“El cerebro es la respuesta, no importa cuál sea la pregunta”. ANÔNIMO
A “neuro” está de moda. E o está porque cresce a convicção de que o saber neurocientífico é transversal a todos os demais, que estudar as bases cerebrais de nossa forma de saber e de como devemos atuar é dar com o núcleo do “que fazer” humano em todas suas dimensões.
O estudo do “cérebro em ação” (a localização de distintas atividades do cérebro, os vínculos que existem entre as distintas zonas e também as próprias atividades em si) que, ao parecer, permitem algumas novas tecnologias, exige um novo saber interdisciplinar (uma radical interdisciplinaridade) para averiguar o que podemos saber e, a partir daí (desta base), decidir o que devemos e o que queremos fazer no âmbito da moral, do direito, da política, da religião e da arte.
Mas, estão os cientistas criando um mundo ambicioso que resultará na imposição de uma revolução lenta, silenciosa, destrutiva e subversiva dos “valores humanos” até agora ancorados na tradição? Avizinha-se uma nova forma de pensar e entender a conduta humana? Que códigos possuem o cérebro que modelam a ética, a responsabilidade pessoal, o sentido da justiça e da igualdade, os vínculos sociais relacionais, as transações sociais, econômicas e jurídicas, a arte, o sagrado e até mesmo a “arte” de interpretar? Donde se encontram no cérebro as emoções sociais, o livre-arbítrio, os juízos e os raciocínios morais? Que tem que ver a boa neurociência com o direito e a jurisprudência?
Os estudos da natureza da mente e do funcionamento do cérebro começam a chegar à filosofia moral de uma maneira cada vez mais contundente. De forma direta ou indireta, não param de lançar novas luzes sobre questões antigas acerca da racionalidade humana, da moralidade, do bem e do mal, do justo e do injusto, da vontade livre, da "rule of law" e das relações entre os indivíduos. A cada dia que passa sucedem-se novas tecnologias e investigações para obtenção de imagens detalhadas do cérebro em funcionamento e cuja finalidade consiste em estudar as bases cerebrais da conduta ou agência moral. Como disse em certa ocasião Patricia Churchland, é já impossível falar da mente, da consciência, das crenças ou do “eu” apelando à introspecção, sem ter em conta os avanços das neurociências sobre o funcionamento do cérebro.
De fato, graças às investigações levadas a cabo pelas (boas) neurociências, o desenho do cérebro que está aparecendo aponta já algumas pistas dignas de menção. Em primeiro lugar, a confirmação daquelas hipóteses lançadas por Crick e Koch (1990) acerca da consciência como uma atividade sincronizada de neurônios que se encontram situados em zonas distintas do cérebro (redes neuronais). Já sabemos, entre muitas outras coisas, que na tarefa de realização de juízos morais (assim como de juízos normativos no direito e na justiça) é essencial a conexão fronto-límbica (Damasio, 1994; Adolphs et al, 1998; Greene et al., 2001 e 2002; Moll et al., 2002 e 2003; Goodenough & Prehn, 2005; Hauser, 2006). Sabemos que a percepção estética implica a ativação do córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (Cela-Conde et al. 2004 e 2009) e que a capacidade para apreciar a beleza difere entre homens e mulheres no que se refere ao cérebro (isto é, que quando as mulheres avaliam diferentes estímulos em relação à beleza se ativam regiões no lobo parietal dos dois hemisférios cerebrais, enquanto que no caso dos homens essa ativação se dá preferentemente no hemisfério direito). Sabemos como se realiza o processamento das cores, formas e movimentos a partir dos centros visuais primários do córtex occipital (Zeki & Marini, 1998; Bartels & Zeki, 1999; S. L. Macknik & S. Martínez-Conde, 2012), e a ativação neuronal relacionada com a identificação de objetos percebidos mediante a visão (Heekeren, Marrett, Bandettini & Ungerleider, 2004).
