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Não incidência de ICMS sobre a comercialização de software

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05/05/2014 às 13:40
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3 TRIBUTAÇÃO NO MERCADO INTERNO

A incidência tributária em relação à comercialização de Softwares no Brasil é realizada sob a égide de três aspectos: a receita auferida pela comercialização de software ou prestação de serviços correlatos; o desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior ou de recebimento de serviço prestado no exterior[8]; a remessa para o exterior com o intuito de pagamentos de valores a título de direitos autorais[9].

Para fins de conclusão do presente estudo, objetiva-se neste capítulo apenas analisar a incidência tributária com relação aos dois primeiros aspectos supramencionados, com foco na dissidência jurisprudencial existente quanto à aplicação do ICMS e do ISS.

Tal discussão orbita no entendimento emanado pelo Supremo Tribunal Federal, na decisão proferida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que aplicava o ICMS para Softwares considerados como “de prateleira” e ISS para Softwares feitos sob encomenda, citado in verbis:

III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” “matéria exclusiva da lide”, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.[10]

Entretanto, este assunto está longe de estar pacificado, mormente se observados os diversos julgados recentes com o enfoque neste tema, decidindo ora por aplicação do ICMS, ora pela aplicação do ISS.

Dentre os diversos casos existentes no judiciário, cabe citar o precedente adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que adotou o entendimento de tributação pelo ICMS, a produto comercializado para clientes específicos, mediante contrato de locação, senão vejamos:

[...]2. Software desenvolvido para operacionalizar serventias do foro extrajudicial, comercializado por meio de contrato de locação, não é serviço pessoal, que traduz obrigação de fazer, mas sim comércio de produtos para clientes em geral, que traduz obrigação de dar, sem contornos de personalização, o que afasta a hipótese de incidência do ISS. tributar a empresa Scribe Informática Ltda. por meio de ISS, em razão desta ter elaborado um programa de software para atender às necessidades dos cartórios de registro civil, imóveis, protesto e tabelionatos. A disponibilização deste programa é feito por meio de contrato de locação, em conformidade com seu objeto social. A sentença considerou que não havia prestação de serviços individualizado, razão pela qual julgou procedente o pedido feito em ação declaratória, para retirar a exação. 2. Correta a sentença. Apesar dos termos do Parecer da Procuradoria Geral da Justiça, o qual entendeu que o serviço prestado pela empresa autora não seria amplo o suficiente para escapar da exação por meio do ISS, verifica-se do contrato social (f. 19 e ss.), que a sociedade tem como objeto social o desenvolvimento de sistemas, consultoria e processamento de dados na área de informática, comércio de equipamentos, peças e acessórios de informática e programas para computadores (cláusula terceira). A Lei Complementar 116/03, que regula as hipóteses de incidência de ISS, traz em sua lista o licenciamento de uso de software como hipótese de cobrança do imposto. No entanto, esta prescrição legal só é aplicável quando o software é desenvolvido sob encomenda por um determinado cliente, com a finalidade de atender a uma demanda especial deste cliente. Quando, por outro lado, o software é licenciado em escala a inúmeros clientes, não há que se falar em prestação de serviços, não sendo devido, portanto, o ISS.[11]

Pode-se retirar do julgado acima, que mesmo em se tratando de comercialização de Licenças de Utilização de Software, o que foi aperfeiçoado no caso narrado por meio de contrato de locação, o Tribunal optou por não incidir a cobrança do ISS e sim do ICMS, entendendo que mesmo quando o software é elaborado para um grupo de usuários específicos, se este for disponibilizado em larga escala, não caberia o entendimento de prestação de serviços.

Urge salientar, que o conceito de “produção em larga escala” adotado pelo magistrado foi o número de usuários que utilizam o sistema e não o público-alvoda comercialização, já que o Software em questão foi desenvolvido para atendimento de necessidades específicas dos cartórios de registro civil, imóveis, protesto e tabelionatos do Estado do Paraná.

