A boa fé e os direitos fundamentais laborais como instrumentos limitadores do poder de direção empresarial

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27/03/2014 às 16:35
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3. A BOA FÉ E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS COMO INSTRUMENTOS LIMITADORES DO PODER DIRETIVO EMPRESARIAL

3.1. A boa fé na relação de emprego

3.1.1. Noções gerais

O termo “boa-fé”, genericamente, deriva da expressão latina bona fides, significando crença, confiança, sinceridade e fidelidade. A boa-fé, nesse passo, pode ser compreendida como a valoração ético-social que norteia a atitude dos seres humanos, considerando-se para tanto o padrão moral médio de conduta dos indivíduos. Nessa perspectiva a boa-fé nada mais é que a valoração moral da conduta de um indivíduo, a qual o direito atribui alguns efeitos, quando da análise dos atos jurídicos.

No entanto, em que pese a clareza do termo, o Direito Positivo acabou por analisar e adotar o conceito de boa-fé sob dois prismas: uma acepção objetiva e uma acepção subjetiva. A diferenciação entre ambas é precisamente traçada por Fernando Noronha71:

“Mais do que duas concepções da boa-fé, existem duas boas-fés, ambas jurídicas, uma subjetiva, a outra objetiva. A primeira diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito, a segunda a elementos externos, à norma de conduta, que determinam como ele deve agir. Num caso, está de boa-fé quem ignora a real situação jurídica; no outro, está de boa-fé quem tem motivos para confiar na contraparte. Uma é a boa-fé estado, a outra, boa-fé princípio”.

Alhures denota-se que a boa-fé em acepção subjetiva, é aquela que pode ser considerada como fato suscetível de valoração e prova. Trata-se de situação em que o agente do fato acredita estar agindo em consonância e conformidade com a lei e com os princípios do ordenamento jurídico, ignorando por completo a real situação da coisa ou pessoa envolvida, baseando-se em erro quando externou sua vontade e celebrando negócio jurídico.

Por seu turno, a boa-fé em sua acepção objetiva está intrinsecamente associada à ideia de lealdade, honestidade, sendo valorada na medida dos efeitos que a lei e os princípios jurídicos atribuem ao fato em análise. Com efeito, a boa-fé objetiva é aquela que não precisa ser provada, pois é inerente ao comportamento sincero esperado pela moral e pelos bons costumes, quando da celebração de um negócio jurídico.

Maria Helena Diniz72, sobre o tema, assevera brilhantemente:

“O princípio da boa fé objetiva está intimamente ligado não só à interpretação do negócio jurídico, pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes, mas também ao interesse social da segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade, retidão e probidade durante as negociações preliminares, a formação, execução e extinção do ato negocial, e também de conformidade com os usos do local [...] em que o ato negocial foi por elas celebrado”.

Estas acepções chancelam a assertiva de que as relações contratuais sofreram grandes modificações nas últimas décadas, o que culminou com a necessidade de mudanças e de meios mais eficazes para proteger os contratantes que se vinham submetendo de maneira desigual a contratos de antemão elaborados, impessoalmente e em larga escala73.

Ademais, reforçando a importância do tema, com a edição do Código de Defesa do Consumidor - CDC houve a positivação da boa-fé em seu aspecto objetivo como princípio inerente às relações contratuais, impondo-o como um dever das partes, quando da celebração de um contrato. A boa-fé é tratada pelo artigo 4º, inciso III, do CDC, como princípio norteador das relações contratuais, senão vejamos:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170. da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre fornecedores e consumidores”.

Por sua vez, o novo Código Civil de 2002 traz em seu artigo 422, que não possui correspondente no Código de 1916, previsão acerca da observância do princípio da boa-fé: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Destarte, como se sabe, o Direito do Trabalho tem origem no Direito Civil, alcançando sua autonomia por fatores das variadas ordens, tais como a complexidade da matéria, a homogeneidade da doutrina, a metodologia específica e a sistematização normativa, esta inclusive em sede constitucional, mas principalmente pela distinção material intransponível existente entre os contratantes.

Contudo, sendo o contrato de trabalho a base da vinculação entre empregado e empregador e a causa - direta ou indireta - de todos os direitos e deveres das partes, se faz inevitável à influência de regras e princípios caros ao direito comum74, se compatíveis com a dogmática juslaboral, dicção expressa do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT75.

