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Ação declaratória incidental e questão prejudicial

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01/03/2002 às 00:00
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Capítulo 3 - A AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL

3.1 - Histórico

A ação declaratória incidental tem origem na doutrina européia, sendo admitida por princípio elaborado pela doutrina francesa que se transmitiu ao direito itlaiano, ao direito germânico e ao direito austríaco.

Na Itália, a elaboração dos autores franceses foi admitida pela doutrina, embora a legislação, inicialmente, não contemplasse expressamente a ação declaratória incidental. Entretanto, o Código de 1940 veio dispor expressamente sobre o assunto, nos seguintes termos "art. 34 - Il giudice, se per legge o per esplicita domanda di una delle parti é necessario decidere com efficacia di giudicato una questione pregiudiziale che appartiene per materia e valore alla competenza di un giudice superioe, rimette tutta la causa a quest´ultimo, assegnando alle parti un termine perentorio per la riassunzione della causa davanti a lui"[18]

O Código de Processo Civil alemão regula, também, a ação declaratória incidental, tendo sido a fonte desse assunto no direito brasileiro. Prescreve o § 280, do Código de Processo Civil alemão:

"Até o encerramento da audiência em que se profere a sentença, o autor, ampliando o pedido, o réu, propondo uma reconvenção, podem requerer que o Tribunal se pronuncie sobre uma relação jurídica, controvertida no curso do processo, e de cuja existência ou inexistência dependa, no todo ou em parte, a decisão da lide."[19]

Também, o Código austríaco e o Código português disciplinaram a matéria, explicitamente.

No Brasil, a ação declaratória incidental foi introduzida pelo Código de Processo Civil de 1973 que se inspirou no direito alemão. O art. 5º do Código de Processo Civil brasileiro instituiu esse tipo de ação ao falar que "se no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer ao juiz que a declare por sentença."

3.2 - Natureza jurídica

De acordo com a doutrina dominante, a ação declaratória incidental ou declaração incidente não constitui mero incidente processual, nem se confunde com a reconvenção, quando proposta pelo réu.

O art. 280 do Código de Processo Civil alemão definiu a declaratória incidental como ampliação do pedido, quando de iniciativa do autor e como reconvenção, quando de iniciativa do réu. Entretanto, essa fixação não é pacífica na doutrina. O Código de Processo Civil austríaco definiu a declaratória incidental, tanto de iniciativa do autor como do réu, como pedido de declaração, conceituando-a como ação e de natureza declaratória.[20]

Essa posição é a mais aceita hoje pelos doutrinadores. Também Chiovenda vê ação declaratória incidental como uma verdadeira ação, independente de outro processo pois a característica da ação declaratória incidental consiste em que o interesse de agir decorre aí, da contestação de um ponto prejudicial, formulada numa lide precedente.[21]

Assim, pode-se dizer que a ação declaratória incidental é sempre uma ação, de natureza declaratória e que se desenvolverá no mesmo processo em que se desenvolve a ação principal, seja quando requerida pelo autor, seja quando proposta pelo réu.

3.3 - Conceito

Trata-se de uma ação proposta no transcurso de um processo, estando relacionada com a questão neste versada.

No curso do procedimento, o juiz, com freqüência, é chamado a resolver diversas questões (pontos controvertidos) de cuja solução depende o deslinde do mérito da causa.

Tais questões denominadas prejudiciais, porque constituem premissas necessárias da conclusão, são normalmente resolvidas incidentemente (incidenter tantum), de tal modo que os efeitos do pronunciamento judicial respectivo não se projetam fora do processo, vale dizer, não se constitui a coisa julgada material.

Pode ocorrer, porém, que uma das partes pretenda, desde logo, ver definitivamente resolvida tal questão prejudicial, com força de coisa julgada, de modo a evitar novas discussões futuras, cujos inconvenientes são de meridiana clareza. Para atender a essa situação, contemplou o legislador, a exemplo de algumas legislações estrangeiras, a figura da ação declaratória incidental.

A ação declaratória incidental é, pois, a ação, proposta pelo autor ou pelo réu, em processo pendente, visando à aplicação do âmbito da coisa julgada material.

Para Maria Helena Diniz a declaração incidente é a "sentença judicial na qual o juiz se manifesta, a requerimento de qualquer das partes, sobre a existência ou não de uma relação jurídica que, no curso do processo, se tornou litigiosa ou de uma questão prejudicial relativa a um bem jurídico diferente do objetivado na ação principal".[22]

Nelson Nery Junior define a ação declaratória incidental como "ação declaratória pura, positiva ou negativa, cujo objetivo é fazer com que a questão prejudicial de mérito, que será apreciada incidenter tantum, necessariamente, pelo juiz, possa ser abrangida pela coisa julgada".[23]

Assim, observa-se que mediante a ação declaratória incidental, operar-se-á a ampliação do objeto do pedido e questão prejudicial, que poderia constituir objeto de processo autônomo, terá sido declarada dentro de ação que verse sobre outro estado ou relação jurídica, de forma que a ela também se estenda a autoridade da coisa julgada.

