3 SITUAÇÃO DA POLÊMICA: POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS
3.1 Requisitos quanto ao adotante
O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe os requisitos necessários para adotar, quais sejam: ser maior de vinte e um anos, ser dezesseis anos mais velho que o adotado, ser capaz e, caso o adotante seja tutor ou curador, este deve previamente prestar contas de sua administração.
Esta lei permite ainda que os divorciados e os judicialmente separados adotem conjuntamente, desde que o estágio de convivência tenha se iniciado à época em que o casal ainda convivia, bem como que a adoção seja deferida mesmo que o adotante venha a falecer no curso do processo.
Por outro lado, a Lei n.° 8.069/90 veda a adoção por ascendentes e irmãos do adotando.
Mas a condição mais importante é que a colocação em família substituta somente será deferida se houver reais vantagens para o adotando e que seja fundada em motivos legítimos. Tal disposição torna a análise extremamente subjetiva, ficando a critério do juiz estabelecer o que é melhor para as partes.
São estas as condições quanto ao adotante fixadas pela lei.
Serão detalhadas a seguir os requisitos mais relevantes, considerando o objeto do presente estudo.
3.1.1 Idade mínima e diferença de idade
A redução da idade mínima para vinte e um anos, independentemente do estado civil, foi uma grande conquista para as crianças e adolescentes que anseiam por um lar, pois a lei anterior previa que somente os maiores de trinta anos poderiam adotar, permitindo a inovação legal um aumento do número de adotantes em potencial.
Infelizmente, tal dispositivo não permite a interpretação de que o menor púbere emancipado possa adotar, visto que o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente é claro ao definir que unicamente os maiores de vinte e um anos são hábeis para adotar, a não ser em caso de adoção conjunta em que o outro cônjuge ou companheiro tenha mais de vinte e um anos.
Esclareça-se que "o adotante deve contar, no mínimo, dezoito anos completos na data do pedido, salvo se já tiver o adotando sob sua guarda ou tutela (art. 40). Mas é mister que tenha completado vinte e um anos, independentemente do estado civil".[81] Ou seja, somente quando da prolação da sentença é que se exige que o adotante tenha vinte e um anos.
A diferença mínima de idade entre adotante e adotado é de dezesseis anos. Isso porque o parentesco civil busca imitar o parentesco consangüíneo, tendo em vista a idade núbil[82], pois o Código Civil impede mulheres menores de dezesseis e homens menores de dezoito anos de contrair matrimônio, ainda que biologicamente o ser humano esteja pronto para gerar desde os doze ou treze anos, aproximadamente.
Assim sendo, nos casos de adoção conjunta, devem ambos os cônjuges ser dezesseis anos mais velhos que o adotando. Se não fosse dessa forma, seria obstada a intenção de que a colocação em família substituta seja similar à filiação consangüínea, pois poderia um casal em que o marido contasse trinta anos de idade e a mulher dezoito adotar um adolescente de catorze anos. Nesta hipótese, teríamos a esdrúxula situação em que a mãe seria quatro anos mais velha que o filho, o que é inadmissível, ainda que se trate de parentesco civil, pois aos olhos da lei o adotado é simplesmente filho, sem qualquer adjetivação.
3.1.2 Adoção conjunta
Especificamente quanto à possibilidade de adoção por mais de uma pessoa, simultaneamente, o texto legal autoriza concluir que podem adotar conjuntamente apenas aqueles casados entre si, ou que vivam na forma conceituada pela Lei n.° 9.278/96, que regulamenta a união estável, bem como por concubinos. Isso porque o legislador exigiu a comprovação da estabilidade da família para o deferimento da adoção simultânea.
A exceção feita a tal regra consta do parágrafo quarto do artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois em referido dispositivo consta que "os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal".