Alhures, como expoente desta sistemática, o Princípio da Boa-Fé Objetiva, cuja importância, por assim dizer, transcende a esfera acessória dos negócios jurídicos, acaba por exercer papel de verdadeiro norte aos contratantes, por um agir diligente e livre de vícios, também no âmbito empregatício, como se verá adiante.

3.1.2. A boa fé objetiva e sua aplicação na relação de emprego

Precipuamente, cumpre esclarecer, por oportuno, que dúvidas não pairam na doutrina pátria sobre a incidência do princípio da boa fé objetiva no direito do trabalho, seja no âmbito individual, seja no âmbito coletivo do trabalho, vez que, em que pese a inserção do retrocitado principio no ramo da ciência jurídica ter ocorrido, flagrantemente, no contrato individual de trabalho, o que de certa maneira se justifica ante a hipossuficiência do empregado frente ao empregador, o mesmo aplica-se, limpidamente também ao ramo coletivo.

Nesse diapasão, assevera Francisco das Chagas Lima Filho76:

“De outro lado, o princípio da boa-fé que, indubitavelmente incide nas relações laborais, na medida em que, como princípio geral (art. 422. do Código Civil) informa todo o ordenamento jurídico, gera deveres recíprocos no contrato de trabalho. A inserção do princípio da boa-fé no Direito do Trabalho na atualidade [...] parece não mais merecer nenhum reproche ou questionamento, pois o dever de atuar com fidelidade, lealdade e que tem relação direta com os critérios de colaboração e solidariedade das partes, tem implicação no contrato individual de trabalho constituindo um limite ao poder de direção empresarial balizando o atuar empresarial na fase pré-contratual, na execução do contrato e posteriormente ao rompimento deste”.

No mesmo sentido, Mauricio Godinho Delgado77, assevera que o referido princípio se encontra claramente inserido em distintas normas justrabalhistas que tratam dos limites impostos à conduta de uma parte em confronto com os interesses da outra parte contratual, remetendo-se aos artigos 482 e 483 da CLT, que tratam dos casos de justa causa para rescisão contratual e rescisão indireta do contrato, respectivamente.

Nesse diapasão, conclui-se que embora as obrigações principais de empregado e empregador sejam prestar trabalho e pagar salários, não há como deixar de reconhecer a complexidade alcançada pela relação de emprego, verdadeiro feixe obrigacional, sendo que notória a relevância do agir ético por ambos os sujeitos envolvidos na relação empregatícia, seja na fase pré-contratual, contratual ou pós-contratual.

Com efeito, chancela Sabrina Zein78:

“Os deveres decorrentes do princípio da boa-fé devem informar a relação de emprego como um todo, desde a admissão até a rescisão, resguardados, ainda, os deveres pós-contratuais, a exemplo das cartas de referências e da vedação à constituição das “listas negras”. A aplicação desse princípio, considerado o novo enfoque solidário das relações contratuais, deve proporcionar um status de confiança entre trabalhador e empregador, resguardando assim os direitos de ambos, sobretudo no que tange à saúde e a segurança do trabalhador. O empregador deve dar noções exatas das condições de trabalho do empregado e este por sua vez deve respeitá-las, agindo de igual maneira com transparência e lealdade”.

Com efeito, e exemplificando a aplicação defendida, na fase anterior à admissão do trabalhador (pré-contratual), por força da boa fé objetiva, devem os contratantes evitar a criação de falsas expectativas no outro, fornecendo informações verídicas a respeito de tudo o que for relevante ao ajuste, independentemente de solicitação, tal como experiências prévias, conhecimentos técnicos, valores de salários, horários de trabalho e benefícios, sempre observados os limites estabelecidos em lei (art. 373-A, inciso IV, da CLT 79 ).

Ainda, e já adentrando na vigência do pacto laboral, a observância do princípio em comento pelos sujeitos da relação empregatícia, é mais latente e necessária, dada a multiplicidade de direitos e deveres de cada um, seu trato sucessivo e prazo indeterminado, sendo que, exemplificadamente, o rol dos arts. 482 80 e 483 81 CLT descrevem de modo genérico condutas atribuíveis aos integrantes da relação de emprego, cuja gravidade pode amparar sua terminação.

Ainda, mesmo após o término do pacto laboral, seguem as partes com algumas obrigações recíprocas, nem sempre expressas e por isso atribuídas a observância do princípio da boa-fé, como, por exemplificação, os deveres de guardar sigilo por segredos industriais e dados privilegiados, de não prestar informações falsas e difamatórias, de não agir de modo a causar constrangimento público ou embaraço à recolocação no mercado ou, ainda, de manter benefícios não suprimidos tão-logo findo o contrato.

