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O Ministério Público, o Codecon e a inversão do ônus da prova

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01/03/2002 às 00:00
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7. CONCLUSÃO

O legislador, ao criar a legislação consumerista, teve em mente o cumprimento de preceptivo constitucional que determina ao Estado a promoção da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88).

Tal defesa, como descrita na Carta Maior, se estabelecerá na forma da lei.

Assim, o instrumental posto à disposição do legislador ordinário é vasto, tendo em conta as variadas formas de se promover a defesa do consumidor.

Dentre as muitas previstas pelo legislador no CDC, inseriu-se a defesa coletiva de tais interesses consumeristas.

Ressalta-se que a defesa coletiva em apreço se perfaz sobre quaisquer natureza de interesses consumeristas, ou seja, não importando se se trata de interesses difusos, coletivos ou individuais, estes, desde que homogêneos.

De efeito, a substituição processual nada mais é do que mero instrumento de proteção, no particular, de uma coletividade de interesses que, não raras vezes, ficando ao crivo do consumidor individualmente considerado, resta lesado sem a necessária recomposição, seja por desídia do próprio consumidor – no caso dos interesses individuais homogêneos, seja por ausência de previsão legal – no caso de interesses difusos.

Não raras vezes, em virtude do montante pecuniário devido por força da lesão sofrida pelo consumidor, este não se sente motivado a procurar proteção jurisdicional, restando a lesão que sofre o direito incólume.

Daí ser o Ministério Público um ente intermediário – dentre os muitos existentes – que instrumentaliza a defesa coletiva dos interesses consumeristas.

Nesta esteira, é forçoso admitir a tese segundo a qual é possível a inversão do ônus da prova em razão da hipossuficiência do consumidor em ações civis propostas pelo Ministério Público tendo em vista que, uma vez presumida a hipossuficiência dos consumidores fundamentada em fatores reais existentes – regras ordinárias de experiências, o aforamento de demandas pelo Parquet em nada alterará aquela realidade.

Em claras palavras, a aparição do Parquet no pólo ativo da relação processual nada mais significa do que um instrumento à disposição do consumidor na defesa dos seus interesses, coletivamente considerados, que deve ser conjugado, frise-se, com a presunção relativa da hipossuficiência dos consumidores, tendo em vista as regras ordinárias da experiência.

Por fim, pontifica o membro do Parquet rio-grandense-do-sul:

"Um outro enfoque que evidencia não poder o conceito de hipossuficiência estar restrito à definição da Lei nº 1.060/50 é o fato de que a norma consumerista não é orientada somente para o consumidor individual, mas, em especial, para o consumidor coletivamente considerado. Desse modo, é fundamental que o critério da hipossuficiência seja apreciado também naquelas situações em que existe substituição processual, quando associações ou órgãos de defesa do consumidor são obrigados a demandar na defesa da coletividade." (g.n.)29

Em compêndio, chega-se às conclusões seguintes:

  1. A hipossuficiência, que ensejará a inversão do onus probandi, lastreada no inciso VIII do artigo 6º da Lei consumerista, possui presunção relativa de existência haja vista a realidade brasileira (regras ordinárias de experiências) no tocante aos aspectos econômico, cultural, social e outros, sendo deferida ao fornecedor a oportunidade da prova em contrário.

  2. Para a inversão do ônus da prova em razão da hipossuficiência é tão-somente necessário o requerimento do consumidor ou do substituto processual (Ministério Público, associações, etc.) neste sentido, sendo despicienda a respectiva declaração, posto presumir-se esta, ainda, das regras ordinárias de experiência.

  3. A propositura da demanda pela parte ideológica, especialmente pelo Ministério Público, não macula aquela presunção, posto ser o Parquet mais um meio eficaz de proteção dos consumidores, atento que foi o legislador consumerista aos princípios da economia processual e do acesso efetivo à Justiça, sendo lícito ainda asseverar que a propositura de demandas por estes entes em nada mudará a realidade subjacente.

  4. No sistema de proteção consumerista não há antinomias, sendo, portanto, certo admitir que a defesa coletiva dos interesses dos consumidores pelas partes ideológicas e a presunção relativa da hipossuficiência não se repelem, antes se conjugam.


BIBLIOGRAFIA

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_____________. Sistema de Direito Processual Civil. [Trad. Hiltomar Martins Oliveira]. Vol. II. 1. ed. São Paulo: Classic Book. 2000. 884. p. (Tradução de: Sistema di diritto processuale civile)

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BITTAR, Eduardo C. B. & ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 1. ed. São Paulo: Atlas. 2001. 550. p.

BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2º vol. s/ed.. São Paulo: Saraiva. 1989. 620. p.