Obviamente que na situação acima relatada, deve ainda o casal fixar os alimentos, pois sendo o adotado filho como qualquer outro, faz jus à percepção de pensão alimentícia, ocorrendo a separação do casal antes ou após o deferimento da adoção.[83]
Vale ressaltar, ainda, a possibilidade de adoção de um dos cônjuges, companheiros ou concubinos do filho do outro, na forma do parágrafo primeiro do artigo 41 do estatuto em comento.
Em face ao exposto, observa-se que quando a lei trata de adoção realizada por duas pessoas simultaneamente refere-se a um casal, composto por um homem e uma mulher, já que a adoção conjunta é vinculada ao casamento e união estável, regimes aos quais é vedada a adesão de pessoas do mesmo sexo.
Tal medida é razoável, pois, ainda que se considere admissível a adoção por homossexuais, poderia haver problemas quando do registro da criança ou adolescente, pois não há como uma pessoa descender de dois pais ou duas mães, além da ocorrência de outras situações, que poderiam constranger tanto o adotado quanto o adotante, muito embora na Holanda, onde é expressamente permitida a adoção por um casal homossexual, conste no registro da criança que esta tem dois pais ou duas mães.
3.1.3 Reais vantagens para o adotando e motivos legítimos para a adoção
Dispõe o artigo 43 da Lei n.° 8.069/90 que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos".
Como mencionado em capítulos anteriores, no princípio a adoção tinha por objetivo solucionar o problema daqueles que não podiam de forma autônoma constituir sua própria descendência.
Entretanto, tal instituto hoje visa principalmente amenizar "o problema da paternidade irresponsável e do menor desassistido".[84]
Assim, a adoção somente deve ser autorizada quando não puder o menor contar com seus pais biológicos, seja em face de sua ausência ou por terem sido destituídos do pátrio poder, ou ainda quando os genitores concordarem expressamente com o pedido de adoção.[85]
Deve ser verificado se as partes estão preparadas para a colocação em família substituta, "pois não se trata de levar para nossas casas um animalzinho a ser domesticado; trata-se antes de uma criatura que sofreu, por inúmeras razões sociais, psíquicas, econômicas, uma ação de abandono por parte de seus genitores. Assim, é evidente que se tomem alguns cuidados básicos para obstar que um segundo processo de rejeição ocorra"[86] (grifado no original).
Outra consideração a ser feita, e que será desenvolvida oportunamente, é que o ambiente familiar em que o menor será inserido deve ser adequado ao seu desenvolvimento psicológico e social.
Por motivos legítimos entende-se "o perfeito entrosamento entre adotado e adotante, imitando, em tudo, o que ocorre entre pais e filhos de sangue".[87]
Registre-se, ainda, que havendo mais de um interessado em adotar a mesma pessoa, a afinidade entre adotante e adotado é melhor critério do que as vantagens materiais que um ou outro requerente possa oferecer.
3.2 Heterossexualidade é requisito para adotar?
A lei, até mesmo em função da vedação constitucional de discriminação em razão do sexo, nela subentendida a discriminação decorrente da orientação sexual, nada dispõe acerca da possibilidade ou não de colocação em família substituta requerida por homossexuais.
O Projeto de Lei n.° 1.151/95, que regulamenta a união entre pessoas do mesmo sexo, de autoria da então deputada federal Marta Suplicy, nada dispõe acerca do tema. Seu substituto, porém, apresentado pela comissão constituída para tanto, incluiu o parágrafo segundo no artigo terceiro do projeto, estabelecendo que "são vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescente em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros" (sem grifo no original).
Tal enunciado nada acrescenta à legislação vigente, pois, como já demonstrado, o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite a adoção em conjunto senão por pessoas casadas, companheiras ou concubinas entre si, ou mesmo entre os separados judicialmente ou divorciados, neste último caso desde que o estágio de convivência tenha tido início no período em que o casal ainda convivia.
Mas quanto à adoção por uma só pessoa, formando uma família monoparental[88], pode o requerente ter orientação sexual diversa da dita convencional? Constitui a heterossexualidade requisito subjetivo para adotar?
