras formas de entidades familiares, como o concubinato adulterino, uniões homoafetivas e famílias unipessoais, podem ser reconhecidas pela doutrina e jurisprudência, adaptando-se ao conceito de entidade familiar para obtenção de proteção estatal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. AS FORMAS IMPLICITAMENTE CONTIDAS NA CONSTITUIÇÃO.

3.1. O concubinato adulterino. 3.2. A união de pessoas do mesmo sexo. 3.3. A entidade familiar unipessoal.

3.1. O concubinato adulterino.

Inicialmente cumpre-nos desenvolver uma tarefa a cujo desenlace nossos tribunais não se dedicaram, qual seja, a de conceituar o que venha a ser o conceito de entidade familiar. A melhor definição encontrada e que adotamos pelo exíguo espaço de um trabalho deste porte, é a do Prof. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, que conceitua entidade familiar como sendo "a unidade integrada pela possibilidade de manifestação de afeto, através da (con)vivëncia, publicidade e estabilidade".

Já o termo família é muito mais largo, incluindo desde pessoas que vivam sob a mesma relação de afeto ou mesmo aquelas que tenham apenas relação de sangue, sem convivência ou afeto. Deste modo, entidade familiar é o cerne da família, a mais restrita agregação de pessoas, reunidas pela possibilidade de laços de afetividade, com as características de (con)vivência, publicidade e estabilidade.

O nosso passado jurídico demonstra que durante muito tempo, concubinato e união estável foram, quando olhados pelos nossos tribunais, termos sinônimos. Com o advento da disciplinação da união estável, restou uma indagação: as uniões, não consideradas com as características de união estável, poderiam ser admitidas como concubinato adulterino?

Ora, nós entendemos que sim. Para o reconhecimento da união estável, a Carta Constitucional sinalizou com a existência de convivência entre um homem e uma mulher, sem impedimentos para contrair matrimônio. Assim, no caso de existência de convivência, com demonstração clara de afetividade entre pessoas de sexo diferente, mas que tenham impedimentos para contrair matrimônio, estamos diante de concubinato.

Esta relação, por tratar-se de convivência já identificada no regramento codificado anterior, não foi excluída pela disposição constitucional do artigo 226, parágrafo 3º. por tratar-se de dispositivo enunciativo e não excludente dos demais casos de entidade familiar. Ademais, se assim fosse, poria-se o artigo mencionado em contradição com os princípios enunciados pela constituição, no seu Preâmbulo, bem como, no artigo 3º. inciso IV, ao estabelecer como objetivo fundamental da República, o bem-estar de todos, "sem preconceitos", ou "quaisquer outras formas de discriminação".

Por este argumento de ordem constitucional, não resta a menor dúvida que as relações concubinárias adulterinas, ou como querem outros, uniões livres, permanecem como fato social e devem ser enquadradas como entidade familiar, a teor da Carta Constitucional.

O reconhecimento constitucional de diversas formas de entidades familiares consagra a multiplicidade de relações afetivas que podem se caracterizar como tal e, portanto, obterem a proteção do Estado as suas relações.

Por fim, a noção de concubinato adulterino elaborada também pelo Prof. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, atende as exigências constitucionais de classificar este instituto como entidade familiar, ao afirmar: "que concubinato adulterino é a relação estável entre duas pessoas de sexo diferentes, constituída faticamente, com possibilidade de manifestação de afeto, presumidamente pública e de modo contínuo".

Devemos lembrar que canhestras são as opiniões que relutam em aceitar a existência do concubinato adulterino como entidade familiar, por entender que isto seria prestigiar uma atitude social considerada criminosa. Tal ponto de vista peca por sua conformidade com os fatos sociais atuais, pois, caminhamos para a descriminalização do adultério, por tratar-se de uma relação privada, não cabendo ao Estado penalizar ao cônjuge adultero. Do mesmo modo, não atende aos avanços sociais a solução encontrada pelos tribunais de considerarem o concubinato adulterino uma sociedade de fato e tratarem deste modo os casos de dissolução de patrimônio.