3.4 - Finalidade

A finalidade da ação declaratória incidental é estender a autoridade da coisa julgada também às questões prejudiciais, que de outra forma, seriam apreciadas incidenter tantum.

Através da ação declaratória incidental, impede-se a ocorrência de sentenças conflitantes, uma vez que, nos processos posteriores, será sempre possível argüir-se, ou decretar de ofício, a coisa julgada que no processo anterior se formou sobre a questão prejudicial.

Celso Agrícola Barbi diz.

"com ela se evita, pela formação da coisa julgada sobre a questão prejudicial que esta venha a ser objeto de nova discussão, provas e decisão, em demandas futuras entre as mesmas partes e que tenham como objeto ou como prejudicial a mesma questão. Com seu uso, evita-se também o risco de decisões contrárias sobre a mesma questão nas sucessivas demandas, o que, se não é vedado, pelo menos não é desejável pois acarreta desprestígio para a justiça, pelo menos aos olhos dos leigos, não conhecedores dos problemas técnicos dos processos".[24]

Também, a jurisprudência já firmou entendimento no sentido que "a ação declaratória incidental tem por objetivo alcançar a certeza jurídica da existência, inexistência ou modo de existir de uma relação jurídica, ante uma incerteza objetiva e atual, dando eficácia de coisa julgada a decisão que julga a questão prejudicial".[25]

Entende-se, assim, que a finalidade principal da ação declaratória incidental relaciona-se com o princípio da economia processual pois com ela se evita, nova discussão, em processo futuros, sobre questão prejudicial já decidida com força de coisa julgada.

3.5 - Limites da coisa julgada

É necessário o requerimento de uma das partes, através de ação declaratória incidental em juízo competente em razão da matéria, para que assim se constitua o pressuposto indispensável para o julgamento da lide. Dessa forma se acolhe, então, a autoridade e eficácia de coisa julgada.

Ressalte-se que deve-se considerar que, justamente sobre o objeto litigioso, lide ou mérito, é que recairá a imutabilidade da coisa julgada ou, nos termos do art. 468 do Código de Processo Civil, trata-se de sentença que julgar total ou parcialmente a lide a qual terá força de lei, precisamente nos limites da lide e das questões decididas.

Assim, deve-se observar, ainda, por outro lado, que o art. 469, I, do Código de Processo Civil dispõe a respeito dos motivos e o respectivo relacionamento com a coisa julgada, no sentido de que "ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença", não fazem coisa julgada. Também, o mesmo art. 469, III, diz que também não é objeto de coisa julgada "a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo".[26]

Entretanto, o que se tem é que a ação declaratória incidental é tema diretamente relacionado com o do objeto litigioso e, em rigor com a inserção na extensão objetiva da coisa julgada. Por isso, o Código de Processo Civil brasileiro inseriu uma restrição a regra da coisa julgada, em seu art. 470 que diz que "Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (art. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide."

Assim, a restrição da autoridade da sentença ao decisum é, de resto, um pressuposto para que se admita, em determinado sistema processual, a ação declaratória incidental. O ordenamento que incluísse nos limites objetivos da coisa julgada a resolução de questões prejudiciais, a cujo respeito não existisse pedido expresso, não teria lugar para aquele remédio, cujo objetivo é estender a tais resoluções a força da lei atribuída a sentença.

3.6 - Interesse de agir

Como em toda a ação, a declaratória incidental só pode ser iniciada por quem tiver interesse de agir. Este surge quando a relação jurídica condicionante, preliminar, for controvertida entre as partes. Logo, por faltar controvérsia, não é possível a declaração nos processos em que ocorrer a revelia.[27]

No direito brasileiro o interesse de agir é condição da ação, a teor do art. 267, VI, do Código de Processo Civil.

O interesse de agir pode ser do autor ou do réu.. Como exemplo de interesse de agir para propor ação declaratória incidental pelo réu tem-se no caso de uma ação de cobrança de juros de um contrato mútuo, em que o réu impugna não apenas o pedido daqueles mas o contrato de mútuo. No caso do autor, tem-se como exemplo de interesse de agir quando o réu, na ação de cobrança, alegar compensação de crédito de valor superior ao pedido e o autor contestar a existência desse crédito do réu.

Para que o autor ou o réu possam provocar a causa prejudicial, não basta, então, o surgimento de uma questão prejudicial. É necessário haver um interesse de agir específico, diverso do interesse de agir na causa principal.

3.7 - Procedimento no direito brasileiro

É necessário, primeiramente, que se fixe qual o momento de se requerer a declaração incidental.

