6. A NATUREZA JURÍDICA DAS TAXAS
Como bem nos ensina Bernardo Ribeiro de Moraes, taxa “[...] é a prestação pecuniária compulsória que, no uso de seu poder fiscal e na forma da lei, o poder público exige em razão de atividade especial dirigida ao contribuinte”.[14]
O primeiro ensaio a respeito das taxas foi traçado pelo escocês Adam Smith, o qual propôs uma distinção destas para com a figura dos impostos. Segundo Zelmo Denari, inserindo-se na inteligência do referido economista e filósofo supra “[...] a despesa pública, em certos casos, deveria ser suportada por aqueles que a provocaram ou se beneficiaram do serviço prestado e não por toda a coletividade”.[15]
No Brasil, a primeira aparição desta espécie tributária surgiu, embora timidamente, na Constituição Republicana de 1891, que previa a cobrança de taxas de correio e telégrafo, bem como as taxas de selo. Todavia, não há que se afirmar que já havia uma clara distinção com os impostos, cabendo tal tarefa à doutrina da época.
Entretanto, já se fundamentava, naquele momento, que a cobrança devia necessariamente surgir a partir de um serviço diretamente recebido pelos seus contribuintes. A este respeito, Zelmo Denari colaciona um trecho de parecer documentado de 1919, elaborado por Ruy Barbosa, que frisa: “As taxas, na significação moderna desta palavra, são contribuições pecuniárias que o indivíduo paga, a troco e por ocasião de um serviço determinado, que esse indivíduo recebe, de certa e determinada vantagem que um serviço lhe ministra”.[16]
Atualmente, a doutrina moderna estabelece que taxa é modalidade de tributo, regida pelo princípio da retributividade e da capacidade contributiva, sendo uma das suas principais características a vinculação a uma atividade estatal, expressiva de serviço público ou posto à disposição dos administradores, a cargo de entidades governamentais investidas de personalidade jurídica de direito público.
Apenas para fins de elucidação a respeito deste importante primado, imperioso se torna tecer breve comentário a respeito do princípio da capacidade contributiva.
O princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145, § 1º da Carta Magna,[17] que alia justiça fiscal à máxima de que cabe a cada um contribuir segundo a sua capacidade, seja contributiva, seja econômica, sempre foi, segundo Paulo de Barros Carvalho, “[...] referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo”.[18] Deste modo, fica resguardado a cada um contribuir de acordo com a renda disponível.
Vale assinalar que o princípio da capacidade contributiva comporta dupla função. Se num primeiro momento esta norma promove a solidariedade, chamando a todos os contribuintes a concorrerem com as despesas públicas, por outro se observa um condão garantista, quando da constituição de limites à contribuição, invocando apenas aqueles que possuem uma efetiva capacidade de contribuição.
Retornando finalmente ao tema das taxas, cumpre destacar que a atividade estatal que a origina pode se manifestar tanto de forma efetiva como potencial. Entretanto, esta última hipótese se encontra reservada apenas aos casos de serviços públicos, excluindo-se, desta forma, a possibilidade de sua incidência caso não se detecte um regular (efetivo) exercício do poder de polícia, nos ditames do art. 77 do Código Tributário Nacional:
As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.[19]
Da leitura do disposto supra, resta implícito que, para que se concretizem os efeitos de cobrança da taxa, faz-se necessário que o chamado “poder de polícia” seja diretamente voltado ao contribuinte. Ademais, “Não é qualquer ato de polícia que autoriza a tributação, [...] mas tão somente o que se consubstancia num agir concreto e específico da Administração, praticado com base em lei [...]”.[20]
Portanto, o simples exercício do poder de fiscalizar do Estado não enseja a cobrança de taxa, pois este ato deve, com base no princípio da legalidade, estar embasado numa lei que autorize tal prática à administração pública.
7. AS TAXAS COMO INSTRUMENTO DE OBTENÇÃO DE RECURSOS PARA O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA
O art. 78 do Código Tributário Nacional dispõe que o poder de polícia pode ser compreendido como a
[...] atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.[21]
Desta forma, vale-se dizer que as taxas serão sempre exigidas frente a uma contraprestação, ou por ter dado causa ao exercício de poder de polícia, ou mesmo por serviço posto à disposição do Administrado. Em resumo, dependendo da natureza da atividade do contribuinte, tem-se o implemento de taxa de fiscalização, quando da não intenção do poder público em assumir tal poder em larga escala.