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Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – DIEESE (2001) Anuário 2000-2001 (On-line). Disponível: www.dieese.org.br/anu/2001/anu2001-1.html


Notas

1 Ou legitimação processual, como quer Pontes de MIRANDA. Tratado das Ações, v. VI, p. 221-2

2 José de Almeida LEÃO & Luiz de França COSTA FILHO. Os Princípios da Administração Pública: aspectos a considerar (On-line) Disponível: www.uel.br/cesa/dir/pos/artigo/artigoluizdf.html: "Costuma-se falar em sistema fechado, para designar o sistema que não se abre para um ambiente, isto é, que não possui um ambiente. Seus elementos interagem apenas entre si, sem qualquer comunicação com elementos externos ao sistema"

3 Nicolai Hartmann contrapôs duas modalidades fundamentais de pensamento: o sistemático (o ordenamento como sistema fechado) e o aporético (sistema aberto), abrindo caminho à restauração da tópica. Para Hartmann: " o pensamento sistemático parte do todo. A concepção é aqui primordial e permanece dominante. Não buscamos aqui o ponto de vista senão que o presumimos... Conteúdo de problema que não se compadece com o ponto de vista é recusado." Já quanto ao aporético (aberto): "O modo aporético de pensar em tudo procede de forma diferente. Os problemas antes de mais nada se lhe afiguram sagrados. Não conhece nenhum fim da pesquisa que não seja o da investigação do problema mesmo... O próprio sistema não lhe é indiferente , mas vale para ele apenas como idéia, como perspectiva. Não põe ele em dúvida a existência do sistema, apenas encontra o que o determina latente em seu próprio pensamento. Disso está certo, ainda quando o não compreenda." Apud Paulo BONAVIDES. Política e Constituição: os caminhos da Democracia. p. 123/124. Cf. ainda: Paulo Valério Dal Pai MORAES. Código de Defesa do Consumidor: o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade e nas demais práticas comerciais. p. 33. "Os sistemas também podem ser abertos ou fechados, existindo os primeiros quando são admitidas trocas com outros sistemas, mais especificamente quando aceita o ingresso de informações ‘estranhas’, bem como quando é possível a emissão de informações para outros sistemas, configurando os chamados outputs, os inputs e o fenômeno do feed back..."

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4 Fernando NORONHA, apud Paulo Valério Dal Pai MORAES, ob. Cit., p. 38

5 Paulo BONAVIDES. op. Cit. p. 127

6 Reinhold ZIPPELIUS. apud Paulo BONAVIDES. ob. Cit., p. 127

7 Theodor VIEHWEG. Topik und Jurisprudenz, apud Paulo BONAVIDES. ob. Cit., p. 126

8 Eduardo Gabriel SAAD. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. p. 581

9 Eduardo Gabriel SAAD. ob. Cit., p. 583

10 Lopes da COSTA apud Celso Agrícola BARBI. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. I, p. 78

11 Francesco CARNELUTTI. Instituições do Processo Civil. vol. I. p. 222

12 idem. ob. Cit., p. 223

13 Francesco CARNELUTTI. Sistema de Direito Processual Civil. vol. II. p. 71-72

14 Cf. divergência: Rodolfo de Camargo MANCUSO. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. p. 189: "Basta, portanto, que se interprete com a devida abertura e atualidade o art. 6º do CPC, e se poderá concluir que é ordinária a legitimação das entidades referidas no art. 5º da citada Lei sobre os interesses difusos."

15 Sistema..., p. 77-78

16 op. Cit., p. 79-80

17 Rodolfo de Camargo MANCUSO. Interesse Difusos: conceito e legitimação para agir. p. 25

18 Márcio Flávio Mafra LEAL, Ações Coletivas: História, Teoria e Prática. p. 63: "O elemento que viria dar legitimidade ao representante foi desenvolvido na Inglaterra no século XIX e adaptou-se às exigências de acesso à Justiça do século XX. Esse elemento teórico seria a identificação do interesse do grupo com o interesse do autor, de forma que seja ‘inconcebível’ que o representado não aprove a representação de seu direito deduzido em juízo. Este é o cerne da Teoria dos Interesses."

19 Apud Paulo Valério Dal Pai MORAES. Código de Defesa do Consumidor: o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade e nas demais práticas comerciais. p.100

20 ob. Cit., p. 103

21 Nelson NERY JUNIOR apud Paulo Valério Dal Pai MORAES, Comentários..., p. 105; Mirella D’Angelo CALDEIRA, Inversão do ônus da Prova. p. 166-180. Assevera a eminente articulista: "Tanto a doutrina como a jurisprudência ainda não chegaram a um consenso, no que tange ao conceito de hipossuficiência do consumidor. Muitos defendem a tese de que se trata de hipossuficiência econômica e, outros, que se trata de hipossuficiência técnica.

"Nos filiamos à última tese, enfatizando que a proteção deve atingir àquele que não detém conhecimento técnicos – o que ocorre em qualquer classe social – e não àquele que não possui recursos financeiros." (p.174)

22 ob. Cit., p. 105

23 STEIN. El Conocimiento Privado del Juez, apud Antonio Carlos de Araujo CINTRA. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. IV. p. 30

24 Antonio Carlos de Araujo CINTRA. Ob. Cit. p. 31

25 idem, Comentários cit., p.31

26 DIEESE (2001) Anuário 2000-2001 (On-line). Disponível: www.dieese.org.br/anu/2001/anu2001-1.html

27 DIEESE (2001), ob. Cit.

28 DIEESE (2001), ob. Cit.

29 opus cit., p. 104

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Sobre o autor
Renato Franco de Almeida

promotor de Justiça em Governador Valadares (MG), pós-graduado em Direito Público, professor da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Renato Franco. O Ministério Público, o Codecon e a inversão do ônus da prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -488, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2754. Acesso em: 23 dez. 2024.

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