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A batalha pelo aumento do IPTU em que a Prefeitura sofreu nova derrota perante o STF

20/02/2014 às 11:30
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com a dança das verbas de um lugar para outro, à discrição do Executivo, não há como o cidadão controlar e fiscalizar o gasto das verbas originariamente fixadas em determinadas dotações. Não é por acaso que as finanças do Município de São Paulo estão bagunçadas e cobertas de sombras duvidosas.

A batalha pelo aumento do IPTU em até 35% [1], desde o último aumento dado pela Lei nº  15.044/09 (quatro anos atrás) contra o PIB acumulado de 16,81% no período de cinco anos (2008 a 2012) e o aumento salarial dos servidores públicos no período de nove anos (de 2005 a 2013) no percentual acumulado de 3,38% começou com a inversão do processo legislativo na apreciação do projeto de lei nº 711/13  por meio de uma sessão extraordinária da Câmara Municipal convocada irregularmente, prejudicando a audiência pública designada para discutir com a sociedade civil essa brutal elevação do imposto, sem precedentes na cidade de São Paulo.

Assim que o Ministério Público conseguiu obter a medida liminar para brecar a tramitação legislativa a Prefeitura, mediante uso da legislação autoritária que tem origem na Ditadura Militar, conseguiu a cassação daquela liminar passando por cima do princípio do juiz natural inscrito na Constituição Federal.

Foi quando as diversas entidades sindicais e associativas sob a liderança da Fiesp ingressaram com a ação direta de inconstitucionalidade impugnando os  preceitos da Lei nº 15.889/13, que violam cinco princípios constitucionais: o da razoabilidade, o da moralidade, o da isonomia, o da capacidade contributiva e o da vedação de efeitos confiscatórios do tributo. A ação está sendo patrocinada por mim, Ives Gandra e Gastão de Toledo. O PSDB, também, ingressou com ADI a parte, invocando o vício do processo legislativo, além da violação dos cinco princípios já mencionados. Na verdade, há uma sexta violação, o princípio da legalidade ao delegar ao Executivo a faculdade de dosar a carga tributária respeitados os limites de 20% e 35% do valor do IPTU de 2013.

O eminente Des. Péricles Piza, Relator do processo, em escorreito voto concedeu a medida liminar suspendendo a aplicação da lei impugnada, no que foi acompanhado por 21 outros Desembargadores contra os votos de três Desembargadores.

A liminar provocou uma onda de manifestações da Prefeitura falando do prejuízo aos setores de saúde e educação que consomem 50% do IPTU arrecadado [2], aos setores de transportes públicos,  além de afetar os programas sociais destinados à proteção de deficientes físicos, habitação, cultura, esporte,  lazer, prevenção de enchentes etc.

Sob o impacto dessas  manifestações  a Prefeitura propôs a  inusitada medida cautelar de sustação da liminar perante o STJ invocando expressamente o art. 4º da Lei nº 8.437/92 que autoriza a cassação de liminar que represente perigo à ordem, à segurança e às finanças públicas. Confundiu a ADI com mandado de segurança e o STJ com STF, competente para apreciar o recurso contra decisão liminar em ação que versa sobre afronta a dispositivos constitucionais. O pedido da Prefeitura, como esperado, foi prontamente indeferido pelo Ministro Presidente daquela Corte que só aprecia em grau de recurso questões de natureza infraconstitucional.

Agora, a Prefeitura foi bater às portas do STF requerendo a mesma providência de suspensão da liminar concedida pelo E. TJESP. Acertou a porta, mas errou na forma e no conteúdo!

Logo que formulado o peculiar pedido o Senhor Prefeito foi ter uma entrevista com o honrado Ministro Presidente daquela Corte, Joaquim Barbosa, certamente, reiterando as manifestações retrorreferidas. Foi tudo em vão. O STF acaba de indeferir o pedido de suspensão da liminar formulado pela Prefeitura e pela Câmara Municipal, esta  sem legitimidade na ADI da Fiesp que não mencionou o vício do processo legislativo.

Tudo isso fez com que debruçássemos sobre o mapa de execução orçamentária do exercício de 2013 até o mês de setembro, bem como sobre  o  Orçamento Anual de 2014 já aprovado pela Câmara Municipal, mas pendente de sanção do Executivo.