Segundo a doutrina de Regina Helena Costa, a atividade de fiscalização inerente ao poder de polícia cuida, portanto, “[...] do controle de comportamento dos particulares, visando a prevenção da ocorrência de danos ao interesse público. A taxa, instituída com esse fundamento, objetiva remunerar o custo desta atividade estatal”.[22]
Ainda na lição da autora, para que haja legitimidade na cobrança de uma taxa para fins de fiscalização, controle e monitoramento de uma atividade do particular, é imperioso que o exercício deste poder atribuído ao Estado se dê de modo efetivo. Somente dessa forma restará constatado uma correspondência entre o tributo e uma atividade, em respeito ao princípio da verdade material ao qual se subordina o Direito Tributário. Este princípio, no âmbito das taxas de polícia, impõe que uma “[...] fiscalização não efetuada, ou mera presunção de fiscalização, não podem conduzir ao nascimento da obrigação tributária”.[23]
Outrossim, a Constituição Federal, em seu art. 145, II, legitima a gênese de uma exação decorrente de taxa, independentemente de sua manifestação efetiva ou potencial, apenas quando a mesma se revela sob o aspecto de um serviço público. Para tanto, passa-se a transcrever o disposto constitucional:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; [...].[24]
Finda-se, da mera leitura do dispositivo acima transcrito, que a Constituição Federal não dedica qualquer autorização para a cobrança de taxas que se fundem na mera presunção de um exercício de poder de polícia por parte do poder público.
8. A TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
8.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TCFA
Para se entender o propósito do surgimento da TCFA no ordenamento jurídico pátrio, bem como de sua gênese, imperioso se faz a abordagem da Lei n. 6.938/1981, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, cujos objetivos traçados estão previstos em seu art. 2º, que versa:
A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.[25]
A Lei n. 6.938/1981 foi promulgada durante a regência da Constituição de 1967. Após o advento da atual Carta Magna, as leis ordinárias federais, que vigiam anteriormente à 1988, foram elevadas pelo constituinte originário à posição de lei complementar.
Em sua redação original, a Lei n. 6.938/1981(Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) não instituía nenhuma taxa ambiental. Porém, diante da preocupação com a preservação do meio ambiente e da aspiração em preservá-lo, deparou-se com a necessidade de se estruturar serviços públicos que tivessem a função de monitorar e fiscalizar os empreendimentos dos particulares e que gerassem risco ambiental, mesmo que tal risco fosse puramente potencial.
A primeira aparição legislativa tratando de um tributo específico à fiscalização ambiental foi no ano de 2000, quando a chamada Taxa de Fiscalização Ambiental (TFA) surgiu com o advento da Lei Ordinária n. 9.960, por meio da inclusão do art. 17-A, cuja redação estabelecia: ”Art. 17-A. São estabelecidos os preços dos serviços e produtos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, a serem aplicados em âmbito nacional, conforme Anexo a esta Lei”.[26]
Apesar de o dispositivo em questão designar preço público, dispunha, em verdade, sobre taxas a serem devidas por licenciamentos, registros, liberações, autorizações, vistorias, inspeções e demais exercícios referentes ao poder de polícia. Ademais, em se tratando de uma exação cuja competência é da União Federal, esta lei delegou capacidade ativa ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.
Desta feita, a fim de conferir legitimação para a cobrança da nova exação (trazida pela Lei n. 9.960/2000), o legislador alterou, substancialmente, através da Lei n. 10.165/2000, o art. 17 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981), com a inclusão do art. 17-B que versava:
Art. 17-B. É criada a Taxa de Fiscalização Ambiental - TFA.
§ 1o Constitui fato gerador da TFA, o exercício das atividades mencionadas no inciso II do art. 17 desta Lei, com a redação dada pela Lei no 7.804, de 18 de julho de 1989.
§ 2o São sujeitos passivos da TFA, as pessoas físicas ou jurídicas obrigadas ao registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais. [27]
No entanto, logo após a entrada em vacância da Lei n. 9.960/2000, a Confederação Nacional das Indústrias instaurou Ação Direta de Inconstitucionalidade,[28] diante da irresignação da classe industrial com o fato jurídico-tributário que, ao invés de trazer a especificação de uma atividade estatal, trouxe, simplesmente, a atividade exercida pelo contribuinte.
Outro ponto controvertido posto em debate foi a falta de clareza na indicação do sujeito passivo do tributo, que havia sido delimitado de uma forma muito genérica, carecendo, assim, de especificações com relação a quais atividades corresponderiam a utilização de recursos naturais, além de quais seriam, de fato, os potenciais ou efetivamente poluidores.
Diante da cautelar impetrada na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 2.178-8, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela suspensão imediata da exação.
