Militares estaduais e transgressões disciplinares

25/04/2014 às 08:16
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As corporações militares estaduais são regidas por um conjunto de normas jurídicas que disciplinam suas atividades, prerrogativas, deveres etc. Os códigos ou regulamentos disciplinares tratam das transgressões disciplinares.

MILITARES ESTADUAIS E TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES

Rainer Henrique Abreu Riedel da Costa

Graduando em Direito pela Faculdade Integrada Grande Fortaleza

As corporações militares estaduais são regidas por um conjunto de normas jurídicas que disciplinam suas atividades, prerrogativas, deveres etc. Tais normas devem estar em consonância com a Constituição Federal e seu conhecimento por parte dos militares estaduais é imprescindível, tanto para que estes prestem um melhor serviço público à sociedade dentro de suas respectivas competências, quanto para que evitem possíveis responsabilidades decorrentes de suas missões. Neste diapasão, surgem os códigos ou regulamentos disciplinares militares.

Os militares são uma categoria especial de servidores públicos em razão de determinadas atribuições que lhes são conferidas pela Constituição Federal. Não obstante tenhamos hoje em nosso País duas categorias de militares – federais e estaduais, com competências e atribuições diferenciadas –, em sentido amplo, são os militares os únicos servidores que a Lei exige o sacrifício da própria vida quando do cumprimento do dever. Igualmente, a natureza dos bens jurídicos tutelados como a autoridade, a hierarquia, a disciplina, o respeito às instituições militares, o serviço, a função e o dever militar, é especial em relação a outras normas legais. Esses bens jurídicos são os valores militares essenciais, que são como verdadeiros princípios a reger a atividade militar[1], tendo em vista o cumprimento das atribuições constitucionais a que estão submetidos os militares – atribuições estas especialíssimas, pois sempre, em suas missões, o militar lida com bens jurídicos considerados fundamentais, como a vida e a liberdade das pessoas.

Em relação aos militares estaduais, assim preceitua nossa Carta Maior:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (grifamos)

Cumpre observar que se aplicam aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º[2]; do art. 40, § 9º[3]; e do art. 142, §§ 2º e 3º[4], cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. 

Aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal (§ 2º do art. 42 CF).

Especial atenção devemos ao inciso VIII do § 3º do art. 142 da Constituição Federal, o qual disciplina os direitos sociais a que estão submetidos os militares (estaduais e federais). São direitos sociais dos militares os dispostos no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, bem como lhe são aplicáveis as disposições acerca da condição de servidores públicos que são no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;  XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como li-mite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o sub-sídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tri-bunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores; XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (grifamos)

Ressalte-se que, malgrado possam parecer reduzidos os direitos sociais aplicáveis aos militares em comparação aos trabalhadores urbanos e rurais, são estes direitos considerados fundamentais, ou seja, tratam-se do mínimo existencial garantido na própria Constituição Federal aos militares estaduais para que exerçam suas funções. Em vista disso, nada impede que outros direitos sociais que visem melhorar sua condição social dos militares possam lhes ser garantidos, dentro de um juízo de ponderação, em observância, principalmente, ao princípio da dignidade da pessoa humana (inc. III, § 1º da CF).

Observa-se, assim, serem os militares estaduais uma espécie do gênero militares que, inobstante estarem subordinados aos respectivos governadores dos estados membros, possuem prerrogativas e deveres semelhantes aos militares das Forças Armadas por expressa disposição constitucional.

