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A nova sistemática do parágrafo único do artigo 527,CPC.

A legalidade da irrecorribilidade da decisão interlocutória e a maior celeridade processual

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04/04/2014 às 07:31
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4. DA NÃO OBRIGATORIEDADE DE PREVISÃO RECURSAL PARA QUALQUER DECISÃO: duplo grau de jurisdição implícito.

Discutiu-se muito sobre o amparo constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, porém, hoje em dia, o tema já está pacificado no sentido de não haver amparo constitucional expresso, mas tão somente implícito.

A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, assegura o contraditório e a ampla defesa aos litigantes e acusados em geral, com os meios e recursos a ela inerentes. Vejamos:

“Art. 5º omissis

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (g.n.)

Isso não significa que a cada decisão há de existir um recurso, mas tão somente que para as decisões judiciais finais deve haver a previsão de recurso para manifestação da parte vencida.

Portanto, não são todas as decisões judiciais que são passíveis de recurso, poder-se-ia afirmar que somente haveria a necessidade de amparo recursal para decisões tomadas como definitivas, uma vez que as provisórias ainda serão revistas quando a decisão definitiva do processo for concluída e publicada. Portanto, caso não houvesse a previsão de recurso de decisão interlocutória[1] não incidiria a violação ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, que decorrem do devido processo legal e que, implicitamente, dariam origem à possibilidade constitucional do duplo grau de jurisdição.

A invocação do princípio constitucional implícito do duplo grau de jurisdição só teria cabimento em caso de imprevisão legal de insurgência recursal pela parte afetada em decisão definitiva e ilegal. Poder-se-ia, então, invocar tal dispositivo ao argumento de que há violação da ampla defesa e exercer a possibilidade recursal ainda que inexistente na lei.

Seguem alguns exemplos de previsão implícita do duplo grau de jurisdição insertos na Constituição Federal de 1988:

 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - omissis 

II - julgar, em recurso ordinário:

III - julgar, mediante recurso extraordinário (...);

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - omissis

II - julgar, em recurso ordinário;

III - julgar, em recurso especial;”

O princípio do duplo grau de jurisdição visa a assegurar ao litigante vencido, total ou parcialmente, o direito de submeter a matéria decidida a uma nova apreciação jurisdicional, no mesmo processo, desde que atendidos determinados pressupostos específicos, previstos em lei.

  Menciona Humberto Theodoro Junior que os recursos, todavia, devem acomodar-se às formas e oportunidades previstas em lei, para não tumultuar o processo e frustrar o objetivo da tutela jurisdicional em manobras caprichosas e de má-fé.

Assim, vê-se que a ampla defesa, assegurada constitucionalmente, faz nascer o princípio implícito do duplo grau de jurisdição, caso não exista a previsão legal de algum recurso. Porém, a utilização do princípio só se justifica em casos de ilegalidade ou de imprevisão de prestação jurisdicional, de forma a coadunar com o princípio da razoabilidade e se conclui pela utilização somente quando essa imprevisão e ilegalidade decorrer de decisão definitiva proferida no processo.

Portanto, o duplo grau de jurisdição existe, no texto constitucional, somente para garantir ao litigante a possibilidade de submeter a reexame as decisões proferidas definitivamente, no curso processual, com desrespeito a direito amparado por Lei e/ou pela Constituição. É essa a interpretação que deve ser dada ao princípio implícito do duplo grau de jurisdição, consubstanciado no artigo 5º, LV, CRFB/88.


5. A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45, DE 31.12.2004, E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

A luta pela normalização democrática e pela conquista do Estado Democrático de Direito começara assim que se instalou o golpe de 1964 e especialmente após o AI 5, de 13.12.68, que foi o instrumento mais autoritário da história política do Brasil. O AI 5 rompeu com a ordem constitucional vigente, seguindo-se vários outros atos até que o AI 12 foi promulgado em 17.10.69 como EC n.º 1 à Constituição de 1967. A EC 1-67, na verdade, não se tratou de uma emenda, mas de uma nova constituição, adotando uma ordem ditatorial.

Contudo, após muita luta, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, que visava a acabar com ordem ditatorial então vigente.

Após tantas usurpações de direitos, a Constituição de 1988 trouxe o maior número de garantias possíveis aos cidadãos, no intuito de acabar com os resquícios da ordem ditatorial então existente. Em alguns assuntos, conferiu tantos direitos que a regulamentação ultrapassou o limite do razoável.

Tem-se como exemplo disso a previsão legal, no Código de Processo Civil (CPC), de recursos, eternizando a contenda judicial.

Levar ao conhecimento do Poder Judiciário uma violação a um direito, que antes era impossível ou maculada, acabou por desamparar o vencedor e privilegiar o vencido.

