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A técnica da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor:

o momento adequado para a sua determinação

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15/03/2014 às 07:07
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CONCLUSÃO

O processo deve ser instrumento seguro e efetivo de justiça e pacificação social. Valores como segurança, efetividade, justiça e paz social, verdadeiros fins do processo, não podem ser olvidados no exame da técnica processual, pois esta é simples meio para que aqueles sejam alcançados (BEDAQUE, 2006).

Não é meramente tecnicista a discussão sobre o momento adequado para a inversão do ônus da prova, a favor do consumidor, disciplinada no art. 6°, VIII, CDC. Isso porque a aplicação da regra deve possibilitar a absoluta igualdade de tratamento aos sujeitos do processo, possibilitando-lhes influir substancialmente no resultado.

Diante do que foi exposto ao longo deste estudo e analisadas as três principais teorias a respeito da inversão do ônus probatório, conclui-se que a regra do art. 6°, VIII, CDC, deve ser aplicada na fase de saneamento do processo. Isso quer dizer que tal decisão deve ser posterior ao oferecimento da contestação, pelo réu, e anterior à fase instrutória, de modo a possibilitar que as partes, tendo ciência de seus encargos, tenham a efetiva oportunidade de produzir as provas de seu interesse.

Garante-se, assim, a participação paritária dos litigantes no processo, que, devidamente informados das conseqüências que adviriam da sua inércia, têm a oportunidade real de conduzir a atividade probatória de modo a desincumbir-se de seus ônus. Respeitam-se, com isso, as garantias constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

Como visto, não merece respaldo a corrente que sustenta a possibilidade de o juiz determinar a inversão do ônus da prova logo ao despachar a inicial, por ser prematura a aplicação do art. 6º, VIII do CDC antes do oferecimento contestação, quando ainda não fixados os pontos controvertidos da lide.

Da mesma forma, afigura-se incompatível com o nosso ordenamento constitucional a tese de que a inversão do onus probandi deva ocorrer na sentença. Sem dúvida, o juiz, ao impor nesta ocasião um novo ônus ao fornecedor, não estará lhe propiciando adequada participação no processo, por não ter lhe permitido saber com antecedência a que encargo probatório estava sujeito, ferindo, assim, as garantias do contraditório e da ampla defesa. Em conseqüência, também o devido processo legal será atingido, por estar a demanda carreada por surpresas desleais, como a que impõe ao fornecedor a descoberta de que tinha o encargo de provar determinados fatos, do qual não fora informado previamente.

Portanto, a partir do ordenamento constitucional e das premissas estabelecidas neste trabalho, impõe-se a conclusão de que o momento processual adequado à aplicação do art. 6º, VIII, CDC, é na fase de saneamento do processo, seja no procedimento ordinário, sumário, ou sumaríssimo.


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Notas

[1] A técnica representa “o meio apto a que o processo, instrumento de garantia de direitos, atinja seus escopos” (BEDAQUE, 2006, p. 39).

[2] “Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.”

[3] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”

[4] Segundo José Roberto dos Santos Bedaque (2006), a efetividade do processo pode ser entendida como a aptidão para produzir os resultados dele esperados e deve ser buscada mediante a aplicação correta e racional da técnica.

[5] “Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

(...)”

[6] Neste trabalho, a expressão “regra de instrução” é usada como sinônimo de “regra de procedimento”, “regra de conduta” e “regra de atividade”.

[7] Pode-se conceituar a inversão do ônus da prova como a alteração das regras legais sobre a distribuição deste, impostas ou autorizadas por lei (Dinamarco, 2004).

[8] Sobre a possibilidade de inversão do ônus da prova a favor do consumidor réu, vide Andrade (2003, p. 95).

[9] Sem razão, portanto, Andrade (2003, p. 107) ao afirmar a impossibilidade de, no juizado especial, inverter-se o ônus da prova em momento anterior ao da sentença, devido à suposta inexistência de um momento anterior para tanto.

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Sobre a autora
Cibele Cotta Cenachi Napoli

Procuradora Federal. Ex-Procuradora do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual pela UNISUL. Bacharela em Direito pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAPOLI, Cibele Cotta Cenachi. A técnica da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor:: o momento adequado para a sua determinação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3909, 15 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26885. Acesso em: 18 abr. 2024.

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