3.2.1 O que se diz contra
Alguns autores entendem que, sendo o requerente homossexual, a adoção não pode ser deferida.
Arnaldo Marmitt, em seu livro Adoção, escreveu um capítulo denominado Adoção por pessoas contra-indicadas onde diz que "se de um lado não há impedimento contra o impotente, não vale o mesmo quanto aos travestis, aos homossexuais, às lésbicas, às sádicas, etc., sem condições morais suficientes. A inconveniência e a proibição condiz mais com o aspecto moral, natural e educativo".[89]
Outros posicionamentos a serem registrados:
"Da relação homossexual pode resultar satisfação afetiva e sexual, sem relevância, no entanto para o Poder Público, porque dali não são gerados filhos.
Isso porque, se filhos houver, receberão tutela do Direito de Família, mas a relação da qual se originaram será formada entre uma das partes e um terceiro, e não aquela homossexual, por razões fisiológicas.
Nem poderá ter por mãe homossexual do sexo masculino a criança adotada, em face do necessário estabelecimento de ‘papéis’ para a formação psíquica da criança, como largamente é tratado o tema pela psicologia".[90]
"[No caso de dois homossexuais que vivam juntos,] muito embora não haja nenhum impedimento legal, entendemos que essa adoção não deveria ser possível, pois o adotado teria um referencial desvirtuado do papel de pai e de mãe, além de problemas sociais de convivência em razão do preconceito, condenação e represália por parte de terceiros, acarretando um risco ao bem-estar psicológico do adotado que não se pode ignorar".[91]
De modo geral, verifica-se que os juristas reconhecem a inexistência de vedação legal para a adoção por homossexuais, justificando seu posicionamento contrário em questões relacionadas à moral e o que julgam ser melhor para o desenvolvimento psicológico do adotando.
3.2.2 O que se diz a favor
Boa parte dos autores visitados no decorrer da presente pesquisa manifestou-se favorável à adoção por homossexuais, pelas razões a seguir descritas, a começar pelo cientista do Direito João Baptista Villela.
"Por fim, para favorecer a pretensão do casamento homossexual intervém a adoção [...]. Se o que se pede para o bom desenvolvimento da criança, pode-se argumentar, é uma base convivencial estável, por que não reconhecê-la na união proposta para toda a vida entre pessoas do mesmo sexo?"[92]
"Nosso ordenamento jurídico não enfrenta a questão da homossexualidade. Vale dizer, não há nenhuma regra legal no Código Civil ou no Estatuto da Criança e do Adolescente que permita ou proíba a colocação do menor em lar substituto cujo titular seja homossexual. [...] A nosso ver, [então] o homossexual pode, sim, adotar uma criança ou um adolescente".[93]
"No tocante à possibilidade jurídica de adoção de filho por casal homossexual, entendemos não haver impedimento no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n.° 8.069/90, de 13.7.90), visto que a capacidade de adoção nada tem a ver com a sexualidade do adotante que preenche os requisitos dos arts. 39 e seguintes daquele Estatuto, especialmente o seu art. 42, dispondo que ‘Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente do estado civil’".[94]
Observa-se, assim, que se por um lado os juristas que se posicionam contra a possibilidade de adoção por homossexuais utiliza como fundamento unicamente questões de fundo moral e alegações de que o desenvolvimento da criança pode ser afetado, aqueles que defendem a colocação em família substituta pelos que têm orientação sexual diversa da convencional agarram-se à ausência de proibitivo legal para tanto.