Nesse prisma, trabalhadores e empregadores devem cumprir suas obrigações e exercer suas faculdades, direitos e poderes também de acordo com o princípio da boa-fé, na medida em que esta é concebida como norma de comportamento legal e honesto de ambas as partes. Hoje em dia, se exige a boa-fé não só do trabalhador, mas, sobretudo, do empresário. Por isso, a boa-fé pode se converter em um meio eficaz, juntamente com os direitos fundamentais, de limitação e controle dos poderes empresariais fazendo ociosa a referência a outras noções, como o interesse da empresa82.

Ainda, ao se reconhecer a necessidade da boa-fé como princípio informador da relação de emprego, coloca-se aberta uma chance de reestruturação do mercado de trabalho, buscando um contrato mais transparente e equilibrado, o que proporcionaria maior dignidade aos trabalhadores e, de certa forma, segurança ao empregador83.

4.2. Os direitos fundamentais laborais e sua aplicação a relação de trabalho

Em se tratando da temática referente aos direitos fundamentais, de maneira ampla, o mestre Paulo Bonavides84, utilizando-se do espectro de Carl Schmitt, estabelece duas matrizes para análise da matéria: uma matriz formal, que por sua vez, se subdivide em mais dois critérios; e uma matriz material, merecedoras de menção.

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Quanto à matriz formal, pelo primeiro critério, assevera que podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo critério, ainda formal, os direitos fundamentais, para o Autor citado, seriam aqueles direitos que receberam da constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança, ou seja, são imutáveis ou pelo menos de mudança dificultada.

Quanto à matriz material, os direitos fundamentais, ainda segundo o constitucionalista, os direitos fundamentais variam de acordo com a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a constituição consagra, ou seja, cada determinado Estado tem seus direitos fundamentais específicos.

Tais conceituações são caras ao direito do trabalho, no que concerne a existência de direitos fundamentais do trabalho que encontram-se presentes no âmbito da relação empregatícia e que são merecedores de observação pelas partes envolvidas no pacto laboral (empregado e empregador).

Para Maurício Godinho Delgado85, em obra específica, os direitos fundamentais do trabalho, na vertente histórica da democracia no Ocidente e na matriz constitucional mais avançada, inclusive no plano da atual Constituição da República brasileira, confundem-se com o Direito do Trabalho, principalmente em seu plano regulatório do contrato bilateral entre empregador e empregado. Para o autor, esse plano normativo de regulação do contrato de emprego assegura o mais elevado padrão de afirmação do valor-trabalho e da dignidade do ser humano em contextos de contratação laborativa pela mais ampla maioria dos trabalhadores na sociedade capitalista.

Aduz ainda o retrocitado Autor86:

“No Brasil, esse padrão está dado por distintos princípios e regras normativas. Em primeiro plano, as regras e princípios trabalhistas inseridos na Constituição da República. Ilustrativamente, em seu “Preâmbulo”, em seus “Princípios Fundamentais” – arts. 1º a 4º –, em algumas dimensões normativas de seu art. 5º; nos arts. 6º e 7º, especificadores de inúmeros direitos sociais fundamentais. Também está presente em certos dispositivos de Direito Coletivo, regulatórios de direitos fundamentais, constantes dos arts. 8º até 11 (embora aqui não se possa dizer, evidentemente, que todo o modelo coletivo constitucional, inclusive na parte de clara inspiração e dinâmica não necessariamente democráticas, corresponda a direito fundamental do trabalho)”.

Alhures pode-se sustentar, com o escopo no até aqui exposto, que os direitos fundamentais se encontram presentes nas relações individuais e coletivas de trabalho. Tal assertiva é verificada em razão da previsão constitucional de inúmeros direitos relacionados ao trabalhador, muitos deles voltados à proteção destes frente ao particular empregador. Neste sentido, o artigo 7º da Constituição Federal de 1988 enumera diversos direitos trabalhistas, buscando garantir uma melhoria na condição social destes trabalhadores87.

Nessa perspectiva, o conceito de direito fundamental do trabalho está presente, sem sombra de dúvida na Constituição, por meio dos princípios, valores e fundamentos das ordens econômica e social, que sejam afirmativos da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho. É o que se passa, por exemplificação, com o art. 170. (“Princípios Gerais da Atividade Econômica”), com o art. 193. (“Disposição Geral” relativa à “Ordem Social”), com os arts. 196. e 197, além do art. 200, II e VIII (todos tratando da saúde), também com o art. 205. (tratando da educação), além dos arts. 225. e 227, que tratam das garantias a crianças e adolescentes no País (em acréscimo à regra protetora já lançada no art. 7º, XXXIII, da mesma Constituição).

