Os riscos do Projeto de Lei Nº 4330/2004.

Terceirização

02/04/2014 às 14:45
Leia nesta página:

O artigo faz referência ao Projeto de Lei nº 4330 de 2004. Observo inclusive os riscos e o que poderá acarretar, caso seja aprovado.

O Projeto de Lei nº 4330 de 2004 é de autoria do deputado e empresário Sandro Mabel (PMDB-GO), e dispõe acerca da terceirização de serviços especializados no âmbito público e privado.

Mas o que é Terceirização?

Segundo Alice Monteiro de Barros, a terceirização é um fenômeno "que consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou de suporte, mais propriamente denominadas de atividade-meio, dedicando-se a empresa à sua atividade principal, isto é, à sua atividade fim."

Atualmente, não temos no Brasil uma legislação de aplicação plena sobre a terceirização permanente nas empresas. Nem mesmo para normatizar esse fenômeno com intuito de evitar as fraudes que têm ocorrido.

A única regulamentação geral é a Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, mas que também não tem sido suficiente para impedir a precarização das atividades laborais. A mencionada Súmula possibilita a contratação por empresa interposta nos casos do trabalho temporário; dos serviços especializados ligados à atividade meio do tomador e dos serviços de vigilância; de conservação e limpeza, desde que não haja a subordinação direta e a pessoalidade, e aplica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços. Quanto a Administração Pública, a Súmula não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, que vai de acordo com o Artigo. 37, II, da Constituição Federal.

Ao analisar o Projeto de Lei nº 4330, podemos observar nitidamente os riscos e perigos que acarretará para o trabalhador, motivo pelo qual, tem gerado diversas críticas, inclusive de Ministros do próprio TST, em razão das mudanças que acarretará caso seja aprovado. Vejamos quais são os principais problemas:

1 - Possibilidade de terceirizar a atividade-fim: Atualmente, em se tratando de atividade-fim, a terceirização é ilegal. De acordo com o TST, se a atividade é parte principal do cotidiano do trabalhador, não pode ser considerada como mera atividade-meio. Sendo vedada sua terceirização. Por exemplo, hoje nas agências bancárias, os vigilantes e as faxineiras podem ser terceirizados; mas os caixas, escriturários e gerentes não podem.

O Projeto de Lei prevê tal possibilidade, ou seja, terceirizar a atividade-fim, com intuito de obter mão de obra barata. No mencionado exemplo, os caixas, escriturários e gerentes, também poderão ser trocados por terceirizado.

2 - Terceirização sem limites - Quarterização: O artigo 942 do Código Civil estabelece a responsabilidade solidária dentre autores e co-autores e as pessoas definidas no artigo 932 .

Desta forma, na relação triangular que se observa na terceirização, onde existe a pluralidade de agentes, que mantém um contrato de prestação de serviços com objetivos, deveres e obrigações recíprocas, assim o lesionado tem o direito de pleitear a reparação de qualquer um dos agentes, ambos devedores principais.

Entretanto, o Projeto de Lei permite a terceirização sem limite, dificultando que possa ser comprovado a relação de emprego do trabalhador, com cada empresa que faz parte daquele contrato de emprego, além de precarizar ainda mais as condições de trabalho e a vida do empregado.

3 - Contrariedade à Norma Constitucional: Outro ponto que deve ser observado, è a violação ao ordenamento jurídico constitucional. Ora, o Artigo 3º da CRB/88 menciona garantias constitucionais das quais merecem destaque os incisos: I, que assegura a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o III, que assegura a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e o IV, que proíbe a discriminação.

As referidas garantias são reconhecidas até mesmo pela ordem econômica, como menciona o artigo 170, da Constituição Federal, que também possui fundamentação na valorização do trabalho humano.

Portanto, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa  humana, são a base a que se destinam todas as normas, cuja proteção deve estar voltada para a pessoa, e são parte da estrutura do sistema jurídico, sendo essenciais na análise da efetividade dos direitos fundamentais. Qualquer conduta que acarrete tratamento diferenciado aos trabalhadores, discriminando pessoas em situações não desiguais, fere o preceito constitucional da isonomia.

4 - Isonomia Salarial: A Constituição da República consagra o princípio da igualdade (art. 5º, caput), ao mesmo tempo em que proíbe o tratamento discriminatório (art. 7º, XXXII).

Em se tratando da proteção à isonomia salarial, atualmente temos a OJ 383 SDI1, do TST, que faz referência apenas à entes da Administração Publica; e a Lei nº 6.019/74, que em seu artigo 12, alínea “a”, prevê a “remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional”. Esta é uma regra de salário equitativo, segundo a qual todas as parcelas de caráter salarial, aplicadas aos empregados da tomadora são igualmente devidas aos trabalhadores temporários, tais como, salário, 13º salário, jornada máxima de 44 horas, adicional noturno, adicional de horas extras, adicional de insalubridade e de periculosidade, dentre outras de cunho salarial, mas, trata segura apenas ao trabalhador temporário.

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Observamos aqui um contrassenso, pois se existe uma regra de isonomia remuneratória para o trabalhador temporário, com muito mais razão deveria haver para aquele trabalhador que, também se submete a tais condições, só que em caráter permanente, como ocorre na terceirização.

Ao tratar do Projeto de Lei nº 4330/2004, nada foi observado no sentido de garantir ao empregado, o direito ao salário equitativo.

5 - Violação ao Princípio Constitucional do Concurso Público: A Constituição de 1988 criou alguns instrumentos específicos ao Estado de Direito, à ordem democrática, ao serviço público e ao ordenamento orçamentário e financeiro. Estabeleceu, por exemplo, que o ingresso nas carreiras públicas será exclusivamente por meio de concurso de provas ou de provas e títulos, conforme regra estabelecida no art. 37, inciso II da Constituição Federal.

Se aprovado, o Projeto de Lei possibilitará as contratações sem concurso, para as empresas estatais. Ou seja, tornará ampla e irrestrita a terceirização do serviço público, num processo que distorce  o sentido e a missão do servidor. A proposta favorecerá grupos privados na contratação direta de mão de obra, sem a realização de concurso, contrariando os pressupostos constitucionais da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, alicerces da administração pública.

Enfim, é inquestionável a necessidade de uma norma que regulamente a terceirização no Brasil, mas não da forma que está sendo proposta, utilizando a regulamentação como pretexto para expandir essa prática ruinosa, sob o risco de causar sérios danos aos trabalhadores brasileiros e causando uma  ruptura na rede de proteção trabalhista, ou seja, se for aprovado, teremos certamente um enorme retrocesso jurídico na Justiça do Trabalho.

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Sobre a autora
Aline Bilheiro Vidal

Advogada com especialização em Processo Civil, pós-graduanda em Direito de Família (FMP) e do Trabalho (PUCRS).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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