CONCLUSÃO
O processo deve ser instrumento seguro e efetivo de justiça e pacificação social. Valores como segurança, efetividade, justiça e paz social, verdadeiros fins do processo, não podem ser olvidados no exame da técnica processual, pois esta é simples meio para que aqueles sejam alcançados (BEDAQUE, 2006).
Não é meramente tecnicista a discussão sobre o momento adequado para a inversão do ônus da prova, a favor do consumidor, disciplinada no art. 6°, VIII, CDC. Isso porque a aplicação da regra deve possibilitar a absoluta igualdade de tratamento aos sujeitos do processo, possibilitando-lhes influir substancialmente no resultado.
Diante do que foi exposto ao longo deste estudo e analisadas as três principais teorias a respeito da inversão do ônus probatório, conclui-se que a regra do art. 6°, VIII, CDC, deve ser aplicada na fase de saneamento do processo. Isso quer dizer que tal decisão deve ser posterior ao oferecimento da contestação, pelo réu, e anterior à fase instrutória, de modo a possibilitar que as partes, tendo ciência de seus encargos, tenham a efetiva oportunidade de produzir as provas de seu interesse.
Garante-se, assim, a participação paritária dos litigantes no processo, que, devidamente informados das conseqüências que adviriam da sua inércia, têm a oportunidade real de conduzir a atividade probatória de modo a desincumbir-se de seus ônus. Respeitam-se, com isso, as garantias constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
Como visto, não merece respaldo a corrente que sustenta a possibilidade de o juiz determinar a inversão do ônus da prova logo ao despachar a inicial, por ser prematura a aplicação do art. 6º, VIII do CDC antes do oferecimento contestação, quando ainda não fixados os pontos controvertidos da lide.
Da mesma forma, afigura-se incompatível com o nosso ordenamento constitucional a tese de que a inversão do onus probandi deva ocorrer na sentença. Sem dúvida, o juiz, ao impor nesta ocasião um novo ônus ao fornecedor, não estará lhe propiciando adequada participação no processo, por não ter lhe permitido saber com antecedência a que encargo probatório estava sujeito, ferindo, assim, as garantias do contraditório e da ampla defesa. Em conseqüência, também o devido processo legal será atingido, por estar a demanda carreada por surpresas desleais, como a que impõe ao fornecedor a descoberta de que tinha o encargo de provar determinados fatos, do qual não fora informado previamente.
Portanto, a partir do ordenamento constitucional e das premissas estabelecidas neste trabalho, impõe-se a conclusão de que o momento processual adequado à aplicação do art. 6º, VIII, CDC, é na fase de saneamento do processo, seja no procedimento ordinário, sumário, ou sumaríssimo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Flávio Renato de Almeida. Do ônus da prova. Revista de Processo. São Paulo, n. 71, p. 46-63, jul./set. 1993.
ALVAREZ, Anselmo Prietro. As repercussões extraprocessuais e processuais (competência e inversão do ônus da prova) da facilitação da defesa de direitos do consumidor, como garantia básica do sistema. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 57, p. 165-182, jan./mar. 2006.
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: Processo de Conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 2.
ANDRADE, andré Gustavo C. de. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor - O momento em que se opera a inversão e outras questões. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 48, p. 89-114, out./dez. 2003.
BARBOSA MOREIRA, Carlos Roberto. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor. Revista de Processo. São Paulo, n. 86, p. 295-309, abr./jun. 1997.
_________. O processo Civil no Código do Consumidor. Revista de Processo. São Paulo, n. 63, p. 138-146, jul./set. 1991.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A garantia do contraditório na atividade de instrução. Revista de Processo. São Paulo, n. 35, p. 231-238, jul./set. 1984.
BRASIL. Lei 8078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em 05 abr. 2008.
_________. Lei 5869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em 05 abr. 2008.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. DIREITOS DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. VEÍCULO COM DEFEITO DE FABRICAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE. INDENIZAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REEXAME DE PROVAS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ARTS. 21, CPC E 23, LEI N. 8.906/94. PRECEDENTES. CÓPIAS DE DOCUMENTOS NÃO AUTENTICADAS. ART. 385, CPC. INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA DA FALSIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. Recurso Especial n° 203.225 - MG (1999/0009786-6). Recorrente: Fiat Automóveis S.A. Recorrido: Ronaldo Salgado. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Acórdão 02 abr. 2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?relator=S%C1LVIO+DE+FIGUEIREDO+TEIXEIRA&processo=203225&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 12 jul. 2008.
