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Aspectos relevantes do histórico do Tribunal do Júri

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01/02/2002 às 01:00

Resumo:


  • O Tribunal do Júri é uma instituição histórica, com origens que remontam à Era Mosaica e ao Direito romano, com as quaestiones perpetuae, e que foi adaptada e evoluída ao longo do tempo em diversas civilizações.

  • No Brasil, o Júri foi estabelecido desde a primeira Constituição Política do Império, em 1824, inicialmente para julgar crimes de imprensa, e se manteve presente em todas as constituições subsequentes até a Constituição de 1988.

  • A Lei nº 263, de 1948, e o Decreto-Lei nº 167, de 1938, foram marcos importantes na legislação brasileira do Júri, regulamentando sua competência, procedimentos e quesitação, e ajustando a soberania dos veredictos e a possibilidade de apelação limitada.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8. CRIAÇÃO DO JÚRI E A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO

A criação do Júri no Brasil, com a Lei de 18 de junho de 1822, ocorreu com a finalidade específica de atender aos casos de crimes de imprensa, sendo que o mesmo era formado por Juízes de Fato, num total de vinte e quatro cidadãos bons, honrados, patriotas e inteligentes, os quais deveriam ser nomeados pelo Corregedor e Ouvidores do crime, e a requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que atuava como o Promotor e o Fiscal dos delitos. Os réus podiam recusar dezesseis dos vinte e quatro nomeados, e só podiam apelar para a clemência real, pois só ao Príncipe cabia a alteração da sentença proferida pelo Júri27.

José Frederico Marques, quanto a este momento histórico, acrescenta:

Coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em vereação extraordinária de 4 de fevereiro de 1822, dirigir-se a Sua Alteza, o Príncipe Regente D. Pedro, solicitando a criação do juízo dos Jurados, para execução da Lei de Liberdade da Imprensa no Rio de Janeiro, aonde a criação do Juízo dos Jurados parece exeqüível sem conveniente, atenta a muita população de que se compõe, e as muitas luzes que já possui28.

Mais tarde, na Constituição Política do Império, promulgada em 25 de março de 1824, ficou estatuído o seguinte:

Art. 151. – O Poder judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem.

Art. 152. – Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei29.


9. JÚRI NO CÓDIGO DE PROCESSO CRIMINAL DE 1832

O Código Criminal do Império deu à instituição do Júri uma abrangência exagerada, diretamente criticada por Cândido de Oliveira Filho:

Imitando as leis inglesas, norte-americanas e francesas, deu ao Júri atribuições amplíssimas, superiores ao grau de desenvolvimento da nação, que se constituía, esquecendo-se, assim, o legislador de que as instituições judiciárias, segundo observa Mittermaier, para que tenham bom êxito, também exigem cultura, terreno e clima apropriados30.

Segundo o estabelecido neste Código, em cada distrito havia um juiz de paz, um escrivão, oficiais de Justiça e inspetores de quarteirão. Em cada termo encontrava-se um juiz municipal, um promotor público, um escrivão das execuções, oficiais de justiça e um Conselho de Jurados. No entanto, poderiam reunir-se dois ou mais termos para formação do Conselho, sendo que a cidade principal seria aquela que proporcionasse maior comodidade para a realização das reuniões.

A mudança foi significativa, pois, a partir daquele momento estavam extintas quase todas as formas de jurisdição ordinária, restando somente o Senado, o Supremo Tribunal de Justiça, as Relações, os juízes militares, que tinham competência unicamente para crimes militares, e os juízos eclesiásticos, para tratar de matéria espiritual. Havia, ainda, os juízes de paz, aos quais cabiam os julgamentos das contravenções às posturas municipais e os crimes a que não fosse imposta a pena de multa de até cem mil-réis, prisão, degredo, ou desterro até seis meses.

Todos os crimes restantes passavam à competência dos conselhos de jurados, sendo que o primeiro deles era o Júri de acusação, com vinte e três jurados, e o segundo era o Júri de sentença, formado por doze membros.

O conselho reunia-se sob a presidência de um Juiz de Direito, após o juiz de paz da cabeça do termo ter recebido os autos de corpo de delito e formação da culpa dos criminosos, também eram formulados por juízes de paz.

Estavam aptos a serem jurados todos os eleitores com probidade e bom senso, com exceção apenas dos senadores, deputados, conselheiros e ministros de Estado, bispos, magistrados, oficiais de justiça, juízes eclesiásticos, vigários, presidentes, secretários dos governos das províncias, comandantes das armas e dos corpos de primeira linha.