3.3 O reflexo da conduta do adotante em relação à criança
"A boa reputação do adotante é ponto a seu favor, e pressuposto de uma exitosa adoção. Apesar de as leis costumarem ignorar a idoneidade, apenas se referindo ao fator de idade, diferenças de idades, e estado civil, ou, em outras palavras, embora acentuarem apenas os critérios físico-biológicos ou sócio-biológicos, a adoção não serve de tramóia para acobertar relações ilícitas. Se elevado número de pais brasileiros, aproximadamente oitenta por cento [!], não tem condições de bem educar seus filhos, de dar-lhes bons exemplos e plasmar cidadãos dignos, ao menos nos pais escolhidos através do Judiciário, a seleção tem de ser operada criteriosamente. Com isso, evita-se a que uma criança seja adotada por pessoa desclassificada, por facínora, por quem vive respaldado na fraude, na mentira e no afã de prejudicar terceiros".[95]
O mais importante dos requisitos relativos ao adotante é a existência de reais vantagens para o adotando e de motivos legítimos, devendo-se considerar ainda que "não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado" (art. 29 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Anote-se, antes, o conceito de ambiente familiar adequado: "o ambiente moralmente sadio, onde se encontrem pessoas comprometidas com um único propósito: criar e educar o menor segundo os princípios ditados pela moral e pelos bons costumes".[96]
Partindo de tal pressuposto, tem-se que não se pode deferir a adoção à pessoa que tenha péssima formação moral, a fim de não contrariar o disposto no art. 33 da Lei n.° 8.069/90, que impõe o dever de assistência moral.[97]
3.3.1 Conduta do requerente homossexual
Registre-se, então, como a doutrina relaciona tais condições com o fato de ser o requerente da adoção pessoa homossexual.
"Entendemos que uma união entre homossexuais, masculina ou feminina, que possui as características de uma união estável onde viceja um lar respeitável e duradouro, cumprindo os parceiros os deveres assemelhados aos conviventes, como a lealdade, a fidelidade, a assistência recíproca, o respeito mútuo, numa verdadeira comunhão de vida e interesse etc., não poderá ser havido como incompatível com a natureza da medida, já que apto a oferecer um ambiente familiar adequado à educação da criança ou do adolescente".[98]
Depende, pois, o deferimento de colocação em família substituta da conduta do requerente homossexual perante à sociedade, da mesma forma, aliás, que ocorre com o requerente heterossexual. [99]
"O que impedirá, pois, o acolhimento do pedido de colocação em família substituta será, na verdade, o comportamento desajustado do homossexual, jamais a sua homossexualidade. Assim, se ele cuidar e educar a criança dentro dos padrões aceitos pela sociedade brasileira, a sua homossexualidade não poderá servir de pretexto para o juiz indeferir a adoção [...] pleiteada".[100]
"A homossexualidade não deve ser encarada como óbice à adoção, sendo certo que, em nossa função judicante, se depararmos com um caso dessa natureza [...] não teremos dúvidas em deferi-lo. [Pois] em nosso entender, terá melhor ‘destino’ a criança adotada por uma família, mesmo chefiada por homossexual, do que permanecer como mais um dos milhões sem-teto, sem família, só antevendo pela frente um futuro infame e sem nenhuma perspectiva como os incontáveis pequeninos brasileiros que hoje perambulam pelas ruas, vivem em favelas ou até ao relento".[101]
3.3.2 Desenvolvimento da criança ou do adolescente criado por homossexual
Mencionou-se, anteriormente, que um dos argumentos utilizados por aqueles que negam aos homossexuais o direito de adotar era a possibilidade de prejudicar o desenvolvimento psicológico e social do menor. Entretanto, estudos apontam em caminho diverso do indicado pelos autores ora referidos.
"Na Califórnia, há pesquisadores que, desde meados de 1970, vêm estudando famílias formadas por lésbicas e gays. Concluíram que crianças com dois pais do mesmo sexo são tão ajustadas quanto as crianças com os pais dos dois sexos. Nada há de incomum quanto ao desenvolvimento do papel sexual dessas crianças".[102]
Gize-se como os psicólogos e psicanalistas encaram a questão.