Ademais, afirma-se ainda que os direitos fundamentais do trabalho estão presentes ainda nos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil, observada, é claro, o regramento previsto no art. 5º, § 2º, CF/8888, bem como na legislação heterônoma estatal , a qual completa o padrão mínimo de civilidade nas relações de poder e de riqueza inerentes à grande maioria do mercado laborativo.

Com efeito, assevera Arnaldo Boson Paes89:

“Os direitos fundamentais com repercussão no contrato de trabalho manifestam-se de duas formas. Primeiramente, os direitos fundamentais específicos dos trabalhadores, que somente a estes são reconhecidos e que emergiram com o constitucionalismo social. [...] Ao lado desses direitos fundamentais específicos, os trabalhadores possuem outros direitos fundamentais de caráter geral que são exercidos no âmbito da relação de trabalho. Os direitos fundamentais não especificamente laborais são assegurados a todas as pessoas ou cidadãos, mas que podem ser exercidos pelos sujeitos do contrato a propósito e no âmbito da relação de trabalho”.

Nessa perspectiva, quanto a aplicação dos direitos fundamentais nas relações de emprego, faz-se mister destacar que os direitos fundamentais funcionam, nesse sentido, como vetores que conformam a atuação do Estado e funcionam como postulados interpretativos da Constituição e da legislação ordinária, incluindo a legislação trabalhista, vez que, saliente-se, os direitos fundamentais impregnam todo o ordenamento jurídico através de sua dimensão objetiva, de modo a garantir a dignidade humana sempre que esta se encontrar em situação de perigo.

Em verdade, a própria estrutura brasileira demanda uma atuação efetiva na proteção dos direitos fundamentais, haja vista que o país ainda sofre com os problemas relacionados à desigualdade social. Fator importante no tocante a esta desigualdade é o trabalho. Não existe emprego para todos e estes, quando existentes, não são capazes de garantir o mínimo existencial para uma vida digna90.

Assim, a estrutura propriamente dita do contrato de trabalho vem a demonstrar uma necessidade de observância dos direitos fundamentais no âmbito deste tipo de pacto, haja vista que o trabalhador, ao celebrar esse contrato, cede ao empregador sua força de trabalho, de modo a gerar uma relação de “dependência” entre estes, ou seja, o empregador depende da força laborativa do empregado para a realização de sua atividade enquanto o empregado depende daquele emprego para sua subsistência, via de regra.

Tendo em vistas esse cenário, observa-se que, em decorrência dessa relação de “dependência”, já exemplificada, surgem diversas limitações à liberdade pessoal do trabalhador, bem como ofensas aos seus direitos fundamentais. Contudo, tais limitações e ofensas não podem e nem devem ficar à mercê da vontade do empregador, devendo ser tuteladas pelo direito do trabalho.

Verifica-se, portanto, que o trabalhador é titular de direitos fundamentais individuais na condição de trabalhador. Contudo, também se observa que o empregado é portador de direitos fundamentais na condição de cidadão, reconhecendo-se os direitos elencados na seara trabalhista (artigo 7º da CF), bem como aqueles direitos inerentes aos demais cidadãos previstos no texto constitucional bem como também se reconhecer que o empregador é titular do poder diretivo inerente ao contrato de trabalho, merecendo estes direitos uma necessária e legítima conciliação.

Referida conciliação de direitos visa garantir a dignidade do trabalhador enquanto cidadão, evitando-se que o sujeito seja tratado como mera mercadoria integrante do contrato de trabalho, ao passo que o empregado é muito mais do que somente uma força laborativa, que pode ser substituída a qualquer tempo, e sim, como assevera Adriana Wyzykowski91, é:

“(...) um ser humano e como ser humano integrante do ordenamento jurídico deve ser tratado como tal, de maneira a serem assegurados direitos inerentes à sua condição de cidadão, bem como os direitos trabalhistas. Por conseguinte, a inserção dos direitos fundamentais nas relações de emprego funcionaria como meio de driblar as desigualdades promovidas no ordenamento brasileiro, principalmente no tocante às injustiças sociais cometidas contra o trabalhador”.

