A Medida Provisória 28/02, editada no último dia 04.02.02, pelo presidente Fernando Henrique, amplia o poder dos diretores de presídios e prevê o agravamento das sanções disciplinares de condenados que vierem a ser culpados por infrações ao regime prisional a que estão sujeitos.
Poucas vezes na República uma Medida Provisória violou tantas regras jurídicas. Quanto “besteirol” jurídico!
Vejamos: são absolutamente inconstitucionais seus arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 7º. Cuidam de regime disciplinar diferenciado, sanções disciplinares, faltas graves, local de cumprimento de pena, transferência de presos (pelo diretor) etc.. Logo, dizem respeito à forma da execução penal. Em outras palavras, são normas penais.
Esqueceu-se o Presidente da República que depois da Emenda Constitucional n. 32/01 (art. 62, § 1º, I, “b”, da CF) ele definitivamente não pode adotar medidas provisórias sobre Direito penal ou Processo penal.
O Presidente não pode legislar sobre “crime”, “pena” ou “castigos” (particularmente quando graves) dos presos. Quanto a essas matérias só a União (pelo Congresso Nacional) pode legislar (CF, art. 22). Há reserva de competência legislativa.
Ainda sobre elas vigora, como sabemos, não só o princípio da legalidade (CP, art. 1º; LEP, art. 2º; CP, art. 40) senão sobretudo o da reserva legal (CF, art. 5º, inc. XXXIX), que exige aprovação insubstituível do Congresso Nacional.
Toda medida provisória, ademais, por natureza, é transitória. Tanto assim que perde a eficácia alguns dias depois de publicada se o Congresso não a transformar em lei. Como condenar alguém por um crime ou impor uma pena ou uma sanção drástica a um preso com fundamento numa legislação que é transitória, provisória, leia-se, que pode perder a eficácia rapidamente?
Praticamente tudo que a Medida Provisória 28/02 regulamentou (nos artigos acima mencionados) afeta diretamente o ius libertatis (regime disciplinar diferenciado, pena em cela individual, transferência do preso, isolamento etc.). E ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (leia-se: sem lei formal prévia).
Considere-se, ademais, o seguinte: juízo competente para a execução é o do local onde se encontra o preso. A transferência do preso (pelo diretor do presídio) implica, como se vê, em mudança da competência do juízo da execução, que é matéria de processo penal. Sobre isso não pode o Presidente legislar!
A referida medida provisória, de outro lado, não fosse inequivocamente inconstitucional, na parte em que cuida da execução penal, não teria nenhuma eficácia, de qualquer modo, porque estaria totalmente em desacordo com a Lei Complementar 95/98, cujo art. 8º só permite que as leis de pequena repercussão entrem em vigor na mesma data de sua publicação.
Depois de feitos os expurgos de inconstitucionalidade, sobraram o art. 5º (possibilidade de instalação de aparelhos detector de metais) e o art. 6º (possibilidade de instalações e equipamentos que permitam atos processuais à distância, por videoconferência, por exemplo). Pouco mais do que medidas cosméticas.
Com a Lei de Execução Penal deu-se um passo decisivo contra a ditadura dos regulamentos penitenciários. Sob a égide do Estado Democrático de Direito esta ditadura está sendo restabelecida sob a forma de (inconstitucionais) medidas provisórias!
Em menos de um mês (depois da morte do Prefeito Celso Daniel) conseguiram transformar a séria e gravíssima questão da segurança pública no maior besteirol deste ano eleitoral (cf. nossas críticas contra as medidas antiviolência no site www.estudoscriminais.com.br).
Veja mais detalhes sobre a inconstitucionalidade da Medida Provisória 28/02 no nosso site www.estudoscriminais.com.br (seção artigos).