Em sentido diverso posicionou-se o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme segue:

TRIBUTÁRIO Programas de computador “Software”, personalizado ou customizado, produzido para atender necessidade específica. Contrato de cessão ou licença de uso fornecida por detentor do direito autoral. ICMS Não incidência. Recursos não providos.[12]

Como se denota dos julgados transcritos, enquanto o entendimento proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná foi ao sentido de que os Softwares, mesmo quando desenvolvidos para atender necessidades de usuários específicos, forem disponibilizados para clientes em larga escala, é aplicável o ISS, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que um Software quando personalizado ou customizado para atendimento de necessidades específicas é abarcado pelo ICMS.

Posição recente do Supremo Tribunal Federal a esse respeito reflete que a celeuma existente quanto à aplicação de ICMS na comercialização de Softwares.

O doutrinador Leandro Paulsen[13] cita posicionamento do Ministro Gilmar Mendes, no julgamento da ADI 1.945 MC que entendeu que a lei estadual que incidia o ICMS sobre operações realizadas por “transferência eletrônica de dados” é constitucional, acreditando que o avanço da tecnologia repercute na interpretação do texto constitucional, e que o download de softwares ou de músicas equivale à sua compra em CD, salientando que o mérito da ADI ainda não foi julgado.

Além disso, cabe observar o critério usado pelo Superior Tribunal de Justiça para a distinção da aplicação dos dois tributos. De acordo com a corte, a tributação seria distinta não em decorrência da natureza do bem ou em razão de suas características, e sim, em razão da sua forma de comercialização, senão vejamos:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ISS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). CIRCULAÇÃO.

1. SE AS OPERAÇÕES ENVOLVENDO A EXPLORAÇÃO ECONOMICA DE PROGRAMA DE COMPUTADOR SÃO REALIZADAS MEDIANTE A OUTORGA DE CONTRATOS DE CESSÃO OU LICENÇA DE USO DE DETERMINADO “SOFTWARE” FORNECIDO PELO AUTOR OU DETENTOR DOS DIREITOS SOBRE O MESMO, COM FIM ESPECIFICO E PARA ATENDER A DETERMINADA NECESSIDADE DO USUARIO, TEM-SE CARACTERIZADO O FENOMENO TRIBUTÁRIO DENOMINADO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, PORTANTO, SUJEITO AO PAGAMENTO DO ISS (ITEM 24, DA LISTA DE SERVIÇOS, ANEXO AO DL [406]/68).

2- SE, POREM, TAIS PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO SÃO FEITOS EM LARGA ESCALA E DE MANEIRA UNIFORME, ISTO E, NÃO SE DESTINANDO AO ATENDIMENTO DE DETERMINADAS NECESSIDADES DO USUARIO A QUE PARA TANTO FORAM CRIADOS, SENDO COLOCADOS NO MERCADO PARA AQUISIÇÃO POR QUALQUER UM DO POVO, PASSAM A SER CONSIDERADOS MERCADORIAS QUE CIRCULAM, GERANDO VARIOS TIPOS DE NEGOCIO JURÍDICO (COMPRA E VENDA, TROCA, CESSÃO, EMPRESTIMO, LOCAÇÃO ETC), SUJEITANDO-SE PORTANTO, AO ICMS.

3- DEFINIDO NO ACORDÃO DE SEGUNDO GRAU QUE OS PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO EXPLORADOS PELAS EMPRESAS RECORRENTES SÃO UNIFORMES, A EXEMPLO DO “WORD 6, WINDOWS”, ETC, E COLOCADOS A DISPOSIÇÃO DO MERCADO, PELO QUE PODEM SER ADQUIRIDOS POR QUALQUER PESSOA, NÃO E POSSIVEL, EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA, A REDISCUSSÃO DESSA TEMATICA, POR TER SIDO ELA ASSENTADA COM BASE NO EXAME DAS PROVAS DISCUTIDAS NOS AUTOS.

4- RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. CONFIRMAÇÃO DO ACORDÃO HOSTILIZADO PARA RECONHECER, NO CASO, A LEGITIMIDADE DA COBRANÇA DO ICMS[14]

Neste quesito, tal aplicação da legislação tributária torna-se no mínimo questionável, já que qualquer Software considerado “de prateleira” pode ser vendido para usuários especificados mantendo suas características originais.