Também sabemos dos “neurônios espelho” que, longe de ser uma mera curiosidade, são muito importantes para compreender a maioria dos aspectos da natureza humana, como a avaliação dos atos e intenções dos demais decorrente de nossa capacidade de elaborar uma “teoria da mente” (ou para “simular” estados mentais), para comunicar nossas intenções e sentimentos, assim como para compreender e prever o comportamento, as intenções e sentimentos de nossos congêneres (Rizzolatti et al., 2001 e 2006; Ramanchandran, 2008; Iacoboni, 2009; Damasio 2010; Gazzaniga, 2010). Sabemos que a memória é falível, distribuída, reconstrutiva e com frequência manipulada, e que nosso cérebro está constituído por uma coleção de módulos que trabalham em paralelo com complexas interações (redes neuronais), a maioria dos quais atuam fora do alcance de nossa consciência.
Hoje já é possível ver como diferentes estruturas e subestruturas do cérebro geram sentimentos e emoções, medir o sinal elétrico de neurônios individuais, mapear a atividade neuronal que conforma os pensamentos de uma pessoa, assinalar alterações cerebrais que são o resultado de experiências traumáticas antigas e compreender de que maneira essas experiências produzem câmbios físicos em partes do cérebro sensíveis ao stress...
O certo é que em pouco tempo os ramos “neuro” da filosofia vão recebendo cada vez mais atenção. Parece que aos seres humanos seguem preocupando em primeira instância tratar de averiguar “como orientar a ação” e, dessa modo, indagar sobre a formação dos juízos morais, a estimação dos valores, a tomada de decisões em condições de incerteza, a forja das virtudes, a formação dos deveres, as possibilidades da ação livre, a percepção da beleza e do sagrado, e o desenho de instituições políticas, jurídicas e econômicas capazes de ajudar-nos a viver segundo nossos valores e normas (Adela Cortina, 2012).
Investigar se esses valores e normas estão incrustados no cérebro ou se, tendo uma base cerebral, surgem da cultura é sem dúvida um dos mais apaixonantes desafios. “The study of morality is one of the most exciting and dynamic areas of cognitive science today”, afirmam P. Churchland e C. Suhler (2011). Assim que “o que devemos” ou “o que podemos” fazer e “o que nos cabe esperar” seguem sendo perguntas da filosofia que agora há que responder com a ajuda da boa neurociência para saber de forma mais acabada que é e em que consiste ser humano.
No que à ciência jurídica concerne, não restam dúvidas que as consequências dessas investigações científicas não são menos importantes e impactantes. Por exemplo, se assumimos a perspectiva de que nossas intuições e juízos morais são respostas intuitivas, baseadas emocionalmente, a razão (no caso, o razoamento ou a “imaculada” racionalidade jurídica), não fará senão construir o melhor argumento possível para uma decisão (ou discurso jurídico) que já está tomada sobre bases não racionais: uma “simples” racionalização post-hoc. O que implicaria que o desejo de proporcionar uma justificação exaustivamente racional para as interpretações e decisões jurídicas é falacioso e descabelado e/ou que a fantasia (hiper) racionalista de demonstrar que os discursos jurídicos se baseiam em premissas exclusivamente racionais é incoerente e devemos abandoná-la.
Também trazem à baila questões fundamentais acerca do fato de que a natureza humana não somente gera e limita as condições de possibilidade de nossas sociedades senão que, e muito particularmente, guia e põe limites ao conjunto institucional e normativo que regula as relações sociais. Por exemplo, uma vez que é simplesmente impossível saber o significado absoluto, natural ou ideal da noção de justiça e que trata-se de algo que devemos ir construindo continuamente, é melhor se tivermos em conta as restrições e possibilidades que nos impõe a natureza humana[1].
Sem olvidarmos, claro está, de outros aspectos distintivos e característicos do comportamento humano à hora de decidir sobre o sentido da justiça concreta, da vontade livre, da responsabilidade pessoal, da racionalidade das interpretações jurídicas, da existência de universais morais..., determinados pela natureza psicobiológica de nossa arquitetura cognitiva (neuronal).
A ideia básica consiste em que o direito somente adquire uma base (mais) segura quando se vincula à nossa arquitetura cognitiva altamente diferenciada, plástica e especializada, isto é, a partir de um quadro mais realista da natureza humana, unificada e fundamentada na herança genética e desenvolvida em um entorno cultural. Quer dizer, de que não é possível compreender o sentido profundo do Direito e da moral sem abordar antes a complexidade de nossa mente e do cérebro que os habilitam e que os sustenta; um conjunto que administra e gera o sentido da identidade, personalidade e conduta, da percepção do outro e da intuição de nossa própria condição enquanto seres morais.