Nesse diapasão, o trabalhador deve ser visto como sujeito de direitos trabalhistas, sem que seja esquecida sua condição de cidadão, ainda que no âmbito laboral em confrontação com o poder diretivo do empregador, como passamos a defender, acrescentando ainda a observância do princípio da boa fé, já esposado.

3.3. Por uma conciliação entre direitos fundamentais do trabalhador, boa fé e poder diretivo

Conforme exposto, o empregador é detentor do poder de direção empresarial, poder este legitimado em âmbito constitucional e infraconstitucional, que consiste na prerrogativa de determinar as regras de caráter predominantemente técnico-organizativas que o trabalhador deve observar no cumprimento da obrigação laborativa92.

Todavia, conforme também esposado, o exercício deste poder não pode se dar de forma absoluta pelo empregador, de modo que o mesmo ordenamento jurídico que legitima seu exercício também acaba por limitá-lo, frente a situações que envolvam necessária “ponderação”, como é o caso de confrontação entre tal poder e os direitos fundamentais do obreiro, bem como frente à necessária observância da boa fé, ambas temáticas, conforme exposto, aplicáveis a relação de emprego.

Destarte, desta forma, a boa fé e os direitos fundamentais laborais acabam por funcionar como balizas ao poder de direção empresarial, impedindo, por assim dizer que a dignidade do trabalhador, enquanto pessoa humana seja afetada pelo exercício abusivo e/ou ilegal daquela prerrogativa, sendo este o objeto que buscamos neste trabalho: demonstrar que àquelas garantias limitam o poder de direção empresarial, e ao mesmo tempo, pugnar por uma conciliação entre direitos fundamentais, boa fé e poder diretivo.

Quanto à questão da conciliação dos direitos fundamentais com os poderes empresariais deve-se registrar a existência de uma eficácia horizontal permitindo que haja a colisão entre normas de direitos fundamentais e aquelas que garantem os poderes empresariais. Nesta hipótese, o conflito é resolvido de acordo com princípio da proporcionalidade através do qual o julgador deve fazer uma ponderação entre os eventuais direitos em jogo93.

Referido princípio também é apontado por Maurício Godinho Delgado94 dentre outros instrumentos utilizados para a ponderação dos valores em conflito, ao afirmar que:

“Na zona de tensão entre princípios e prerrogativas aparentemente conflitantes, as diretrizes jurídicas cardeais da proporcionalidade, da razoabilidade, do não-abuso do direito, todas, em conjunto, devem iluminar o intérprete conclusivo do Direito no tocante ao correto enquadramento jurídico da situação enfrentada. É que não há princípio, nem direito absoluto na ordem jurídica; embora possa haver até mesmo uma certa prevalência e gradação entre eles, isto não significa que, regra geral, não devam todos ser exercidos na justa proporção. Em conseqüência, não podem ser tidos como absolutos nem o princípio protetor da privacidade e intimidade do empregado, nem as prerrogativas empresariais de direção, fiscalização e punição”.

Sobre o tema, ainda adverte Francisco das Chagas Lima Filho95:

Todavia, vale anotar que, quanto às relações privadas, não existe colisão verdadeira com os direitos fundamentais, na medida em que eventuais conflitos devem ser resolvidos de acordo com as regras da autonomia privada através de uma mediação tomando-se em conta o conteúdo e os limites dos direitos em jogo: leva-se em consideração o princípio da concordância prática, em que a delimitação dos conteúdos constitucionalmente reconhecidos deve ser sopesada em cada caso concreto”.

Com efeito, visando esta necessária conciliação entre direitos fundamentais do trabalhador e poder de direção empresarial, através da aplicação do principio da proporcionalidade e da concordância prática, Francisco das Chagas Lima Filho96 pugna por uma garantia de sistema de direitos através do labor hermenêutico dos Tribunais, especialmente do Tribunal Constitucional, asseverando ser necessário criar mecanismos de facilitação do acesso à justiça com a introdução de regras processuais que aumentem os poderes do juiz, nomeadamente quanto à prova dando-se, em consequência, maior efetividade às normas do processo, visto que aos juízes e Tribunais está reservada um dever-função de assegurar, por forca de suas decisões, os direitos e liberdades dos cidadãos.

É dizer: a matriz basilar da proteção aos direitos fundamentais é o controle judicial, pois somente quando o direito pode ser alegado por seu titular ante uma Corte de Justiça instando sua restauração e preservação (quando violado ou danificado), é que se torna possível se falar, limpidamente, em sentido integral de proteção. Tal cenário, não se afasta dos direitos fundamentais do trabalhador frente ao poder de direção do empregador, na medida em que se este último for exorbitante, de modo a ferir o primeiro, cabe ao empregado à provocação ao Judiciário a fim de ver àquele ato repelido de sua esfera jurídica.