Nesse contexto processual surgiu a garantia constitucional da duração razoável do processo, que propõe a concretização da prestação jurisdicional e não somente o acesso ao judiciário, previsão do artigo 5, inciso LXXVIII, CRFB-88, inserto pela Emenda Constitucional nº 45 de 31.12.2004.[2]

Para que haja uma duração razoável do processo mister que se suprimam determinados recursos decorrentes de decisões provisórias que eternizam a lide. Imprescindível haver amparo recursal à decisão definitiva, a fim de evitar ilegalidades, e não das interlocutórias que podem ser revistas quando da decisão final.

A obediência a essa garantia constitucional está se efetivando, por exemplo, pela reforma advinda com a Lei n.º 11.187/2005, na medida em que restringe a interposição de recursos de decisões interlocutórias. Decisões estas que antes eram passíveis de recurso e ainda iam a julgamento pelo colegiado, ou seja, independentemente da interposição ou não do recurso, a decisão do relator é julgada pela turma. Por vezes, ainda, o julgamento do agravo interno, anteriormente previsto, era julgado ao mesmo tempo em que o recurso originalmente interposto.

Portanto, a revisão pelo órgão colegiado é preservada, sendo desnecessária a previsão recursal da decisão do relator.

A EC/45 traz legitimidade à reforma legal em comento, elucidando o princípio da duração razoável do processo, pois tal Lei diminui o tempo em que as partes ficam discutindo as decisões provisórias por meio de recurso, para o fim de colocar ponto final à lide em um tempo menor.

Logo, há base constitucional para legitimação da reforma legal inserta no Código de Processo Civil, faltando somente legitimação por parte do Poder Judiciário.


6. AUSÊNCIA DE PREVISÃO RECURSAL DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DECORRENTE DO PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 11.187/2005 E O POSSÍVEL RETORNO DO MANDADO DE SEGURANÇA

Insta mencionar que a posição doutrinária acerca do desaparecimento do agravo interno, nos termos dos incisos II e III, do artigo 527, CPC, faz ressurgir o mandado de segurança como meio de combater o decreto de conversão do agravo e as liminares concessivas ou denegatórias de efeito suspensivo.

Em que pese a doutrina assim temer, convém lembrar que as hipóteses de cabimento do mandado de segurança são restritas ao disposto no art. 1º, da Lei n.º 1.533, de 31.12.1951. Vejamos:

“Art. 1º - Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” (g.n.)

O mandado de segurança contra atos judiciais tem por objetivo garantir que o Estado se contenha dentro dos parâmetros da legalidade. É uma proteção contra a inexistência ou falta de eficácia de instrumentos nas normas ordinárias do processo, de forma que evite a consumação de lesão grave e de difícil reparação aos direitos das partes.

Comumente, o objeto normal do mandado de segurança é o ato do Executivo, porém, excepcionalmente, pode ser utilizado contra atos do Legislativo e Judiciário. Fiéis a essa orientação, os tribunais têm decidido, reiteradamente, que é cabível mandado de segurança contra ato judicial de qualquer natureza e instância, desde que ilegal e violador de direito líquido e certo do impetrante e não haja possibilidade de coibição eficaz e pronta pelos recursos comuns.

Nesse ínterim, apesar de o acesso ao judiciário ser irrestrito, a prestação jurisdicional está adstrita aos limites legais, então, caso a parte se valha do instituto mandamental ao arrepio da previsão legal, cabe ao judiciário não amparar tal pretensão, interpretando nos termos da Lei.

Convém trazer à baila, ainda, a sistemática adotada no processo do trabalho, onde não há previsão de recurso de decisão interlocutória, nos termos do artigo 893, §1.º [3], da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso ocorre desde 1943, data da publicação da CLT, e o instituto funciona perfeitamente.

A utilização do mandado de segurança (MS) para impugnar decisão liminar é restrita aos casos da súmula 414 do TST[4], ou seja, se não foi proferida sentença ainda. Só que na justiça laboral a praxe é não recorrer de decisões interlocutórias devido à interpretação restrita das hipóteses de cabimento do instituto, somente nos casos de ilegalidade ou abuso de poder.

Veja-se que no direito processual trabalhista, a regra é a impossibilidade de recorrer de decisão interlocutória, só há exceção no caso de tal decisão ser terminativa e haver, por exemplo, a liberalidade do tribunal, via regimento interno, ou a impetração de MS, que cabe quando há direito líquido e certo.

Destarte, só haverá a impetração de mandado de segurança caso o relator, ao despachar o agravo, não se atenha aos requisitos de admissibilidade do agravo de instrumento, equivocando-se quanto ao procedimento delineado no artigo 527 do CPC. 

Esse deve ser o entendimento a ser perfilhado pela justiça comum, seja ela federal ou estadual, pois assim a mensagem legislativa irá se cumprir, assim como a interpretação razoável do ordenamento jurídico.

