A compreensão da relação tributária ao longo da civilização só é possível se, por sobre as camadas normativas, culturais ou sociais, compreendermos o fundamento das bases de poder imanente sobre o qual se desenvolveram.
Esclarece Regina Helena Costa em sua premiada obra[1][2] que o surgimento do tributo confunde-se com o da sociedade organizada, soerguendo-se como fenômeno contemporâneo aos primeiros suspiros civilizatórios. De fato, guerras, pirâmides, templos, estradas, castelos ou aventuras siderais não se realizam sem tributos.
No cenário presente não é diverso. Há que se compreender a realidade subjacente sobre a construção normativa, doutrinária e jurisprudencial do Direito Tributário.
Posta esta premissa, o presente artigo pretende de forma singela sugerir possíveis compreensões atreladas as reais relações de poder que expliquem porque as contribuições de melhoria são tão pouco exploradas pelos entes federativos como forma de tributação.
Não nos alinhamos à resposta dada por Regina Helena Costa que busca a explicação na complexidade de seu procedimento ou pela inconveniência política de constituir mais um ônus aos administrados[3].
A história política revela que nunca houve grandes preocupações dos nossos governantes com a imposição de ônus aos tributados, haja vista nossa carga tributária constituir-se em uma das mais elevadas no mundo[4].
Nas palavras de Eduardo Sabbag[5], contribuição de melhoria é o:
Poder impositivo de exigir o tributo dos proprietários de bens imóveis valorizados com a realização de uma obra pública (...)Assim sendo, toda vez que o poder público realizar uma obra pública que trouxer benefícios, traduzíveis em “valorização”, para os proprietários de bens imóveis, poderá ser instituída a contribuição de melhoria, desde que vinculada à exigência por lei, “fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização de imóveis.
É na relação subjacente de poder que encontraremos a verdadeira resposta do porque a contribuição de melhoria é um tributo desprezado pelos entes federativos.
O art. 82 do CTN estabelece que o contribuinte pode impugnar os elementos constitutivos da contribuição de melhoria, incluso o orçamento do custo da obra.
Aí reside o primeiro fator que torna a contribuição de melhoria impopular entre os sujeitos competentes para instituí-la.
Os cidadãos, via de regra alheios ao seu poder de fiscalização dos orçamentos envolvidos nas obras públicas, ao serem constituídos contribuintes, haverão de impugnar o orçamento de custo da obra. Significa dizer que constituirão advogados tributaristas, cujos olhares percucientes não deixarão escapar distorções, aferindo eventual desarmonia entre o custo da obra apresentado e o real valor de mercado de cada material ou serviço envolvido.
Ora, em terras em que o superfaturamento é regra, e que nos gera calafrios imaginar o que decorrerá de uma averiguação fiscal a fundo nas obras realizadas para a Copa do Mundo e Olimpíadas, não é do interesse do administrador que diversos cidadãos e advogados tributaristas escarafunchem a regularidade do orçamento e custo de obras realizadas à custa do erário. Eis a primeira e principal explicação da impopularidade da contribuição de melhoria.
A segunda resposta de sua impopularidade também se assenta na distorção das finalidades da coisa pública.
Muitas das obras são realizadas de forma a valorizar terrenos e imóveis circundantes cujos proprietários são ligados aos governantes, quer na qualidade de parentes e laranjas, quer na de financiadores das campanhas eleitorais. Em um caso ou outro, por certo, a contribuição de melhoria não é bem vinda, posto seu viés de justiça social, preferindo-se o ostensivo locupletamento.
Por essa via, nos parece que a abstinência na instituição da contribuição de melhoria é fruto do velho instinto de auto-preservação, e não da bondade intrínseca de nossos prefeitos e governantes preocupados em sobrecarregar os contribuintes.
Bibliografia:
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. 3ª edição – rev. Ampl. Atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Notas
[1] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. 3ª edição – rev. Ampl. Atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p.29.
[2] A obra foi laureada com o prêmio Jabuti – a nosso sentir, o maior expoente nacional – em 2010.
[3] COSTA, Regina Helena. Ob. Cit. p. 145.
[4] Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT – o Brasil tem a 12ª maior carga tributária do mundo. Em 2008 o ocupava a 18ª posição, o que revela uma crescente na carga imposta. Consulta realizada em 22/02/2014 no site http://www.cenariomt.com.br/noticia/317028/brasil-tem-a-12a-maior-carga-tributaria-do-mundo-e-o-pior-retorno-a-populacao.html.
[5]SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 449/451.