Ainda, reforçando a importância do tema, chancela Francisco das Chagas Lima Filho97, sobre a necessária observância e conciliação entre poder diretivo e direitos fundamentais do trabalhador:

“Na verdade, os direitos fundamentais laborais somente poderão torna-se efetivos com a consolidação de um sistema de emprego que garanta no campo prático trabalho digno à maioria dos cidadãos, o que o Direito não tem a aptidão de conseguir, máxime porque o sistema de consolidação dos direitos fundamentais laborais encontra-se inexoravelmente ligado ao trabalho estável e a prestação ou medidas de proteção contra o desemprego, cuja realização depende não apenas da edição de normas, mas, principalmente, de uma política econômica que seja capaz de gerar trabalho e riqueza para todos ou pelo menos para a maior parte dos trabalhadores o que, aliás, é recomendado pelo art. 3º da Carta da República”.

Nesse diapasão, defende-se que o direito do trabalho deve ser visto como um direito fundamental num todo, permitindo que qualquer que seja a posição jurídica, passível de ser a ele reconduzida, adquira fundamentabilidade material necessária à sua proteção contra as maiorias eventuais, sendo que quando se trata de contrato de trabalho, os sujeitos da relação trabalhista estabelecem uma relação juridicamente igual, mas faticamente desigual, pois o empregador detém o poder econômico, daí, também, a necessidade conciliação entre direitos fundamentais do trabalhador e poder diretivo.

Ademais, quanto à observância do princípio da boa fé objetiva, aplicável a relação de emprego, como já demonstrado, e hábil a limitar o poder diretivo, também como esposado, é necessário e latente que este também seja observado juntamente ao lado do poder diretivo e dos direitos fundamentais, compondo uma tríade conciliatória que visa à dignidade do trabalhador e o respeito às prerrogativas conferidas pelo ordenamento jurídico ao empregador.

Com efeito, é dizer: o empregador quando do exercício do poder diretivo, deve se atentar aos direitos fundamentais do trabalhador, bem como ao princípio da boa fé objetiva, conciliando-os, tudo sob pena de incorrer em abuso de poder, e consequente dever de indenizar, segundo inteligência do artigos 18698 e 92799, ambos do Código Civil pátrio, aplicáveis ao direito trabalhista por força dos artigos 8100 e 769101 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Nesse mesmo sentido, manifesta-se Humberto Theodoro Junior102:

“O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar um objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social”.

Alhures, isto é que se buscou demonstrar com o presente trabalho, o exercício dos poderes empresariais e alguns de seus limites, sem a pretensão de esgotar o tema, mas apenas trazer uma reflexão àqueles que lidam com a temática no cotidiano, na medida em que a latente subordinação do empregado ao empregador no âmbito da relação empregatícia é sempre um vetor de injustiça e potencial ameaça aos seus direitos, pelo que se pugna por uma conciliação entre essa tríade diretiva: poder empresarial, direitos fundamentais e boa fé, tudo visando relações empregatícias mais justas e democráticas.

3.4. Considerações finais

Conforme exposto, a boa fé, precisamente em sua acepção objetiva, e os direitos fundamentais do trabalhador, acabam por funcionar como balizas ao poder de direção empresarial, de modo a impedir que a dignidade do obreiro, enquanto pessoa humana, seja afetada ou violada no seio da relação empregatícia.

Nessa perspectiva, os direitos fundamentais laborais são aqueles direitos que têm a capacidade e a aptidão de atribuir a todos os trabalhadores direitos inerentes à dignidade humana porque dotados de uma característica especial: são atribuíveis a todos os trabalhadores de forma igual e, por conseguinte, indisponíveis sendo reconhecidos em normas supra ordenadas e a boa-fé, enquanto princípio geral, impregna todo o ordenamento jurídico, inclusive o laboral de modo a servir de baliza dos poderes de direção do empresarial103.

Desse modo, embora reconhecidos e legitimados, tanto no âmbito constitucional quanto infraconstitucional, os poderes atribuídos ao empregador esbarram em limitações impostas pela boa fé e no necessário respeito aos direitos fundamentais do obreiro enquanto ser humano digno e cidadão, devendo obediência a estes e, no mínimo, merecendo ser conciliado com os mesmos.

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Sobre o autor
Pablo Saldívar da Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Especialista em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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