O art. 325 do Código de Processo Civil é expresso ao dispor que o autor tem 10 dias, para demandar a ação declaratória incidental se o réu contestar o direito que constitui fundamento do pedido. O Código foi omisso, ao não dizer a partir de quando se contará os 10 dias mas, evidentemente, só pode ser contado do momento em que o autor teve conhecimento da contestação.

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O Código também é omisso quanto ao momento de ajuizamento da ação de declaração incidental partida do réu mas é de se concluir que ele só o poderá fazer na contestação.[28]

Entretanto, há autores que vêem na declaratória incidental, quando proposta no momento da contestação, uma semelhança com a reconvenção, entendendo só ser possível o ajuizamento de ação declaratória incidental por parte do réu por motivo superveniente a contestação. É o que diz Theotonio Negrão[29].

"O réu só poderá propor a declaratória incidental por motivo superveniente a contestação. Se tiver ação contra o autor, deverá faze-lo, no prazo da resposta, sob forma de reconvenção. E, se o fizer como declaratória incidental, deverá esta ser processada como reconvenção, sem outras conseqüências."

E mais adiante.

"A doutrina e a jurisprudência admitem a declaratória incidental ajuizada pelo réu, por motivo preexistente a contestação, contanto que seja proposta no prazo para a defesa."

Correta é a afirmação de João Batista Lopes[30] ao distinguir a declaratória incidental e a reconvenção.

"Em geral, porém, as conseqüências práticas da distinção são pequenas, uma vez que nada obsta a que o réu, deixando de pedir a declaração incidente, formule idêntica pretensão em sede reconvencional. É que tanto a declaratória incidental como a reconvenção são consideradas, tecnicamente, ações, não se confundindo com a simples contestação do réu. E ambas devem ser oferecidas pelo réu no prazo para a resposta."

Observa-se, então, que mesmo com essa distinção, fica claro o momento de ajuizamento da ação declaratória incidental.

Após o pedido de declaração incidente, que deve ser escrito e obedecer aos requisitos do art. 282 do CPC, o juiz determinará a citação para se responder ao pedido. Processar-se-á, então, a declaratória incidental nos mesmos autos da principal pois a declaração incidental não traz acréscimo na atividade processual das partes e do juiz, no que se refere a prova ou as questões suscitadas.

O juiz deverá, então, sanear a declaratória incidental juntamente com a principal, podendo, também, julgá-la conforme o estado do processo, observados os requisitos do art. 330 do CPC. Para isso é necessário que a principal também esteja pronta para o julgamento. Da mesma forma, com relação a audiência, onde as provas, tanto de uma como de outra, devem ser colhidas na mesma oportunidade.

Com relação a sentença, há uma divergência doutrinária pois o Código de Processo Civil brasileiro, ao contrário do austríaco, não esclarece se a decisão sobre a declaração incidente deve ser proferida juntamente com a da causa principal ou se pode ser antes dela.

Então, se a questão principal e a prejudicial não dependerem da colheita de prova em audiência deve ser feito o julgamento de ambas, simultaneamente, na forma do julgamento antecipado da lide.

Se a questão prejudicial tiver sua solução dependente de fatos cuja prova deve ser colhida em audiência, evidentemente não se pode falar em julgamento apenas dela pois não está pronta para a decisão.

Também, se a questão prejudicial não depender de colheita de prova em audiência mas a questão principal depender, será inconveniente julgar apenas aquela, porque haveria tumulto processual.

Thereza Alvim[31] observa, corretamente, a necessidade de se sentenciar, conjuntamente, a declaratória incidental e a principal, dizendo que "o julgamento da declaratória incidental deverá anteceder ao da lide principal pois aquela é uma causa prejudicial cuja solução irá influenciar o teor do julgamento da causa principal. Entendemos, porém, que como se trata de um só processo, contendo vária lides, a sentença deve ser formalmente una".

Quanto ao recurso cabível da decisão, a maior dificuldade é saber se cabe apelação ou agravo de instrumento contra ato que a rejeita liminarmente porém o STJ já firmou entendimento que "é decisão interlocutória a decisão que repele in limine ou põe termo a declaratória incidental antes de julgada a ação principal, passível, portanto, de agravo de instrumento. Será sentença se proferida juntamente com a que julgar o mérito da causa."[32]

Assim, no que se refere a sentença, o recurso cabível é a apelação, havendo controvérsia, apenas quando a declaração incidental relacionar-se com questão de estado pois o julgamento parcial, da questão de estado, não extingue o processo pois ele prosseguirá para o julgamento da lide principal, cabendo, então, agravo de instrumento.

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Sobre o autor
Rodrigo Frantz Becker

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BECKER, Rodrigo Frantz. Ação declaratória incidental e questão prejudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2729. Acesso em: 22 nov. 2024.

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