_________. Superior Tribunal de Justiça. PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL -CONSUMIDOR - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - MOMENTO OPORTUNO - INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA SENTENÇA - PRETENDIDA REFORMA - ACOLHIMENTO - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. Recurso Especial n°881.651 - BA (2006/0194606-6). Recorrente: CEA Modas Ltda. Recorrido: Nilce Pereira do Vale. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Acórdão 10 abr. 2007. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200601946066&dt_publicacao=21/05/2007>. Acesso em: 12 jul. 2008.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual: tentativa de compatibilização. Material da 1ª aula da Disciplina Processo Civil: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL - REDE LFG, 2007.
_________. Efetividade do processo e técnica processual. 1 ed., São Paulo: Malheiros, 2006.
BUZAID, Alfredo. Do ônus da prova. Estudos de Direito I. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1972.
CAMBI, Eduardo. Divergência Jurisprudencial: Inversão do ônus da prova e o ônus de antecipar o pagamento dos honorários periciais. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 45, p. 129-139, jan./mar. 2003.
cUNHA, Belinda Pereira da. Ônus da prova no Código do Consumidor: necessidade da inversão prévia em face das liminares de antecipação de tutela. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 46, p. 311-323, abr/jun. 2003.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 3.
GIDI, Antônio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código do Consumidor. Gênesis Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 03, p. 583-593, set./dez. 1996.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
KARAM, Munir. Ônus da prova: Noções Fundamentais. Revista de Processo. São Paulo, n. 17, p. 50-60, jan./mar. 1980.
LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 47, p. 200-231, jul./set. 2003.
LOPES, João Batista. A Prova no Direito Processual Civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento: A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
MARTINS, Plínio Lacerda. A inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em defesa dos consumidores. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 31, p. 70-79, jul./set. 1999.
MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Justitia. São Paulo, v. 170, p. 94-102, abr./jun. 1995.
MENDES JÚNIOR, Manoel de Souza. O momento para a inversão do ônus da prova com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Processo. São Paulo, n. 114, p. 67/91, mar./abr. 2004.
MONNERAT, Carlos Fonseca. Momento da ciência aos sujeitos da relação processual de que a inversão do ônus da prova pode ocorrer. Revista de Processo. São Paulo, n. 113, p. 77/86, jan./fev. 2004.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MORAES, Voltaire de Lima. Anotações sobre o ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 31, p. 63-69, jul./set. 1999.
NOGUEIRA, Tânia Lis Tizzoni. A prova no direito do consumidor. 1. ed. Curitiba: Juruá, 1999.
NERY JÚNIOR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 01, p. 200-221, mai. 1992.
_________. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal . 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O Ônus da Prova no Direito Processual Civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SANTOS, Ernani Fidelis dos. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 47, p. 269-279, jul./set. 2003.
SANTOS, Sandra Aparecida de Sá dos. A inversão do ônus da prova: Como garantia constitucional do devido processo legal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 1.
_________. Direitos do Consumidor: A busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do Direito Civil e do Direito Processual Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
Notas
[1] A técnica representa “o meio apto a que o processo, instrumento de garantia de direitos, atinja seus escopos” (BEDAQUE, 2006, p. 39).
[2] “Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.”
[3] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”
[4] Segundo José Roberto dos Santos Bedaque (2006), a efetividade do processo pode ser entendida como a aptidão para produzir os resultados dele esperados e deve ser buscada mediante a aplicação correta e racional da técnica.
[5] “Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
(...)”
[6] Neste trabalho, a expressão “regra de instrução” é usada como sinônimo de “regra de procedimento”, “regra de conduta” e “regra de atividade”.
[7] Pode-se conceituar a inversão do ônus da prova como a alteração das regras legais sobre a distribuição deste, impostas ou autorizadas por lei (Dinamarco, 2004).
[8] Sobre a possibilidade de inversão do ônus da prova a favor do consumidor réu, vide Andrade (2003, p. 95).
[9] Sem razão, portanto, Andrade (2003, p. 107) ao afirmar a impossibilidade de, no juizado especial, inverter-se o ônus da prova em momento anterior ao da sentença, devido à suposta inexistência de um momento anterior para tanto.