O funcionamento das listas de jurados é detalhado por José Frederico Marques:

"A lista dos cidadãos aptos para serem jurados era feita, em cada distrito, por uma junta, composta do juiz de paz, do pároco e do presidente da câmara municipal, ou, na falta deste, de um vereador, ou de "um homem bom", nomeado por aqueles. A lista devia ser afixada à porta da paróquia, ou publicada na imprensa onde a houvesse, remetendo-se uma cópia às câmaras municipais e ficando outra em poder do juiz, para revisão a ser procedida no dia primeiro de janeiro de cada ano, pelo mesmo processo. Na revisão, seriam incluídas as pessoas omitidas e as que tivessem adquirido a qualidade de eleitor, eliminando-se os falecidos, os que tivessem perdido a qualidade de eleitor e os que tivessem mudado do distrito.

Das listas parciais recebidas dos distritos, as câmaras municipais, os juízes de paz e os párocos formavam uma lista geral, excluindo "os que notoriamente" não gozassem de conceito público, por falta de inteligência, integridade e bons costumes", lançando-se o nome dos escolhidos em um livro próprio e nas portas da câmara municipal, por ordem alfabética. Os interessados podiam reclamar, por terem sido inscritos ou omitidos na lista, sendo do dever das câmaras corrigi-la, eliminando ou inscrevendo seus nomes". Quinze dias depois da publicação da lista, as câmaras municipais transcreviam o nome dos alistados em pequenas cédulas, de igual tamanho, que eram conferidas pelo promotor e lançadas em uma urna em público, enquanto o secretário da câmara lia os nomes contidos na lista. A urna era conservada na sala das sessões, depois de fechada com duas chaves diversas, ficando, uma, com o presidente da câmara e, a outra, com o promotor31.

J. C. Mendes de Almeida descreve como se davam as atividades do Júri:

No dia do Júri de acusação, eram sorteados sessenta juízes de fato. O juiz de paz do distrito da sede apresentava os processos de todos os distritos do termo, remetidos pelos demais juízes de paz, e, preenchidas certas formalidades legais, o juiz de direito, dirigindo a sessão, encaminhava os jurados, com os autos, para a sala secreta, onde procediam a confirmação ou revogação das pronúncias e impronúncias.

Constituíam, assim, os jurados, o conselho de acusação. Só depois de sua decisão, podiam os réus ser acusados perante o conselho de sentença. Formavam este segundo Júri doze jurados tirados à sorte: à medida que o nome do sorteado fosse sendo lido pelo juiz de direito, podiam acusador e acusado ou acusados fazer recusações imotivadas, em número de doze, fora os impedidos32.

No entanto, a excessiva liberalidade conferida pelo Código de Processo Criminal não poderia durar por muito tempo, o que levou o próprio senador Alves Branco, autor do Código, a propor uma reforma parcial da legislação, em setembro de 1835, principalmente no que se referia ao Júri e aos juízes de paz. Finalmente, em trinta e um de janeiro de 1842, veio do Regulamento nº 120, trazendo sérias alterações no Júri, bem como na organização judiciária nacional.

Pelo Regulamento foram criados os cargos de chefe de Polícia, ocupado por um desembargador ou um juiz de direito, e delegados e subdelegados distritais, que poderiam ser quaisquer juízes ou cidadãos. Essas autoridades receberam as funções outrora atribuídas aos juízes de paz, somando à função policial também a judiciária.

Quanto aos juízes municipais, estes eram nomeados pelo Imperador, que os escolhia entre os bacharéis em Direito com um ano de prática, pelo menos, para exercerem a função por um período de quatro anos, podendo ser removidos. A eles competia o julgamento do contrabando, quando não houvesse flagrante. Quando necessário, os juízes municipais eram substituídos por algum dos seis cidadãos notáveis escolhidos, ou pelo governo da Corte ou pelos presidentes das províncias, também por quatro anos, com essa finalidade.

O Júri de acusação foi extinto, passando para a competência dos juízes municipais, ou das autoridades policiais, desde que com a confirmação daqueles, a formação da culpa e a sentença de pronúncia.

Os delegados de polícia organizavam a lista de jurados e remetiam para os juízes de direito, o qual, juntamente com o promotor e o presidente da câmara municipal, formavam uma junta que conhecia das reclamações e fazia a lista geral de jurados. Os nomes eram depositados na urna que, agora, deveria ser fechada com três chaves diferentes, ficando cada uma com um membro da junta33.

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O juiz de direito era o responsável pela convocação do Júri, comunicando ao municipal. Qualquer um deles poderia presidir o sorteio dos quarenta e oito jurados, mas somente ao juiz de direito cabia a aplicação da pena, em conformidade com as decisões dos jurados.

Foi mantida, pela Lei nº 261, de três de dezembro de 1841, a apelação de ofício, feita pelo juiz de direito perante a Relação, órgão correspondente aos nossos atuais Tribunais de Justiça. O recurso acontecia sempre que o juiz entendesse que a decisão fora contrária à evidência das provas, caso em que era ordenada a realização de novo Júri, onde não se repetiam os juízes e nem os jurados.

