A exigibilidade do crédito tributário e a persecução penal: condição objetiva de punibilidade ou elemento do tipo

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Busca-se explorar se a efetiva exigibilidade do crédito tributário seria, para a persecução penal por crimes tributários, elemento do tipo ou condição subjetiva de punibilidade.

Em nosso sistema jurídico há a figura da condição objetiva de punibilidade, trazida do direito alemão, mais precisamente do magistério de Karl Binding, na obra Die Normen und ihre Uebertretungen, Handbuch des Straferechts.

As condições objetivas de punibilidade são, conforme a doutrina, causas alheias ao crime, mas que condicionam o exercício do ius puniendi. Por tal motivo, vêm da doutrina alemã como die anderweiten Bedingungen der Strafrechte, ou seja, condições externas de punibilidade, que se encontram fora do tríplice conceito de delito – ação ou omissão típica, ilícita (antijurídica) e culpável[2].

Seriam, portanto, condições específicas[3] e objetivas das quais dependeria a justa causa[4] da infração penal, e. g., a sentença que decreta a falência ou concede recuperação judicial ou extrajudicial para os crimes falimentares, previstos na lei 11.101 de 2005.

Conforme Welzel[5], “a existência ou não de condições de punibilidade não altera em nada o conteúdo de injusto do fato”.

Neste sentido, no julgamento do leading case no país, o Habeas Corpus 81.611, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, reconheceu-se também a constituição definitiva do crédito tributário como condição objetiva de punibilidade para os crimes contra a ordem tributária, previstos na Lei 8.137 de 1990, conforme se vê:

EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.

1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.

3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo. (STF. HC 81.611. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Plenário, 10.12.2003). (grifos nossos).

Posteriormente, editou o Supremo Tribunal Federal a súmula vinculante n.º 24, que dispôs que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos i a iv, da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Faz-se importante mencionar, todavia, haver divergência[6] a respeito da aplicabilidade de tal súmula mesmo aos crimes formais contra a ordem tributária [7]. Predomina, contudo, a corrente de que a súmula é aplicável apenas aos delitos formais.

Outrossim, a redação da súmula gera delicado debate acerca da natureza da efetiva exigibilidade do crédito tributário para o direito penal: é condição objetiva de punibilidade ou elemento normativo?

Conforme Eugenio Pacelli de Oliveira[8], incluir a exigibilidade do crédito tributário como elemento normativo do tipo faria a decadência do crédito impedir a punibilidade do agente. Seria inadmissível, porém, tamanha interferência no campo penal, fazendo a persecução penal “depender da presteza dos órgãos fazendários na constituição do crédito” [9].

Vê-se que tal confusão se dá inclusive nas próprias decisões do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: "HABEAS CORPUS" - DELITO CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - SONEGAÇÃO FISCAL - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-TRIBUTÁRIO AINDA EM CURSO - AJUIZAMENTO PREMATURO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A VÁLIDA INSTAURAÇÃO DA "PERSECUTIO CRIMINIS" - INVALIDAÇÃO DO PROCESSO PENAL DE CONHECIMENTO DESDE O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA, INCLUSIVE - PEDIDO DEFERIDO.

- Tratando-se dos delitos contra a ordem tributária, tipificados no art. 1º da Lei nº 8.137/90, a instauração da concernente persecução penal depende da existência de decisão definitiva, proferida em sede de procedimento administrativo, na qual se haja reconhecido a exigibilidade do crédito tributário ("an debeatur"), além de definido o respectivo valor ("quantum debeatur"), sob pena de, em inocorrendo essa condição objetiva de punibilidade, não se legitimar, por ausência de tipicidade penal, a válida formulação de denúncia pelo Ministério Público. Precedentes.

- Enquanto não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, o crédito tributário, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90. Em conseqüência, e por ainda não se achar configurada a própria criminalidade da conduta do agente, sequer é lícito cogitar-se da fluência da prescrição penal, que somente se iniciará com a consumação do delito (CP, art. 111, I). Precedentes.(STF. HC 84092. Relator: Min. Celso de Mello. 2ª Turma, 22.06.2004). (grifos nossos).

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Assim, conclui-se que a efetiva exigibilidade do crédito tributário constitui condição objetiva de punibilidade, ressaltando-se que, uma vez deflagrada ação penal, o pagamento do tributo constitui causa de extinção da punibilidade, e o seu parcelamento questão prejudicial heterogênea, levando o processo penal à suspensão.

Neste sentido, para que se dê início persecução penal acerca da prática de crime tributário, faz-se necessário o “esgotamento da via administrativa” [10], ou seja, faz-se necessário que não haja mais recursos cabíveis no processo administrativo fiscal (PAF), uma vez que não se justificaria o constrangimento de uma persecução criminal, bem como a permanente ameaça à liberdade de ir e vir, sem um mínimo lastro probatório, ou seja, sem a presença da justa causa.

Seria causa, portanto, de rejeição da denúncia, conforme o art. 395, III, do Código de Processo Penal[11].

Calha ressaltar que a justa causa, além de condição da ação, constitui ainda pressuposto ou condição do próprio inquérito policial ou procedimento investigatório presidido pelo parquet.

Por tal motivo, sempre que levada à tona investigação acerca de crime contra a ordem tributária ou deflagrada ação penal sem que o crédito (suposto objeto do crime) haja sido esgotadamente discutido na via administrativa, caber-se-á habeas corpus profilático [12] com o fito de trancar o processo, judicial ou meramente investigativo.


[1] Acadêmico de Direito FACISA/CESED. Estagiário na Procuradoria-Seccional da Fazenda Nacional em Campina Grande/PB. Ex-Estagiário no Ministério Público da Paraíba e ex-Monitor de Filosofia Geral e Jurídica. Pesquisador em Direito Processual.

[2] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 12. Ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 808.

[3] OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de processo penal. 17. Ed. rev. e ampl. atual. de acordo com as Leis nºs 12.654, 12.683, 12694, 12.714, 12.735, 12.736, 12.737 e 12. 760, todas de 2012. São Paulo: Atlas, 2013. p. 110.

[4] STF. HC 81.611. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Plenário, 10.12.2003.

[5] WELZEL, H. Das deutsche Strafrecht, p. 88.

[6] STJ. HC n.º 97.789-SP. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgamento em 3/12/2009.

[7] OLIVEIRA, Op. Cit. p. 112.

[8] OLIVEIRA, Op. Cit.

[9] OLIVEIRA, Op. Cit. p. 114.

[10] OLIVEIRA, Op. Cit. p. 111.

[11] Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

[12] TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8. Ed. rev. ampl. e atual. Pituba: Editora JusPodivm, 2013. p. 1171.

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