3.2A união de pessoas do mesmo sexo.

Outra questão que emerge de forma incontrolável quando se busca outra forma de entidades familiar além das expressamente enumeradas na Constituição é a de união de pessoas do mesmo sexo. A indagação poderia assim ser formulada: existem impedimentos na Carta Magna a que se considere a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar?

Retornamos ao enumerado no Preâmbulo e nos Direitos Fundamentais da Constituição de 1988 para justificar nossa posição. É necessário que tenhamos em mente que nossa República constitui-se, como enunciado na própria constituição, num Estado Democrático de Direito. Ali se encontra consagrada à proibição de qualquer discriminação em razão de raça, credo religioso, convicções políticas e sexo. Não se sentindo satisfeito com esta enumeração, o legislador constituinte no artigo 1º., inciso III reitera que a República funda-se no respeito "a dignidade da pessoa humana". Ora, como se pretender um país que assegure a observância da dignidade da pessoa humana e exclua de seu amparo aqueles que tenham opção sexual diferente da maioria dos brasileiros?

A escolha a opção sexual é um dos requesitos inafastáveis da dignidade pessoal de cada brasileiro. A orientação sexual pode inclusive, manifestar-se de diversas formas e todas devem ser respeitadas: com pessoas do mesmo sexo (homossexualidade), com pessoas do sexo oposto (heterossexualidade), com pessoas de ambos os sexos (bissexualidade) e ausência de relações sexuais (abstinência sexual).

Deste modo, a existência de uma união de pessoas do mesmo sexo, que se baseie na afetidade, deve ser reconhecida com entidade familiar, por obrigatoriedade de observância dos princípios constitucionais já citados. Observe-se que o artigo 226, parágrafo 4º. da Carta Constitucional, ao tratar da entidade familiar monoparental, ou unilinear, o faz com o advérbio "também", o que leva-nos a crer que outras formas são admitidas pelo texto, justamente para atender ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Nossa jurisprudência ainda tem decidido timidamente. Como no início do concubinato, os Tribunais tem optado por uma posição conservadora, sem que com isto propiciem o enriquecimento ilícito das pessoas. Não reconhecem a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, mas determinam, quando comprovada a colaboração para a realização do patrimônio de um dos conviventes, que seja dissolvida a sociedade de fato. Evidente que sociedade de fato não há, sendo esta saída, apenas, uma solução salomônica.

Nas decisões monocráticas surge uma nova compreensão, com decisões que já reconhecem estas relações como entidades familiares, indo inclusive mais além, reconhecendo na separação a partilha do patrimônio e até, concedendo a guarda de crianças a casais homossexuais. O próprio INSS já regulamentou a concessão de pensão ao companheiro ou companheira sobrevivente de uniões de pessoas do mesmo sexo. Há ainda, porém, o vasto campo a ser percorrido até que se exclua toda e qualquer discriminação por razão da opção sexual.

3.3A entidade familiar unipessoal.

Outra situação que nos parece também amparada constitucionalmente como entidade é a dos solitários ou "singles", que em nosso entendimento, por opção de vida ou por inaptidão a convivência com outra pessoa, formam a entidade familiar unipessoal.

Por outro lado, com o avanço das atividades profissionais modernas exigindo cada vez mais das pessoas, uma enorme parcela da população, que não pode ser ignorada, especialmente nas grandes cidades, decide por uma vivência solitária, a qual, o direito moderno não pode excluir.

Esta exclusão traz conseqüências, especialmente, no que concerne ao bem de família. Se esta vivência solitária, não for encarada como entidade familiar, a proteção dada às outras relações que constituem uma entidade familiar será negada ao "singles", o que é de extrema injustiça.

Nossos tribunais já têm dado alguns passos no sentido de proteger este grupo, porém, ainda não os reconhecendo claramente como entidades familiares. A sociologia jurídica já dá conta que este grupo em países como a Dinamarca chega a 36%, França a 30% e Estados Unidos a 26% da população adulta, enquanto no Brasil chega a 9%, o que nos leva a afirmar que o direito não pode mais ignorá-los. Assim foi decisão do STJ, em sua 6ª.Turma, no RESP 67112/RJ, em que foi Rel. o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro:

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RESP – CIVIL – IMÓVEL – IMPENHORABILIDADE.