Desde esta perspectiva, o sentido do direito e da justiça não é o oposto da natureza humana, senão que forma uma parte integrada da mesma. Os códigos e enunciados normativos da espécie humana como um todo – dos valores éticos aos direitos humanos – são uma consequência peculiar de nossa própria humanidade (enraizada no funcionamento, desenvolvimento e evolução do cérebro) e esta, por sua vez, constitui o fundamento de toda a unidade cultural. É muito melhor compreender a natureza humana como realmente é que persistir em uma ilusão, por satisfatória e tranquilizadora que seja.
Depois de tudo, somente os seres humanos dispõem da autoconsciência de possuir direitos e deveres, de sentido da justiça (e rechaço à injustiça) baseado no castigo altruísta e são os únicos capazes de levar a cabo “a execução de uma norma comum a um grupo” (J. Haidt, 2012); e os têm precisamente em seu cérebro, na forma de representações plasmadas em suas conexões neuronais. Toda nossa conduta, nossa cultura e nossa vida social, tudo quanto fazemos, pensamos e sentimos depende de nosso cérebro. Se originam em nossas faculdades da percepção, do pensamento e da emoção, e se acumulam e difundem através da dinâmica epidemiológica em que uma pessoa contagia a outras.
O cérebro humano, sede de nossas ideias, emoções e sentimentos, de nossos temores e esperanças, de nossas alegrias e penas, de nossas memórias e ambições, do sentido da identidade pessoal, do prazer e do sofrimento, do amor e da linguagem, da racionalidade e da intuição, da arte e da liberdade..., é o único meio através do qual os valores chegam ao mundo. Se em algum órgão se manifesta a natureza humana em todo o seu esplendor é sem dúvida em nosso volumoso cérebro. O resto é mitologia.
Também não está de mais dizer que é precisamente o cérebro que nos permite dispor de um sentido moral, o que nos proporciona as habilidades necessárias para viver em sociedade, para interpretar e dar sentido ao mundo, para tomar decisões e solucionar determinados conflitos sociais, e o que serve de base para as discussões e reflexões filosóficas mais sofisticadas sobre direitos, deveres, justiça e moralidade.
Seja como for, o que resulta evidente é que já não podemos manejar-nos na filosofia e na ciência do Direito do século XXI baseados em uma psicologia humana impossível, com uma ideia de natureza humana, do cérebro e da mente procedente do século XVII e nem tão pouco trabalhar com os métodos do século XIX. Como recorda Steven Pinker (2013), “cuando leo a Descartes, Spinoza, Hobbes, Locke, Hume, Rousseau, Leibniz, Kant, Smith, me asalta a menudo la tentación de viajar hacia atrás en el tiempo para ofrecerles alguna pieza de ciencia fresca del siglo XXI que pudiera llenar algún hiato en sus argumentos o servirles para dar un rodeo y salvar algún obstáculo atravesado en su camino. ¿Qué no habrían dado estos Faustos por disponer de ese conocimiento? ¿Qué no podrían haber logrado, muñidos y pertrechados con el mismo? […] La nuestra es una época extraordinaria para la comprensión de la condición humana. Problemas intelectuales que proceden de la antigüedad resultan ahora iluminados por los fogonazos procedentes de las ciencias de la mente, del cerebro, de los genes y de la evolución.”
Assim as coisas, parece que, de fato, “não existe para o homem investigação científica mais importante que a que tem por objeto seu próprio cérebro, [...] a única esperança que tem o homem para compreender-se a si mesmo e cobrar consciência das possibilidades de controlar o órgão do que depende todos os seus pensamentos e ações (Francis Crick e R. Levi-Montalcini, 2013). Nas palavras de V. S. Ramachandran (2008), nenhuma empresa humana é mais vital que esta para o bem estar e a sobrevivência da raça humana. Recordemos, conclui o autor, que a política, a moral, a justiça e o próprio direito têm suas raízes no cérebro humano.
[1] E uma vez que a natureza humana condiciona essencialmente o modo em que definimos os valores, não se trata tanto de distinguir entre fatos e valores, dando por suposta a existência de dois reinos metafisicamente separados, senão de preferir uns fatos sobre outros tendo em conta as restrições culturais e neurobiológicas.