Além disso, não se pode deixar de apontar que as hipóteses de incidência e fatos geradores do ICMS e do ISS não se confundem, não podendo ser distinguidas unicamente pela forma de comercialização de um bem ou serviço, como vem decidindo os tribunais superiores.

Um dado Software é sempre produzido para atender necessidades específicas de um grupo de usuários especificados. Mesmo um produto considerado como “de prateleira” por estar disponível a diversos usuários por meio de lojas físicas ou eletrônicas pode ser “customizado” para atender necessidades específicas.

Além disso, de acordo com a estratégia de comercialização da empresa, o produto que antes era disponibilizado de forma aberta, pode deixar de ser oferecido diretamente ao público e passar a ter suas Licenças disponibilizadas sob encomenda.

Por tais motivos, antes de avaliar a possibilidade de aplicação de ICMS ou ISS, é necessária a avaliação das hipóteses de incidência de cada um dos tributos, para somente assim, avaliar qual tributo deveria ser aplicado em cada caso, o que se fará nos tópicos que seguem.

3.1 NÃO INCIDENCIA DE ICMS

O ICMS, Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações, é imposto de competência Estadual e do Distrito Federal, e encontra fundamentação legal no art. 155, II da CRFB/88 e Lei Complementar 87/96.

Nesta senda, o imposto, sucessor do Imposto de Vendas e Consignações (IVC) e do ICM, é a principal forma de arrecadação dos Estados e representa cerca de 80% da arrecadação total destes entes.

Para este estudo, nos importa a definição do sujeito passivo do ICMS, consoante a disposição contida na alínea “a” do art. 4º da LC n.º 87/96 que se refere “as pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias.”.

A esse respeito, indaga-se: O que viria a ser “circulação de mercadorias”?

Leandro Paulsen, conceitua mercadoria como:

quaisquer produtos ou bens, mas apenas aqueles que constituem objeto de uma atividade econômica habitual e com finalidade lucrativa consistente na venda de produtos, não se confundindo com a alienação eventual de um bem por pessoa física ou mesmo por pessoa jurídica cuja atividade econômica seja de outra natureza.[15]

Ponto que corrobora com o entendimento que o Software, mesmo quando produzido sob encomenda, ou de forma parametrizável, é uma mercadoria disponível no comércio, é o público consumidor, destinatário final do produto.

Dos setores que demandam Softwares e serviços derivados, tais como treinamento e consultoria, a indústria corresponde à maior parcela, responsável por 27,6% do consumo de tudo que foi produzido pelo setor em 2005, seguida pelo setor de Finanças que consumiram outros 22,6% dos Softwares e serviços.

Nesta senda, de acordo com o estudo promovido pela Ibes[16] os dois seguimentos juntos, movimentaram cerca de 1,3 bilhões de dólares em 2005.

Como se denota dos dados colacionados alhures, os Softwares para estes setores são ferramentas que possibilitam a gerência e a elaboração de outros produtos ou insumos, e como tal, são “coisas” que são adquiridas para uma finalidade específica, corroborando para a conclusão de que o Software é um produto ou mercadoria, independente de sua forma de comercialização.

Retomando a constatação do que viria a ser “circulação de mercadoria” para fins de incidência do ICMS, merece destaque a definição de Eduardo Sabbag, por conceituar em apartado os termos “circulação” e “mercadoria”, como segue:

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a) Circulação e a mudança de titularidade jurídica do bem (não é mera movimentação “física”, mas circulação jurídica do bem). O bem sai da titularidade de um sujeito e passará titularidade definitiva de outro. Exemplo: na saída de bens para mostruário não se paga ICMS, pois não ocorre a circulação jurídica do bem, apenas a movimentação “física”, não havendo mudança de titularidade; o mesmo fato ocorre na mera movimentação física de bens entre matriz e filial.

b) Mercadorias: o conceito de mercadoria é fundamental ao estudo do fato gerador deste imposto: mercadoria (do latim merx) é a coisa que se constitui objeto de uma venda. Todavia, a Constituição define implicitamente mercadoria em seu sentido estrito, e somente nesse conceito estrito deve ser ela considerada na formatação do fato gerador do ICMS

A mercadoria é bem ou coisa móvel. O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação, uma vez que é coisa móvel com aptidão ao comércio. Não são mercadorias as coisas que o empresário adquire para uso ou consumo próprio, mas somente aquelas adquiridas para revenda ou venda.[17]

Com a separação dos termos circulação e mercadoria torna-se claro o motivo para dificuldade de aplicação do tributo quando o fato gerador decorre da comercialização de Softwares e suas Licenças de Utilização. Apesar de ser facilmente enquadrado como mercadoria para os fins de incidência, o Softwarenão é passível de transferência de domínio.