Em relação às polícias militares e corpos de bombeiros militares, nossa Constituição Federal ainda os menciona no seu Capítulo III, art. 144, ao tratar dos órgãos que compõem a Segurança Pública:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (grifamos)

Portanto, são atribuições das polícias militares a polícia ostensiva[5] e a preservação da ordem pública[6] e dos corpos de bombeiros militares as atividades de defesa civil[7]. São ainda forças auxiliares e reserva do Exército, possuindo este controle sobre armamento, efetivo, mobilização etc. em relação às polícias e corpos de bombeiros militares.[8]

Assim, vislumbramos que em virtude dos militares estaduais possuírem as mesmas prerrogativas, deveres etc. dos militares federais, aqueles também devem resguardar os bens jurídicos considerados fundamentais para a disciplina militar (autoridade, a hierarquia, a disciplina, o respeito às instituições militares, o serviço, a função e o dever militar), tendo-os como valores essenciais a reger a atividade militar.

Dos valores essenciais que regem a atividade militar decorrem deveres. Do cumprimento destes, tem-se por satisfeito o respeito àqueles. Da violação dos deveres, surge a responsabilidade, a qual é, no caso dos militares estaduais, apurada administrativa, penal e civilmente.

Administrativamente, as transgressões disciplinares estão consubstanciadas na violação dos deveres militares, e estes, balizados nos valores essenciais, como dito acima. Disso resulta que a transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, classificada nos termos do regulamento em que está inserida. Difere do crime militar, pois este se caracteriza como uma ofensa mais acentuada aos deveres militares, sendo disposto na legislação pertinente – o Código Penal Militar. Nesse sentido, podemos observar que é a própria Constituição da República que trata da transgressão militar ao afirmar que

Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (art. 5º, LXI, CF/88). (grifo nosso)

Assim, do cometimento das transgressões, surge para o Estado o direito de punir (jus puniendi), que no caso das corporações militares, é representado pela Administração Militar, sendo possível então a aplicação de sanções, as quais, no âmbito das corporações militares, assumem também um caráter especial (sancionatório próprio), diferentemente das sanções do direito penal comum.

Destarte, a finalidade precípua da sanção disciplinar militar é desestimular a prática de transgressões pelos demais militares (finalidade especial) e, ao mesmo tempo, proteger os bens jurídicos tutelados pela legislação militar estadual (finalidade geral). Outrossim, a aplicação de tais sanções deve ser justa e necessária, tendo em vista a união e disciplina dos militares, e não abusiva, de forma que ao aplicar sanções em desacordo com a legislação, a própria autoridade militar estaria, ela mesma, violando os valores militares essenciais.

Os Códigos Disciplinares dos Militares Estaduais elencam os valores essenciais das corporações militares estaduais, os deveres militares decorrentes desses valores, as trangressões disciplinares e as sanções aplicáveis. Trata ainda dos procedimentos para apuração das responsabilidades, a competência para o julgamento, recursos, recompensas e demais disposições.


[1] Os princípios são a base, o alicerce, as “vigas mestras” de um determinado instituto ou disciplina, provenientes da experiência, do espírito de Justiça de um povo.

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[2] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. (grifamos)

[3] Art.40, § 9º - O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade.

[4] § 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares. § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas; II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei; II - O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antigüidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei; IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos; VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior; VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV; IX -  (Revogado pela Emenda Constitucional nº 41, de 19.12.2003) X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (grifamos).

[5] Policiamento Ostensivo é aquele que pode ser visto de relance pela população, fardado e caracterizado, trazendo sensação de segurança, de forma que possa evitar que o crime aconteça, atuando de forma preventiva.

[6] Podemos encontrar um conceito de preservação da ordem pública no Dec. Federal nº 88.777 de 30/09/1983: art. 2º nº 19: “Manutenção da Ordem Pública - É o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública.”(grifamos)

[7] Atividades de combate a incêndio, desastres, calamidades públicas etc.

[8] Vide Dec. Federal nº 88.777 de 30/09/1983.

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Sobre o autor
Rainer Riedel

Policial Militar do Estado do Ceará, acadêmico de direito pela Faculdade Integrada Grande Fortaleza, autor dos livros Senhor do Amor Exato, Ed. Oficina da Palavra, 2005 e Manto Poesia, Ed. Arte Visual, 2011. Curriculo Lattes:

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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