A Lei no. 8.009/90, art. 1º. precisa ser interpretada consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de que o patrimônio do devedor responder por suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantindo-lhes o lugar para morar. Família, no contexto, significa, instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem ainda a família substituta. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno dessa proteção. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. "Data vênia", a Lei no. 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário – à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, "data vênia", pões sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer insuficiente interpretação literal."".


4.CONCLUSÃO

Como conclusão de nossos estudos podemos afirmar:

a)A Constituição do Brasil de 1988 contém em seu Preâmbulo e nos seus Princípios Fundamentais, o respeito à dignidade da pessoa, o seu bem estar e a garantia de que não poderá haver discriminação em razão do sexo ou de opção sexual;

b)Assim sendo, as entidades familiares explicitamente enumeradas no artigo 226 da CF --- o casamento, a união estável e a entidade familiar monoparental ou unilinear --- são meramente enunciativas;

c)Outras formas de entidades familiares também podem ser enquadradas na Carta Constitucional, dentre elas o concubinato adulterino, a união entre pessoas do mesmo sexo e as entidades familiares unipessoais;

d)Todas necessitam apenas serem enquadradas doutrinariamente no conceito de entidade familiar para obterem a proteção do Estado.


NOTAS

1.Recomendamos a leitura dos trabalhos cuja referência bibliográfica se encontra no anexo.

2.CALMON, Pedro, Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Livraria Freitas Bastos, 3ª. ed., 1954, p. 17.

3.Mais sobre o assunto, o leitor pode encontrar nos trabalhos citados na bibliografia.


BIBLIOGRAFIA:

ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Inserção da Família no âmbito Constitucional, artigo inserido na apostilha.

------------- A situação jurídica de pessoas solitárias.

CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação, 9a. edição, São Paulo, Editora RT,2000.

DIAS, Maria Berenice. União Homossexual – Aspectos Sociais e Jurídicos. Revista de Direito de Família, no. 04, Jan/Mar, 2000.

FACHIN, Edílson Pereira. Direito de Família, in Intelligentia Jurídica, 2000.

LOBO,Paulo Luiz Netto.Constitucionalização do Direito Civil,in Direito & Deveres, no. 3.

------------ A repersonalização das relações de família,in Direito de Família e a Constituição de 1988.

MATOS, Ana Carla Karmatiuk. As famílias não fundadas no casamento e a condição feminina. Renovar, 2000.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 7, 4ª. edição, RT, 1974.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Privado, 10ª. edição, Forense, 2001.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato & União Estável, 5ª. Edição, Del Rey, 1999.

REVISTA do Insatituto Interdisciplinar de Direito de Família – IDEF., 2001.

RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e orientação sexual: O direito brasileiro e a homossexualidade. In O Direito Público em Tempos de Crise, Livraria do Advogado, 1999.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol. 6, 26ª.Ed.; Ed. Saraiva, 2001.

TAVARES DA SILVA, Maria Beatriz. A dignidade da pessoa humana e a adequação constitucional do Livro IV do CC, in Intelligentia Jurídica, 2000.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2ª. ed., Renovar, 2001.

VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito de Família, vol. 5, Editora Atlas,2001.

WALD, Arnold. O Novo Direito de Família, 13ª. ed., Saraiva,2000.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Maria Celina Bravo

Ex-diretora de Secretaria do Tribunal de Justiça de Alagoas.

Mário Jorge Uchoa Souza

procurador de Estado, professor convidado de Direito Civil da Escola da Magistratura, professor de Direito Civil da Escola Superior da Magistratura de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAVO, Maria Celina ; SOUZA, Mário Jorge Uchoa. As entidades familiares na Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2665. Acesso em: 26 dez. 2024.

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