Instalou-se no Brasil uma cultura jurídica de seguir as posições majoritárias de forma pouco pensada, como se ir de encontro à correnteza fosse sinônimo de afogamento imediato.
Leis são aplicadas sem que seja realizada a devida ponderação, apenas porque a maioria assim o faz. Pouco importa se a norma que deveria ser extraída do texto legal seria mais adequada que a norma que é cegamente utilizada por todos. Isso não vem ao caso: basta que seja a adotada pela maioria e pronto, fiat lux!
E se aquele posicionamento, apesar de majoritário, for claramente equivocado? E se houver injustiça com a aplicação do posicionamento majoritário? O que se faz nessas hipóteses?
Aqui no Brasil a maioria tem uma única ação: continuar seguindo a maioria.
Há dezenas de exemplos em que se percebe esse fenômeno, que deixo de chamar de “fenômeno boiada” para evitar a deselegância.
No Direito Penal a maioria da jurisprudência entende que as atenuantes não podem diminuir a pena-base aquém do mínimo legal, desconsiderando o fato de o Código Penal, ao prever as atenuantes, dizer expressamente que “são circunstâncias que sempre atenuam a pena”. Mas e a palavra “sempre”, importa? Não: maioria é maioria.
Na malfada lei de Contravenções Penais há um artigo que prevê como contravenção “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade”, entendendo os Tribunais Superiores que se encaixa nesse artigo o porte de arma branca. Noutras palavras, aquele que andar por via pública com uma faca será responsabilizado pela contravenção. Mas e se o local é um interior, localizado nos rincões do país, em que a faca ou o facão é o instrumento de trabalho de quem está portando? Mas e se a faca estava sendo transportada do supermercado para casa ou de casa para uma granja, onde se pretendia fazer um churrasco ou algo similar? Isso importa? Não: maioria é maioria. E que “licença da autoridade” é essa? Quem é essa autoridade? Como conseguir uma licença para transportar uma faca? Como conseguir o porte exclusivo de faca? Importam essas indagações? Não. Mais uma vez: maioria é maioria.
Nos Tribunais Superiores tem sido reconhecido que em concursos públicos em que é previsto como uma das fases o teste de aptidão física, a doença do candidato não permite a remarcação do teste, quando inexistir essa previsão no edital. Mas e se o candidato fraturou ambas as pernas em um acidente de carro? Mas e se o candidato teve um enfarte um dia antes do teste de aptidão física? Não seria respeitar o princípio da igualdade material e da razoabilidade a remarcação da prova? Não ecoa injusto fazer prevalecer a supremacia do interesse público em detrimento do princípio da igualdade material, mormente quando o candidato foi vitimado por circunstâncias que fogem ao seu controle? Essas questões importam? Não. Mais do mesmo: maioria é maioria.
O conformismo, a preguiça mental, o medo de ser criticado, são alguns dos fatores que provocam esse fenômeno, sendo escassas as pessoas que estão com a maioria por convicção própria. Também é fator de grande influência a formação acadêmica, ao se verificar que nas faculdades de direito muitas vezes só se ensina o básico, constando da bibliografia resumos que aparentam orelhas de livros e livros que parecem resumos.
Muitos “doutrinadores” contribuem para essa “cegueira jurídica”, retransmitindo sem contestar o que é dito pela maioria. Em seus “livros bula” apenas repisam o que já está batido, sem ampliar o conteúdo. Pensam que o direito é algo simples, possível de ser transmitido em minutos, ou fingem que pensam: fingem que não sabem de sua real complexidade. É a adoção das “instruções do avestruz” por parcela da doutrina nacional. Recentemente vi um programa de televisão de curtíssima duração, mas abissal presunção: explicar Balzac. A missão, como era de se esperar, falhou desde que se iniciou. O direito é como Balzac, complexo, amplo, profundo e intenso; impossível de ser ensinado em minutos, dias ou meses. Mais fácil, portanto, seguir a maioria. Mas e se a maioria estiver errada, isso importa? Não: maioria é maioria.