A análise que fizemos trouxe resultados surpreendentes que revelam a existência de fantásticas verbas ociosas não utilizadas pela Prefeitura que insiste em retirar mais recursos do setor privado. Quem não consegue fazer o bom uso do dinheiro arrecadado para cumprir a finalidade da receita tributária não tem legitimidade para exigir esse aumento tão brutal.

Somos favoráveis à política de inclusão social, porém, de forma justa e equilibrada com respeito aos direitos fundamentais de todos os cidadãos. A época  do Hobin Wood na Inglaterra ou de Ishikawa Goemon da era Tokugawa não tem lugar no mundo moderno que encontrou outros mecanismos de proteção e valorização dos direitos humanos.

Enumeremos a seguir os resultados de nossos estudos baseados em peças orçamentárias do Município que a Lei de Responsabilidade Fiscal manda disponibilizar ao público em geral, mas, que na prática, não tem sido  fácil de consultar:

(a)  O impacto financeiro do IPTU para o ano de 2014 é de 805.625,003; para o ano de  2015 é de 897.651.700; para o ano de 2016 é de 1.001.746.636; e para o ano de 2017 é de 1.101.921.299,  segundo informações constantes do Ofício GABSF nº 25/2013 dirigido ao Presidente da Câmara e subscrito pelo Sr. Secretário Adjunto de Finanças e Desenvolvimento Econômico, Antonio Paulo Vogel de Medeiros.

Note-se que a lei guerreada (art. 9º)  no exercício de futurologia promoveu aumentos para  exercícios subsequentes ao de 2014. Todos  nós já fomos contemplados com aumentos futuros automáticos, calculados sobre o valor do IPTU do exercício imediatamente anterior, gerando aumentos em cascata.

(b)  Esse valor de 805.625.003 que a população paulista fica dispensado de pagar por força da liminar concedida pela Justiça é um pingo d’água no oceano se considerarmos que a Prefeitura mantém recursos financeiros aplicados no valor de 8.627.257.071,24, conforme balancete de novembro de 2013 apresentado à Câmara Municipal em cumprimento ao art. 142 da LOMSP, que determina a publicação mensal até o dia 20 das receitas e despesas do mês anterior.

O Município não pode arrecadar mais do que o necessário ao cumprimento do programa de governo refletido na LOA. O sacrifício imposto aos contribuintes deve ser na exata proporção das necessidades coletivas e nos limites da capacidade contributiva de cada um. Não faz sentido especular com dinheiro do contribuinte. A Prefeitura não se confunde com uma empresa privada. A receita tributária há de ser integralmente exaurida no cumprimento da finalidade estatal.

Essa aplicação financeira está refletida no orçamento anual de 2014 resultante do Projeto de Lei nº 695/2013 aprovado após exame de 5.127 emendas apresentadas, resultando em um orçamento de 50.569.325.587. Na previsão de receitas mobiliárias está apontada a soma de 430.275390. Outrossim, o volume do orçamento de 2014, o terceiro maior do País, está a demonstrar, por si só, que os 805.625.003 que a Prefeitura deixa de retirar dos contribuintes do IPTU por força da liminar não tem maior relevância. Se existem recursos aplicados no mercado financeiro, por que é preciso aumentar o IPTU?

(c)  O exame do relatório bimestral resumido da execução orçamentária, que o § 3º do art. 165 da CF impõe aos entes políticos, revela que a Prefeitura de São Paulo não vem liquidando as verbas destinadas ao investimento. Segundo o pronunciamento do Vereador  Andrea Matarazzo por ocasião da discussão da peça orçamentária de 2014 a Prefeitura liquidou até o final de novembro de 2013 apenas 33,3% das verbas destinadas ao investimento. Onde foram ou onde irão o restante das verbas? Existem outras dotações em que nenhum centavo havia sido gasto até setembro de 2013.

(d) Pode-se verificar, por amostragem, a realidade da execução orçamentária atualizados os valores para setembro de 2013: Secretaria de Educação gastou 5.254.270.122 por conta da verba consignada de 8.258.793,575; Secretaria de Saúde gastou 4.030.767.452 por conta de 5.879.965.424; Secretaria de Infra-Estrutura Urbana e Obras gastou somente 252.921.136 por conta da verba existente de 1.314.218.273 (é onde as verbas costumam ser redirecionadas por meio de remanejamentos, transposições e transferências).