"Subtraindo-se os métodos de inseminação artificial, ‘barrigas de aluguel’ e quaisquer outros métodos artificiais que se possa lembrar, pessoas do mesmo sexo não podem juntas produzir filhos e, do outro lado da moeda, outras pessoas, de sexos diferentes, mas que não podem ou não querem filhos que produziram por métodos não artificiais entregam essas mesmas crianças à adoção. [Temos, assim,] milhares de crianças carentes de um lar de um lado e provavelmente a mesma quantidade de homossexuais querendo ter filhos. [...] Parece-me que uma primeira ‘preocupação’ apontada quando se fala em adoção por homossexuais diz respeito à possibilidade da opção sexual dos pais vir a influenciar a dos filhos. Em primeiro lugar, acredito que devamos pensar no fato de que quase a totalidade de homossexuais vem de um núcleo familiar se não tradicional, pelo menos heterossexual. Se a expressão erótica dos pais influenciasse necessariamente a dos filhos, isso não aconteceria. Em segundo lugar, a identificação que ocorre dos filhos para com os pais geralmente do mesmo sexo não tem a ver diretamente com o sexo em si, mas sim com a função que ele exerce[103]. Obviamente de maneira geral tendemos a ‘colar’ o materno e feminino na mãe e o paterno e masculino no pai, mas muitas vezes até mesmo em famílias que apresentam um esquema tradicional, o pai assume a função materna e a mãe a função paterna, sem que isso prejudique o desenvolvimento ou influencie a expressão sexual ou erótica dos filhos. [...] Parece-me que o que influencia a sexualidade ou qualquer outra forma de expressão dos filhos está mais ligado ao tipo de relação que os pais estabelecem entre si, para com os filhos e com o mundo do que outra coisa. [...] Podendo avaliar a questão dos homossexuais por esse prisma, ou seja, entendendo pai e mãe como função paterna e materna e não literalmente, não há ‘contra-indicações’ específicas além das que existem para qualquer ou quaisquer pessoas independentemente de sua opção sexual, já que as funções que vão exercer independem do gênero sexual".[104]
"A família gay é uma modalidade que ora ganha maior visibilidade. [...] Essa forma de união torna-se mais polêmica quando o modelo tradicional familiar questiona quais os princípios morais que serão utilizados para educar a criança membro dessa relação. Como ela irá compreender sua família constituída por dois homens ou duas mulheres, quando a grande maioria encontra-se representada por um homem e uma mulher? As respostas a esses questionamentos e vários outros existentes começam a ser expressas a partir das experiências bem sucedidas, onde casais gays educam suas crianças e lhes proporcionam um ambiente tão saudável ou melhor do que os oferecidos por vários casais heterossexuais. Quanto aos aspectos teóricos que embasam esta problemática, observam-se discussões, como por exemplo a do psicanalista Acyr Maia, autor do livro Psicologia e Homossexualidade, que afirma que nada impede que casais homossexuais eduquem com sucesso uma criança, pois ‘de acordo com a psicanálise, a função materna e paterna são exercidas pela linguagem (...) Mas qualquer pessoa, independente do sexo biológico pode suprir essa carência’ (Maia apud Mazzaro, 1998)".[105]
"Recentemente, a doutora em psicanálise Maria Rita Kehl disse à revista ‘Almanaque Brasil de Cultura Popular’ (ano 2, número 14, maio/2000), que qualquer um pode ser mãe, o sentimento de maternidade é uma construção cultural. Ou seja, não importa se são os pais biológicos ou do sexo masculino, a criança necessita de alguém que cumpra o papel de ‘função materna’, para que ela se desenvolva com os cuidados específicos. [...] Maria Rita salienta que não se deve cair nos clichês de quem vai ser o pai ou a mãe, mas sim quem irá desempenhar a ‘função materna’ ou ‘função paterna’. É claro que há pai e mãe, mas o que interessa saber é a função. O que estas pesquisas tem [sic] mostrado também, é que todas as sociedades cujos arranjos produzem e criam crianças, incluindo os homossexuais, vão ser semelhantes ao molde tradicional de família, ou seja, caracterizam-se pelo comportamento afetivo e pelas trocas intersubjetivas, pelo convívio, companheirismo e apoio mútuo entre seus membros. Assim como existem casais hétero estáveis para ter um filho, casais homossexuais possuem a mesma condição para tê-los".[106]
3.3.3 A solução dada pela jurisprudência
Serão transcritas a seguir três decisões judiciais, uma em caso de pedido de guarda e outras duas relativas à adoção.