Portanto, a alteração legislativa visa a diminuir recursos protelatórios, além de estar inserta no texto constitucional (artigo 5º, LXXVIII, CRFB/88), não ampliando o uso e casos legais do mandado de segurança.


7. CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 rompeu com uma ordem constitucional baseada na ditadura e desrespeito a quaisquer direitos inerentes a qualquer cidadão. Disso decorreu um amplo e irrestrito acesso a direitos, ainda que desarrazoados.

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A vivência processual até agora demonstra que a excessiva previsão de recursos, no intuito de não privar a parte de defesa e manifestação nos autos, sem razoabilidade e sem eficácia, culminou em restringir a parte vencedora do objeto do litígio. É o resumo do ditado popular: “ganha mas não leva”.

Dessa forma, a reforma constitucional advinda com EC 45/2004 trouxe a inclusão da garantia da duração razoável do processo, artigo 5º, LXXVIII. Trata-se de um novo panorama que influi diretamente na sistemática recursal então vigente.

Seguiu-se, assim, a alteração legislativa decorrente da Lei 11.187/2005, que elidiu o agravo interno de decisão do relator nos casos elencados no artigo 527, CPC.

Previsão essa em perfeita consonância com a inexistência do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição para mera decisão provisória, pois não são todas as decisões que devem ser revistas, mas tão somente as que firam direito e sejam julgadas em decisão final.

Convém ainda completar que a impossibilidade de recurso da decisão do relator nos moldes prescritos no artigo 527 não fará ressurgir a ação mandamental, fazendo as vezes de recurso, pois tal instituto só será utilizado e processado caso haja ilegalidade ou abuso de poder na análise dos requisitos taxativos de interposição do agravo na via instrumental. Caso isso ocorra, o mandado de segurança tem seu alcance legal em face da ilicitude que surgirá. Portanto, basta que os julgadores adotem a livre convicção motivada nas suas decisões, o que impossibilitará o uso da referida ação constitucional como meio recursal.

É assim na Justiça do Trabalho, onde as decisões interlocutórias são irrecorríveis e o mandado de segurança não é utilizado como meio recursal a qualquer custo.

Assim, conclui-se pela constitucionalidade e legalidade da reforma advinda com a Lei 11.187/2005, em face da possibilidade de limitação de recursos.

Deixa-se aqui o anseio que mais reformas aconteçam nesse sentido para que a efetivação da prestação jurisdicional se concretize.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2001.

MACHADO, Costa. Código de Processo Civil interpretado. 6ª ed., São Paulo: Manole, 207.

NEGRÃO, Theotonio e José Roberto F. Gouvêa. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 38ª Ed. Atual. Até 16 de fevereiro de 2006. São Paulo: Saraiva, 2006.

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CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3.ed., V. I, Campinas: Bookseller, 2002.

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DIDIER Júnior, Fredie. Direito processual civil.  3.ed., V.. II, Salvador: Juspodium, 2003.

FADEL, Sergio Sahione. Código de processo civil comentado. 7.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.

GRINOVER, Ada Pelegrine. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria geral do processo. 15.ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9.ed., V. II, Campinas: Millennium, 2003.

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WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 2.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.


Notas

[1] Art. 162, §2º, CPC: “Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.”

[2] “LXXVII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

[3] “Art. 893 - Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: (Redação dada pela Lei nº 861, de 13.10.1949)

...

§ 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 8.737, de 19.1.1946)”

[4] Súmula 414 TST: “Nº 414    MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (OU LIMINAR) CONCEDIDA ANTES OU NA SENTENÇA (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 50, 51, 58, 86 e 139 da SBDI-2) - Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005

I - A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso. (ex-OJ nº 51 da SBDI-2  - inserida em 20.09.2000)

II - No caso da tutela antecipada (ou liminar) ser concedida antes da sentença, cabe a impetração do mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio. (ex-OJs nºs 50 e 58 da SBDI-2  - inseridas em 20.09.2000)

III - A superveniência da sentença, nos autos originários, faz perder o objeto do mandado de segurança que impugnava a concessão da tutela antecipada (ou liminar). (ex-Ojs da SBDI-2 nºs 86 - inserida em 13.03.2002 - e 139 - DJ 04.05.2004)”

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Sobre a autora
Tatiana Irber

Procuradora da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IRBER, Tatiana. A nova sistemática do parágrafo único do artigo 527,CPC.: A legalidade da irrecorribilidade da decisão interlocutória e a maior celeridade processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3929, 4 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27210. Acesso em: 3 dez. 2024.

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Instituto de Ensino Luiz Flávio Gomes em parceria com a Universidade da Amazônia – LFG/UNAMA, de Brasília-DF, como exigência para obtenção do título de especialista em direito, no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual: suas grandes transformações.

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