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The Walking Dead

23/04/2014 às 15:45
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The Walking Dead é uma metáfora dos níveis submersos de civilidade que enfrentamos no atual estágio da escalada capitalista mundo afora.

No entanto, The Walking Dead traz a história de um apocalipse zombie pandémico em meio à luta por conservação, como diria Hobbes, o filósofo da soberania absoluta do Estado. Pois bem, sem o Estado, pode-se dizer que vivemos uma época de trevas e cataclismas de insegurança. Não é à toa que o grupo de humanos sobreviventes é guiado pelo agente da polícia Rick Grimes: o xerife vai em busca de uma solução social. Curioso que este papel teleológico não coube a um político profissional, administrador público ou a um advogado. Coube ao xerife zelar pela paz social. O Estado promete a segurança; nunca se viu a construção de um Estado prometendo, por exemplo, liberdade. A Polis grega não era bem um Estado, como se viu na modernidade ultramarina do Estado Moderno, do Renascimento.

Em The Walking Dead, o homem de virtù – diria Maquiavel – representa o Estado Penal: vocês terão o Estado para combater a anomia e o terror social, mas precisarão se armar até os dentes para isso. Nos EUA sonha-se com A LEI DO POSSE COMITATUS (o poder de polí­cia do município ou do condado), que limitou o uso das Forças Armadas para impor a lei civil. Uma lei ou tradição jurídica que foi invocada pelos abolicionistas e defensores da Desobediência Civil, como Henry David Thoreau. Em 2012, uma “nova” legislação estadunidense revogou o princípio do controle civil das forças armadas que se vinha mantendo desde 1848. Em nome da segurança, o Estado abdica das conquistas da civilização. Mas, qual crime é mais grave?

Outro dia me perguntaram por que ou como podia assistir à série da TV americana chamada The Walking Dead. Respondi de forma simples que se tratava de uma luta pela sobrevivência. No mesmo gênero há muitos outros, desde o clássico Mad Max. 

A luta por conservação pública, do xerife que quer recriar o pacto societal e erigir-se em autoridade pública – vale dizer, estatal –, ou a luta pela simples sobrevivência de quase todos os envolvidos (os zombies apenas não têm consciência do seu papel social), ambas, revelam que a indignidade faz com que as pessoas desçam ao mais baixo nível da crueldade. Alguns grupos humanos apresentam-se bem mais perigosos, saqueadores e letais do que os zombies: restos humanos e inconscientes de sua função “na ordem econômica e na escala da cadeia alimentar”.

Hoje, penso que o filme é uma metáfora dos níveis submersos de civilidade que enfrentamos no atual estágio da escalada capitalista mundo afora. No caso brasileiro, sem inventar a roda, lembra todos os zombies que ainda procuram pelo Eldorado. Aqui, tirante os pequenos humanos ricos em dignidade, todos padecem da má sorte da indiferença social. Todos são brutalizados pela falta de expectativa que nos abate em todos os setores da vida social; mas, a falta de qualquer premissa que nos religue à mínima moralidade pública é avassaladora para a formação das gerações seguintes. Isto é, os verdadeiros zombies ainda estão por vir, quando minha geração, por exemplo, não mais estiver aqui.

O barbarismo é global e a luta dos indignados também – pelo menos desde os anos 90, na Europa e no México. No Brasil, em 2013, vimos as marchas de milhões de pessoas que não suportam mais o descalabro ético, o baixíssimo padrão civilizatório e espiritual (nos dois sentidos) em que o país está mergulhado. No entanto, as massas de zombies é muito maior e mais famélica dos sentidos republicanos do que podem suportar as Multidões de indignados. As nossas elites não são, nunca atuaram, como Rick Grimes. Não temos condottiere, as elites agem como aves de rapina. Aliás, nossas elites, salvo exceções não tratadas aqui, atuam como o gênio do Mal do filme – o sujeito se intitula de O Governador. É um esquizoide cínico, matador-arrogante e sádico-psicótico; em constante ataque de fúria, investe contra todos aqueles que “julgue” uma ameaça ao seu sonho de poder e de dominação indecente.

Em paralelo ao papel especial do Governador, nossas elites apenas contentam-se em abocanhar o Estado para que se volte contra o povo. Um Estado gangster é nossa aposta para debelar os zombies: “Uma Lei Antiterror, eficaz contra os zombies!”. Este é o lema dos gênios da política e o dilema dos sobreviventes na terra arrasada. Nada é fácil por aqui, a ficção certamente copia a realidade: nem mesmo esse negócio de anti-herói tem encaixe na dramaturgia brasileira. No Rio de Janeiro, quem cuida do morro é o chefe da UPP; mas, temos um doleiro para lavar o dinheiro da Petrobrás e financiar as campanhas vencedoras no Estado de São Paulo.

E aí, vamos de xerife ou de governador?

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. The Walking Dead. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3948, 23 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27907. Acesso em: 22 dez. 2024.

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