"Criança ou adolescente – Guarda – Pedido formulado por homossexual – Deferimento – Medida de natureza provisória que pode ser revogada se constatado desvio na formação psicológica do menor.
O fato do guardião ser homossexual não obstaculiza o deferimento da guarda da criança, pois esta é medida de natureza provisória, podendo, portanto, ser revogada a qualquer momento diante da constatação de desvirtuamento da formação psicológica do menor (Apelação Cível n.° 35466-0/7 – Câmara Especial TJSP – RJ 23/201)".[107]
"Adoção cumulada com destituição do pátrio poder – Alegação de ser homossexual o adotante – Deferimento do pedido – Recurso do Ministério Público.
1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos, sente orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade.
2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fatos de formação moral, cultural e espiritual do adotado.
3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido. (Ac. Um. Da 9ª CC TJRJ – AC 14.332/98 – Rel. Desembargador Jorge de Miranda Magalhães, j. 23.03.1999, DJ/RJ 26.08.1999, p. 269, ementa oficial)".[108]
"Vistos etc..
(...)
O pedido inicial deve ser acolhido porque o Suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do encargo pleiteado, atestado esse fato pela emissão da Declaração de Idoneidade para Adoção que se encontra às fls. 34, com o parecer favorável do Ministério Público contra o qual não se insurgiu no prazo legal devido, fundando-se em motivos legítimos, de acordo com o Estudo Social (fls. 15/16 e 49/52) e Parecer Psicológico (fls. 39/41), e apresenta reais vantagens para o Adotando, que vivia há 12 anos em estado de abandono familiar em instituição coletiva e hoje tem a possibilidade de conviver em ambiente familiar (chama o Requerente de ‘pai’), estuda em colégio de conceituado nível de ensino religioso, o Colégio S. M., e freqüenta um psicanalista para que melhor possa se adequar à nova realidade de poder exercitar o direito do convívio familiar que a Constituição Federal assegura no art. 227.
A Constituição da República assegura igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não admite o texto constitucional qualquer tipo de preconceito ou discriminação na decisão judicial quando afirma que ‘ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política’, estando previsto ainda que ‘a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’.
(...)
Qual será então o conceito de ‘reais vantagens’ dos Ilustres Fiscais? Deve ser muito diferente do que afirmam a Equipe Profissional e o próprio interessado, o adolescente, que prefere ver acolhido o pedido que permanecer em uma instituição sem qualquer nova chance de ter uma família, abandonado até que aos doze anos sofrerá nova rejeição, já que não poderá mais permanecer no Educandário R. M. D., onde se encontra desde que nasceu, e será transferido para outro estabelecimento de segregação e tratamento coletivo, sem qualquer chance de desenvolver sua individualidade e sua cidadania, até que por evasão forçada ou espontânea poderá transformar-se em mais um habitante das ruas e logradouros públicos com grandes chances de residir nas Escolas de Formação de ‘marginais’ em que se transformaram os atuais ‘Presídios de menores’ e, quem sabe, atingir ao posto máximo com o ingresso no sistema Penitenciário? Será esse critério de ‘reais vantagens’???
A lei não acolhe razões que têm por fundamento o preconceito e a discriminação, portanto o que a lei proíbe não pode o intérprete inovar.
(...)
1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. MM. Juiz Siro Darlan de Oliveira. Autos n.° 97/1/03710-8 – Data do julgamento: 20/07/98".[109]