(e)  Existem outros vultosos recursos alocados nos treze fundos especiais abertos com suposto amparo no art. 71 da Lei nº 4.320/64. Conforme  escrevemos, “o fundo redpresenta sério obstáculo ao efetivo exercício pelo Legislativo de seu ´poder de fiscalizar e controlas a execução orçamentária, por esvaziar o princípio da especialidade,  segundo o qual são discriminados no orçamento anual os créditos cabentes a cada órgão, estabelecendo o prazo para efetivação das despesas.” [3] Por isso, a Constituição de 1988 submeteu a criação de novos fundos à prévia disciplinação pela lei complementar quanto às condições para a sua instituição e funcionamento (art. 165, §  9º, II da CF). Ao mesmo tempo o art. 36 do ADCT extinguiu sob condição todos os fundos existentes na data da promulgação da Constituição de 1988. Por essa razão, a União, na falta de lei complementar sobre o assunto, vem prorrogando a cada quatro anos, por meio de Emenda Constitucional, a DRU, antes Fundo Social e Emergência e depois Fundo de Estabilização Fiscal. Agora, ficou um fundo sem nome.

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Com exceção do fundo de saúde constituído de 4.643.148.563 (valor em outubro/2013) que tem amparo no § 2º, do art. 198 da CF os demais são inconstitucionais. A Constituição autoriza a vinculação de receitas de impostos para execução de atividades voltadas à administração tributária (art. 37, XXII da CF) e para a manutenção do ensino (art. 212 da CF), mas não existem fundos específicos para essas áreas. É uma inversão do que está na Constituição Federal.

(f) Por derradeiro, é de se notar que o art. 10 da LOA, ainda pendente de sanção do Prefeito,  permite ao Executivo abrir por Decreto crédito adicional suplementar até o limite de 13% do total da despesa fixada em 50.569.325.587 com suposto amparo no art. 66 da Lei nº 4.320/64 não recepcionado pela Constituição de 1988. Isso já vem de longa data. Daí as frequentes realocações de verbas por remanejamento, transposição e transferência ao sabor dos interesses momentâneos do Chefe do Executivo. Isso representa um golpe mortal ao controle social ou privado da execução orçamentária assegurado pelo § 2º, do art. 74 da CF.

De fato, com a dança das verbas de um lugar para outro, à discrição do Executivo, não há como o cidadão controlar e fiscalizar o gasto das verbas originariamente fixadas em determinadas dotações. Da mesma forma que a Constituição determina a prévia aprovação pela sociedade, por meio do Legislativo, do direcionamento das despesas, o que se dá pela aprovação da LOA, sua posterior alteração igualmente se submete ao princípio da legalidade, sem o que haverá o comprometimento dos mecanismos de controle e fiscalização. Na verdade, as receitas públicas compulsórias e as despesas públicas, ambas estão submetidas ao princípio da reserva legal. Não é por acaso que as finanças do Município de São Paulo estão bagunçadas e cobertas de sombras duvidosas.

Concluindo, o problema da Prefeitura não é de falta de aumento tributário, mas de boa administração dos recursos financeiros arrecadados acima do nível razoável de imposição, sem correspondência na contrapartida representada pela prestação de serviços públicos regulares.


Notas

[1] Na verdade,  ninguém sabe ao certo o percentual de aumento. O art. 9º da Lei 15.889/13 estabelece limites máximos de aumento  em relação ao IPTU de 2013.

[2]  Na verdade a Constituição vincula parte da receita total de impostos, incluídas as participações do Município nos tributos de outras entidades políticas  ao setor de saúde no importe de 15%  (art. 198, § 2º da CF e art. 7º da LC nº 12) e ao setor de ensino no valor equivalente a  22% do total da receita tributária (art. 212 da CF).  A soma atinge 37% do total da arrecadação tributária do município e não 50% do IPTU.

[3] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. A batalha pelo aumento do IPTU em que a Prefeitura sofreu nova derrota perante o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3886, 20 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26724. Acesso em: 21 nov. 2024.

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