Contudo, meses após esta decisão que suspendeu a eficácia dos dispositivos questionados, mais especificamente em dezembro 2000, o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 10.165/2000, a qual trouxe uma nova “roupagem” a então Taxa de Fiscalização Ambiental (TFA), que passou a denominar-se Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).
Esta variante veio com a finalidade de ajustar as omissões legislativas que se apresentavam na primeira “versão”, a começar pelo fato jurídico tributário. Como se percebe, o então art. 17 da Lei n. 6.938/1981 passou a reger com o seguinte texto:
Art. 17-B. Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.[29]
Por meio da leitura do dispositivo supra, fica evidente que mesmo após a revogação do art. 17-B, trazido pela Lei n. 9.960/2000 e alterado pela Lei n. 10.165/2000, o legislador manteve as violações constitucionais e legais de outrora. Igualmente à “versão” anterior, dentre tantas outras vicissitudes que se exporá adiante, a norma ora em vigência não corrigiu a carência de uma contraprestação efetiva do exercício estatal, hábil a fazer frente à cobrança da exação em destaque.
8.2. ASPECTOS GERAIS DA TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
Os tributos ambientais se encontram embasados em princípios tributários, como o da isonomia, legalidade, capacidade contributiva, proporcionalidade e vedação ao confisco. De mesmo modo, restam submetidos aos princípios ambientais, como o do desenvolvimento sustentável, da prevenção e do poluidor pagador.
Das figuras tributárias presentes no art. 5º do Código Tributário Nacional, as taxas são as que melhor exprimem o princípio da isonomia constitucional, na medida em que elegem como sujeito passivo de suas exações os contribuintes que ensejam causas específicas ao agir do Estado. Desta forma, as taxas se destinam a particularizar o custeio, aliviando a coletividade, que já sustenta, por meio dos impostos, os serviços públicos em geral.
A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental é uma exação cujo sujeito ativo é a União, a qual delega por meio de lei a capacidade ativa ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).[30] Por sua vez, o sujeito passivo é a pessoa física e jurídica que tem por atividade a utilização de recursos ambientais, ou que sejam efetiva ou potencialmente poluidoras (vide anexo VIII da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Esta exação é devida por estabelecimento empresarial (pessoa jurídica), nos ditames do art. 17-D[31]da Lei n. 10.165/2000, e seus valores variam de acordo com o potencial lesivo e com o porte da empresa.
Cumpre frisar que as entidades públicas federais, distritais, estaduais e municipais, as entidades filantrópicas, os agricultores cuja prática se destina à subsistência e as populações tradicionais estão isentas do pagamento da TCFA, como designa o art. 17-F [32] da lei em questão.
No que tange ao pagamento da obrigação, a TCFA é devida trimestralmente, mais especificamente no último dia útil de cada período, como emana o art. 17-G[33] da Lei n. 10.165/2000.
O fato jurídico tributário[34] da referida exação, como será melhor abordado em tópico específico, é o exercício regular do poder de polícia. Desta leitura, logo se observa que a norma não traz quais as providências ou medidas policiais que a lei confere ao IBAMA. A este respeito, Régis Fernandes de Oliveira ensina que “[...] a previsão normativa deve-se referir, sempre, à emanação ou explicitação de um ato expressivo do poder de polícia”.[35]
Isto porque a expressão empregada pela Constituição “exercício do poder de polícia” e a do Diploma Tributário “exercício regular do poder de polícia” tratam, tão somente, de normas gerais de tributação. Para que se torne legal a instituição de um tributo para custear tais fins, uma norma tributária deve surgir trazendo, pormenorizadamente, qual a providência estatal que será concretamente desempenhada pelo poder público.
Entretanto, o que se observa é que a Lei n. 10.165/2000, ao conferir ao IBAMA o controle e a fiscalização daqueles que exercem atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais, em nada acrescentou naquilo que já foi estipulado outrora como normas gerais de tributação. Em outros temos, o art. 17-B da lei supra é redundante em seu desempenho na viabilização da TCFA, cujo intuito é o financiamento do poder de polícia.
Conclui-se, portanto, que o legislador abordou de forma genérica as medidas a serem tomadas pela administração pública ao controlar e fiscalizar, julgando que a citação “exercício regular do poder de polícia” bastaria para ensejar a cobrança da exação. Por fim, não há que se deduzir que o IBAMA vá fiscalizar outro cenário senão o próprio meio ambiente, em seus variados aspectos, o que corrobora para a redundância do texto presente no art. 17-B da Lei n. 10.165/2000, frente ao já estipulado pelo Código Tributário e à Constituição Federal, comprometendo o seu critério material e, por efeito, a sua própria eficácia.