Essa mesma lei, em seu art. 66, extinguiu a exigência de unanimidade de votos feita pelo Código de Processo Criminal para a aplicação da pena de morte, determinando que a decisão do Júri fosse tomada por duas terças partes dos votos, sendo as demais decisões sobre as questões propostas tomadas pela maioria absoluta, e no caso de empate, adotada a opinião mais favorável ao acusado34.

Posteriormente, com a reforma processual de 1871, foram novamente extintos os cargos de chefe de polícia, delegado e subdelegado para a formação de culpa e pronúncia nos crimes comuns. Permaneceu apenas o chefe de polícia, nos casos de crime extremamente grave, ou quando no crime estivesse envolvida alguma pessoa que pudesse prejudicar a ação da Justiça com sua influência. As pronúncias passaram, então, para a competência dos juízes de direito, nas comarcas especiais, e dos juízes municipais, nas comarcas gerais35.

Em 1872, com o Decreto nº 4.992, de 3 de janeiro, cada sessão do Júri passou a ser presidida pelo desembargador da Relação do distrito, designado pelo presidente segundo a ordem de antiguidade.

O Júri foi mantido com a Proclamação da República, em quinze de novembro de 1890, advindo a promulgação do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, o qual criou a Justiça Federal, bem como o Júri Federal, composto de doze jurados, sorteados entre trinta e seis cidadãos do corpo de jurados estadual da comarca.

A competência deste Tribunal é resumida por J. C. Mendes de Almeida:

A Lei federal de 221, de 20 de novembro de 1894, tornou o corpo de jurados federais menos dependente do corpo de jurados estaduais da comarca (art. 11, da Lei nº 221; e a Lei federal nº 515, de 3 de novembro de 1898 excluiu da competência do Júri o julgamento dos crimes de moeda falsa, contrabando, peculato, falsificação de estampilhas, selos adesivos, vales postais e cupons de juros dos títulos de dívida pública da União, atribuindo-o ao juiz de secção. Finalmente, todas essas reformas foram consolidadas pelo Decreto federal nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, que constituiu, durante muitos anos, o Código de processo Civil e Criminal da justiça federal. Enumeram-se, então, todos os casos de competência do Júri.

Mais tarde, o Decreto nº 4.780, de 27 de dezembro de 1923, proclamou a incompetência do Tribunal Popular para julgamento de peculatos, falsidade, instauração clandestina de aparelhos, transmissores e interceptadores, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia, transmissão ou interceptação de radiocomunicações oficiais, violação do sigilo de correspondência, desacato e desobediência, testemunho falso, prevaricação, resistência, tirada de presos do poder da Justiça, falta de exação no cumprimento do dever, irregularidade de comportamento; peita, concussão, estelionato, furto, dano e incêndio, quando afetos ao conhecimento da justiça federal, por serem praticados contra o patrimônio da nação, interessarem, mediata ou imediatamente, à administração ou fazenda da união (art. 40. e $ 1º). Sobraram para o Júri os crimes que alei não houvesse retirado ou retirasse de sua competência36.


10. JÚRI NA CONSTITUIÇÃO DE 1891

Após varias discussões, quando da promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, foi aprovada a emenda que dava ao art. 72, § 31, o texto "é mantida a instituição do Júri"37.

O Júri foi, portanto, mantido, e com sua soberania38.

Em que pesem as muitas assertivas acerca da forma que teria a instituição, em acórdão de sete de outubro de 1899, o Supremo Tribunal Federal dispôs:

"São características do Tribunal do Júri: I – quanto a composição dos jurados, a) composta de cidadãos qualificados periodicamente por autoridades designadas pela lei, tirados de todas as classes sociais, tendo as qualidades legais previamente estabelecidas para as funções de juiz de fato, com recurso de admissão e inadmissão na respectiva lista, e b) o conselho de julgamento, composto de certo numero de juizes, escolhidos a sorte, de entre o corpo dos jurados, em numero tríplice ou quádruplo, com antecedência sorteados para servirem em certa sessão, previamente marcada por quem a tiver de presidir, e depurados pela aceitação ou recusação das partes, limitadas as recusações a um numero tal que por elas não seja esgotada a urna dos jurados convocados para a sessão; II – quanto ao funcionamento, a) incomunicabilidade dos jurados com pessoas estranhas ao Conselho, para evitar sugestões alheias, b) alegações e provas da acusação e defesa produzidas publicamente perante ele, c) atribuição de julgarem estes jurados segundo sua consciência, e d) irresponsabilidade do voto emitido contra ou a favor do réu"39.

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Sobre a autora
Lise Anne de Borba

advogada em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBA, Lise Anne. Aspectos relevantes do histórico do Tribunal do Júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -516, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2695. Acesso em: 5 dez. 2025.

Mais informações

O texto foi parte de monografia jurídica apresentada como requisito parcial de conclusão do curso de Direito.

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