Nesta senda, no Software, quando comercializado, não se tem a passagem de titularidade entre o comprador e o vendedor do produto, o que ocorre é a simples transferência de direito de uso de uma cópia oriunda da mesma codificação binária.

Tanto isso é verdade, que caso ocorresse transferência de domínio, o comprador do produto poderia alienar para quem quisesse o produto, a qualquer tempo, o que não ocorre com a maioria das licenças existentes no mercado, mesmo em relação aos produtos tidos como “de prateleira”.

Sendo assim, a transferência de domínio implicaria na aquisição da propriedade do produto comercializado, sendo cabível citar o enunciativo existente no Código Civil vigente, sobre as faculdades do proprietário: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha”.[18]

Todavia, conforme mencionado a pouco, os contratos de licença de uso de Software costumam a inclusive limitar a disposição da coisa objeto do contrato.

Neste ponto, cabe citar trecho de um contrato padrão de comercialização de licença de uso de software, utilizado pela empresa Blizzard Entertainment, para venda de produto comercializado no Brasil:

[...] Limitações de Licença Adicionais. A licença concedida ao usuário na Seção 1 acima está sujeita às limitações apresentadas nas Seções 1 e 2 (coletivamente, as “Limitações de Licença”). Qualquer utilização do Jogo em violação das Limitações de Licença será tratada como infração aos direitos autorais da Blizzard sobre o Jogo. O usuário concorda que não irá, sob hipótese alguma:[...] H: Tentar vender, sublicenciar, alugar, arrendar, conceder como caução ou transferir de qualquer outra forma qualquer cópia do Jogo ou dos seus direitos ao Jogo para qualquer terceiro de qualquer maneira não expressamente autorizada neste.[19]

Como se denota do trecho do contrato supracitado, a empresa proíbe a revenda do produto, tratando a desobediência dos termos do contrato de adesão, como afronta aos direitos autorais da empresa.

Destarte, ocorre que no caso em tela, está se confundindo novamente o direito a propriedade intelectual, de cunho autoral, com a propriedade do produto em si. Como produto disponível no comércio, o comprador do bem teria, dentre outros direitos, direito a dispor da coisa como bem entendesse, todavia não pode fazê-lo, pois ocorre que na comercialização de Software o produto não tem transferência de domínio e o autor do produto somente fornece direito de uso de cópia ou licença do produto.

Nesses termos, tem-se que o comprador do Software ou da Licença de Uso não é considerado como proprietário do bem móvel e sim mero usuário do produto, o que pressupõe somente direito de uso, limitando a propriedade do bem.

Com este fito, para visualizarmos a possibilidade de aplicação do tributo, é imprescindível a visualização da ocorrência de fato gerador.

Entende Eduardo Sabbag quanto ao fato gerador do ICMS, que “A base nuclear do fato gerador é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação, ainda que iniciados no exterior” [20].

Como visto alhures, apesar de qualquer Software ou Licença de Uso poder ser facilmente caracterizada como mercadoria, pois se trata de bem disponível para o comércio, o mesmo não se pode dizer quanto à possibilidade de circulação.

Neste jaez, caso não haja circulação da mercadoria, ou seja, não ocorra transferência de domínio, não podemos estar diante de fato gerador de ICMS, não cabendo, portanto, a aplicação deste tributo na comercialização de Softwares, já que neste caso não ocorre transferência de titularidade.

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Sobre o autor
Ulisses Neto

Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Ulisses. Não incidência de ICMS sobre a comercialização de software. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3960, 5 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27566. Acesso em: 24 dez. 2024.

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